Os 88 Anos da UJC e as tarefas dos jovens comunistas

Luís Fernandes*

Neste primeiro de agosto comemora-se mais um aniversário de fundação da União da Juventude Comunista, juventude vinculada ao PCB. Às vésperas de completar seus 90 anos em 2017, crescem os desafios para os jovens comunistas em impulsionar o projeto revolucionário enquanto uma alternativa concreta para a juventude brasileira. Tarefa um pouco maior e aparentemente distinta com relação às gerações de comunistas que viveram no século XX.

Em 1920, ao discursar no III Congresso da KOMSOMOL (União da Juventude Comunista Russa), Lênin revelava uma visão estratégica para os jovens comunistas: estes seriam educados para não apenas o ato revolucionário, isto é, para a tomada do poder político, mas sim, para o exercício permanente de construção da nova sociedade. Este “otimismo” era perceptível em seu discurso:

“A geração que tem agora cerca de 50 anos, não pode pensar em ver a sociedade comunista. Terá morrido antes. Mas a geração que tem hoje 15 anos verá a sociedade comunista e será ela que a construirá. E deve saber que a edificação desta sociedade é a missão da sua vida. Na velha sociedade, o trabalho fazia-se por famílias isoladas e ninguém o coordenava, excetuando os proprietários de terras e os capitalistas, que oprimiam as massas populares. Nós devemos organizar todos os trabalhos, por sujos ou duros que sejam, de modo que cada operário e cada camponês diga: eu sou uma pequena parte do grande exército do trabalho livre e saberei organizar a minha vida sem proprietários de terras nem capitalistas, saberei estabelecer o regime comunista. É preciso que a União da Juventude Comunista eduque a todos, desde cedo, no trabalho consciente e disciplinado. Assim, poderemos esperar que sejam cumpridas as tarefas que hoje se apresentam. Devemos ter em conta que farão falta não menos de dez anos para eletrificar o país, para que a nossa terra arruinada possa ter a seu serviço as últimas conquistas da técnica. Pois bem, a geração que tem hoje 15 anos e que, dentro de dez ou vinte anos, viverá na sociedade comunista deve organizar a sua instrução de maneira que cada dia, em cada aldeia ou cidade, a juventude cumpra praticamente uma tarefa de trabalho coletivo, por minúsculo e simples que seja. À medida que se realize isto em cada aldeia, à medida que se desenvolva a emolução comunista, à medida que isso ocorra, ficará assegurado o êxito da edificação comunista. Só considerando cada um dos seus atos do ponto de vista deste êxito, só perguntando conscientemente a nós próprios se fizemos o necessário para chegarmos a ser trabalhadores unidos e conscientes, conseguirá a União da Juventude Comunista agrupar o meio milhão dos seus membros no grande exército único do trabalho e granjear o respeito geral.”[ CITATION VIL20 \l 1046 ]

Esta visão de Lênin era condicionada por sua própria percepção conjuntural e teoria geral de revolução. Mesmo em 1920, a onda revolucionária impulsionada pela Revolução Russa parecia “apenas” necessitar de um organismo centralizado e disciplinado, a fim de organizar o exército da revolução mundial. A base desta convicção seria a percepção das contradições internas da expansão capitalista, o elo mais fraco do sistema imperialista1 e o papel dos países periféricos como a Rússia servindo como “antessala” da revolução mundial. As contradições provocadas pelo imperialismo aceleraram o amadurecimento da base objetiva comum para uma revolução mundial. A revolução se iniciou onde o nó dessas contradições adquiriu o mais alto coeficiente de explosividade (combinando-se com a opressão da autocracia tsarista, com as contradições entre estruturas capitalistas e pré-capitalistas, com a ruína gerada pela guerra, com a sujeição das nacionalidades não russas etc.) e onde, ao mesmo tempo, existia o agente político preparado no nível teórico, político e organizativo: o partido bolchevique2.

Os prognósticos de Lenin pareciam se confirmar. Os bolcheviques tomaram o poder na Rússia e conseguiram resistir aos planos de desestabilização do regime por parte das potências ocidentais capitalistas; a Europa era varrida por levantes operários na Alemanha, Itália, Polônia, Hungria, etc. O diagnóstico operativo seria criar um grande organismo revolucionário para ser o polo impulsionador desta grande onda mundial. Com este propósito, em 1919, os dirigentes bolcheviques fundavam a Internacional Comunista – a III Internacional.

O objetivo da Internacional Comunista, mesmo sofrendo críticas dos Espartaquistas – principal grupo revolucionário alemão -, seria ser o grande partido e exército internacional da revolução. Dada as condições objetivas das disputas interimperialistas, descontentamento do proletariado com a Grande Guerra e suas consequências e o exemplo da Revolução Russa, os revolucionários deveriam trabalhar para a construção de um instrumento de novo tipo para os trabalhadores de todo mundo – o partido comunista. Para Lênin, o êxito da Revolução Russa dependia do sucesso das revoluções no Ocidente.

Foi sob resolução do II Congresso da Internacional Comunista que organizou-se o I Congresso Mundial da Juventude Comunista, ou seja, a organização internacional das juventudes comunistas também foi deflagrada dentro de um contexto de ascensão revolucionária. Mais do que agitar e organizar a revolução mundial, caberia à juventude comunista exercer o papel de vanguarda na construção de uma nova sociedade, nos seus diversos âmbitos, disputar o sentimento rebelde e inquieto da juventude, em especial a proletária, frente à estrutura de exploração e opressões que lhe é imposta.

Posteriormente, este contexto reflui. Os movimentos revolucionários são derrotados, a URSS isolada e obrigada a adotar novas táticas para a manutenção dos bolcheviques no poder na Rússia. Frutíferos debates sobre a importância dos países orientais e periféricos para a revolução mundial deram lugar às disputas políticas no centro do poder político soviético.

No Brasil, o PCB, desde 1924, tentava organizar sua juventude comunista com grandes dificuldades. Apenas em 1927 o jovem Leôncio Basbaum, seguindo orientações do Comitê Central, passou a coordenar o trabalho de articulação juvenil do partido com êxito, sendo o primeiro secretário político da UJC. A forma organizativa da JC seguia aos padrões específicos da juventude proletária brasileira: uma juventude com baixos níveis de escolarização, lançada bastante cedo no mercado de trabalho e sem quaisquer direitos sociais mínimos. Tratava-se de uma juventude com uma média baixa de idade (até 21 anos) e composta, em sua grande maioria, por jovens proletários residentes em centros urbanos no país.

A União da Juventude Comunista, no Brasil, constantemente sofreu com a implacável repressão das classes dominantes, a oscilação política do PCB e a dificuldade de formação de um núcleo dirigente revolucionário estável na história deste partido. Muitas vezes, ao longo do último século, a Juventude Comunista acabava mais por se converter em um instrumento de lutas e oportunismos internos do que um braço partidário para o trabalho de massas.

Mesmo assim, com todas as dificuldades, a UJC muito contribuiu para a formação política de importantes militantes para o PCB e a esquerda brasileira, protagonizou grandes lutas pela educação pública, em defesa da criação e estatização da Petrobrás, contra o fascismo, foi fundamental na fundação da União Nacional dos Estudantes(UNE) e na organização dos jovens trabalhadores e estudantes de escolas técnicas. É verdade, entretanto, conforme já mencionamos, que a organização da juventude comunista variava de acordo com as conjunturas e predomínio de visões dentro do PCB.

Por isso, foi apenas após a consolidação estratégica do processo de reconstrução revolucionária do PCB, em 2005, que a UJC se reconstrói e consolida sua forma de organização nacional, adotando prioridades táticas e se potencializando como uma alternativa para os milhares de jovens rebeldes e revolucionários no Brasil. Contudo, estas conquistas ainda são mínimas em comparação com as reais necessidades de existência de uma juventude comunista revolucionária.

A derrota política do socialismo soviético e a crise do movimento comunista conjugadas com os novos padrões de acumulação capitalista frente a sua crise sistêmica permanente, impuseram à juventude uma série de ataques objetivos e subjetivos perversos. O capitalismo contemporâneo, além de retirar direitos, desempregar, encarcerar e violentar através de guerras entre países e internas, imprime um controle sobre os sonhos, emoções e desejos da juventude.

Tenta-se, com grande eficiência, direcionar a rebeldia juvenil para o consumo, transformar a inquietude em medo, os desejos e sonhos em frustrações. A crise da sociedade burguesa afeta a juventude, em especial a trabalhadora, nas diversas esferas da vida. A organização de uma juventude comunista hoje também passa a ser estratégica. Se no último século viu-se a oportunidade de se construir uma nova sociedade para além da lógica da acumulação capitalista e, por isso, a estratégia para a Juventude Comunista seria a preparação para dirigir as transformações objetivas e subjetivas no socialismo-comunismo, neste novo século, a época da contrarrevolução impõe a necessidade de formação de núcleos juvenis revolucionários conscientes do combate diário à barbárie do capitalismo. Mais do que combater, a UJC deve ser uma força política e social importante para recolocar a luta revolucionária novamente como perspectiva para a juventude brasileira.

A luta revolucionária não deve ser encarada como um amontoado de consignas genéricas, autoproclamação e sectarismos. A crise do capitalismo acaba por impossibilitar, na maioria dos casos, que organizações sociais democratas e reformistas consigam responder às demandas sociais das classes trabalhadoras e sua juventude. A nova tática destes grupos, no âmbito juvenil, é vincular importantes lutas identitárias específicas a um programa geral genérico, moralista, institucional e sem conteúdo concreto de classe. A Juventude Comunista, braço revolucionário do PCB, deve buscar mediar concretamente as questões específicas da juventude ao programa da revolução brasileira, cujo grande passo tático geral atual é de reconstrução da independência política de classe dos trabalhadores e suas organizações, o Poder Popular.

O poder material e simbólico do grande capital combinado com a ausência de alternativas reais a este parece tornar esta ordem social e econômica invencível e imutável. Entre as esquerdas no século XXI emergiu a renovação de duas visões imediatistas que influem a juventude. A primeira, que ganhou muita força na América Latina a partir da ascensão de governos progressistas ou sociais liberais, é o pragmatismo institucionalista. Este tivera seu ápice em 2006: a supervalorização do mercado de commodities fora a base econômica para garantir, em graus diferentes, algumas políticas sociais que dialogavam com demandas sociais das classes populares.

Cada vez menos, a prioridade em estratégias gradualistas e institucionais garante as conquistas e direitos mínimos para os trabalhadores e juventude. Pelo contrário, acompanhamos mundialmente mais uma nova contrarreforma da democracia burguesa, restringindo cada vez mais a participação de organizações populares e de esquerda no jogo político institucional. Outra tendência manifestada está no extremo oposto: a negação completa da participação institucional e da luta por reformas subordinada a um programa revolucionário de ruptura com o capitalismo. Trata-se de movimentos e expressões ideológicas avessos à luta coletiva, à organização revolucionária, ao centralismo democrático e à disciplina consciente. Ao negar o liberalismo burguês, sem positivar uma visão de mundo coerente, estas expressões rebeldes acabam por reafirmá-la de alguma forma.

Correndo o risco de exageros impostos pela luta do nosso tempo, nunca foi tão vital o fortalecimento das juventudes comunistas no Brasil e no mundo. Na história contemporânea, o recolocamento da necessidade revolucionária na ordem do dia é algo impreterível para a juventude, o povo trabalhador e todas as conquistas socioculturais da humanidade.

Sabemos que os 88 anos da UJC serão lembrados, comemorados, nossos camaradas que lutaram e sucumbiram por esta organização, como José Montenegro de Lima, Leôncio Basbaum, Zuleika Alembert e João Saldanha serão ovacionados e tratados como verdadeiros heróis e heroínas, com muita justiça. No entanto, devemos ir além. Assim como fizeram nossos antepassados, devemos aprender com as lições da história, compreender o nosso tempo e nos empenharmos de forma consciente para a envergadura da tarefa que se coloca à nossa frente.


1. Acreditamos que o grande mérito de Lenin é conseguir integrar em sua análise o desenvolvimento do capitalismo com as questões políticas relevantes e imediatas do imperialismo. Utilizando-se das análises econômicas de Hilferding e Hobson, isso fica evidente no curso de sua obra Imperialismo, fase superior do capitalismo: logo após discutir a questão da exportação de capitais, a qual, na fase de monopolização, assume papel determinante, para além da exportação de mercadorias, Lenin se volta para a partilha do mundo entre os grupos capitalistas e, consequentemente, as potências, internacionalizando o conflito capital x trabalho entre as nações. Além disso, o autor consegue atingir o amadurecimento de analisar o imperialismo e suas contradições, a partir de uma compreensão do desenvolvimento desigual do capitalismo como sendo parte do sistema.

2. O tipo de partido proposto por Lenin é objeto de fortes críticas e ponderações até os dias atuais. A leitura ahistórica, seletiva e universalista foi uma prática comum adotada por diversas correntes do movimento comunista. No entanto, em Lenin há uma gama de proposições sobre a forma partido de acordo com as conjunturas. Podemos identificar, mesmo assim, alguns vetores comuns como: a crítica ao chamado espontaneísmo, o partido encarado como um mediador universal das lutas do proletariado – educa e se autoeduca com as massas (vanguarda) -, o internacionalismo e a formação de quadros capazes de impulsionar a revolução das massas.

*Luís Fernandes é Secretário Político da UJC.

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