EU VOU NO BLOCO DESSA MOCIDADE QUE NÃO TÁ NA SAUDADE E CONSTRÓI A MANHÃ DESEJADA – OUSAR LUTAR, OUSAR VENCER!

Der Schoss ist frunchtbar noch, aus dem das kroch

(Ainda está fecundo e procriando o ventre de onde isso veio engatinhando)

Bertolt Brecht

Quem não assistiu ao debate dos candidatos de esquerda no jornal Brasil de Fato perdeu e muito. Foi um grande esforço para romper o bloqueio e a censura “totalitária” da mídia burguesa, que até o fim insistiu em ter somente dois candidatos na disputa eleitoral, com uma regra três e um quarto periférico de esquerda. Ivan Pinheiro, Zé Maria e Rui Pimenta puderam explanar suas propostas de governo, as divergências e as convergências programáticas entre os três Partidos presentes, PCB, PSTU e PCO. A ausência lamentada e criticada, como era de se esperar, foi a de Plínio de Arruda Sampaio, do P-SOL.

Em meu modo de ver, essa iniciativa inaugurou um novo modo de cobertura eleitoral. Mostrou que é possível quebrar monopólios midiáticos e propor alternativas de comunicação, num mundo altamente informatizado, onde as informações chegam em tempo real para as pessoas. Sem exageros, posso dizer que a cobertura do jornal Brasil de Fato fez história no debate do dia 21 de setembro de 2010, entre as esquerdas socialistas. Daqui em diante, as coberturas e os debates eleitorais terão um novo formato e será cada vez mais difícil esconder e enganar a população sobre o que realmente ocorre em nossa sociedade.

Foi o ponta pé inicial, e muito teremos que fazer para tornar essa modalidade uma forma ampla de veiculação de informações. Efetivamente, ficou demonstrado que é possível. Valeu o esforço e o protesto. Ironicamente, até a mídia burguesa foi obrigada a estar presente naquilo que ela tentou esconder! Mas não nos iludamos, esse pequeno grande esforço é só uma das muitas e decisivas batalhas que teremos de travar contra a burguesia e sua mídia. De fato, há uma clara e militante intenção dessa mídia nacional de tentar varrer do mapa e da história os partidos operários e populares.

Mas essa não é uma operação restrita ao Brasil. A ofensiva burguesa contra os trabalhadores é geral e não se limita ao campo informativo. A crise orgânica do capitalismo impõe para a burguesia uma agenda de arrochos salariais e de retiradas das conquistas históricas dos trabalhadores. Privatizar não é somente a sanha furiosa de uma burguesia em crise e sedenta por lucros, mas é fundamental para a sobrevida de uma forma de sociabilidade em agonia.

Isso explica a crescente bonapartização das democracias burguesas. Um dos elementos componentes dessa recriação da história é a restrição às participações institucionais dos partidos comunistas e socialistas revolucionários e a tendência de bipartidarizar as representações políticas.

Não temos espaço aqui para discorrer sobre os processos históricos de cerceamento das lutas operárias no mundo. Mas é relevante que levemos em conta a sucessão ininterrupta das restrições às participações institucionais dos trabalhadores. Alguns cientistas políticos chamam de hegemonia do “modelo” anglosaxão, criado na Inglaterra como a primeira forma política para diluir a participação popular, dividindo o poder não somente em duas câmaras, a dos lordes e a dos comuns, como restringindo gradativamente, a partir do século XIX, a participação de outras organizações políticas. O bicameralismo elitista é seguido por um bipartidarismo bonapartizante que limita a participação dos partidos operários e populares, através de restrições eleitorais nos processos políticos.

Os Estados Unidos da América também possuem uma sistema político extremamente restritivo. Desde a independência, a preocupação das elites estadunidenses foi a de não possibilitar que a maioria do povo pudesse escolher seus governantes mais importantes. Criaram, a partir da própria experiência inglesa e liberal, mecanismos mesclados de votações diretas e indiretas que garantiram o poder aos grupos econômicos hegemônicos. Desde meados do século XIX, alteram-se no poder dois partidos políticos oligárquicos, surgidos da luta pela divisão do poder entre abolicionistas e escravistas. O Partido Democrata, um dos mais antigos do mundo, organiza-se em 1833, no sul estadunidense, por plantadores e donos de escravos, enquanto que o Partido Republicano, de 1854, é fundado para combater a escravidão e incentivar o desenvolvimento de forças produtivas modernas em franca oposição às elites retrógradas, latifundiárias e escravistas do sul. Quando chega ao poder, pela primeira vez, com Abraham Lincoln, provocam uma cisão no bloco burguês que causará a Guerra de Secessão, 1861-1865, e a hegemonia da burguesia industrial, com a vitória das forças da União contra os Confederados.

O PD moderniza-se e ganha sua face atual, a partir da década de 1930, com a liderança de Franklin Delano Roosevelt . Nos EUA, não há voto direto para presidente da república, mas votação em um colégio eleitoral que elege o presidente, com legislação confusa, sem muitas regulações. Mas se para ser delegado (e votar no colégio eleitoral) o membro não pode ter cargo eletivo, por outro lado, esse membro não pode ter nenhum envolvimento com revoltas sociais ou ações anti-governo!

Esse sumaríssimo recorte histórico nos demonstra quanto o movimento operário e dos trabalhadores lutou para garantir a participação das massas populares nos processos decisórios e, principalmente, como a Revolução Russa ampliou esses horizontes de conquistas. Mesmo assim, as burguesias nunca deixaram suas perspectivas de hegemonia autocrática. Pouco mais de duas décadas após a tomada do poder pelos comunistas na Rússia, as burguesias de todo mundo movimentaram-se para reprimir e cercear os movimentos proletários de cunho socialista e comunista.

Fala-se muito da ascensão do nazi-fascismo, na Itália, Alemanha e Japão. Mas cala-se sobre a repressão e cooptação do movimento operário nos Estados Unidos da América. As ascensões dos nazi-fascistas europeus e dos autocratas estadunidenses são resultados diretos da aventura burguesa para conter o avanço do socialismo no mundo. Se nos países fascistas a repressão sangrenta aos movimentos populares é bastante conhecida, as próprias guerras imperialistas, Iª e IIª, com a vitória das forças “aliadas” contra a Alemanha e depois, contra o “eixo”, proporcionaram a manipulação do que realmente ocorreu no cenário internacional da luta de classes. Entre as décadas de 1920 e 1930, a crise econômica mundial e a penúria na Europa possibilita a chegada de partidos de extrema direita ao poder, fascistas na Itália e os nazistas na Alemanha, com apoio de suas burguesias e contra as organizações proletárias desses países. Mas também em outros países, a ultradireita chega ao poder. Franco na Espanha, através de uma sangrenta guerra civil, Oliveira Salazar em Portugal, Hiroito no Japão, afogando o movimento operário japonês em sangue, e Vargas no Brasil.

Roosevelt nos EUA terá o papel do desmonte gradativo do movimento operário estadunidense. Juntamente com a implantação do New Deal, atua em duas frentes: de um lado, legaliza os sindicatos, tendo por base de apoio setores da aristocracia operária, cooptados para o projeto burguês de reconstrução da economia. De outro, reprime os segmentos proletários de viés socialista ou comunista, fazendo um acordo com a máfia italo-estadunidense para a eliminação física dos militantes classistas.

Roosevelt implanta um tipo de corporativismo que facilita organizações sindicais amarelas (pelêgas) controlar o movimento em associação com os empresários. Enfrentando períodos de crise, inclusive a IIª Guerra Mundial, teve facilitada suas 4 reeleições para presidente, falecendo no seu 4º mandato. Convenhamos que quatro mandatos em um país bipartidário é mais do que autocracia burguesa, é bonapartismo explícito. No Brasil, Getúlio, que chega ao poder com um golpe de Estado apoiado pela burguesia modernizadora, fará o mesmo com o sindicalismo, mas não terá a competência de Roosevelt para por o país nos trilhos de uma economia saída da guerra.

A existência da União Soviética, com todos seus problemas internos, garantiu no âmbito internacional que o movimento operário e popular mantivesse suas conquistas e, mais do que isso, propiciou a vigência de campos políticos progressistas em países capitalistas, centrais e até nos países periféricos, ainda que com mais dificuldades. De qualquer modo, a presença da URSS freiou e moderou as ofensivas do capital sobre as relações de trabalho e garantiu conquistas democráticas aos movimentos dos trabalhadores. Somente após a falência das primeiras experiências socialistas, inclusive da URSS, a ofensiva burguesa tornou-se mais virulenta e, como diria Marx, sans phrase, (sem véus). Assistimos um grande ataque aos trabalhadores em todo o mundo.

No Brasil, dado o agravamento da crise sistêmica do capitalismo, tudo indica, o governo Dilma deverá ser mais conservador no plano econômico e, consequentemente, no plano social. A necessidade de ajustes para enfrentar a crise colocará demandas do capital que deverão incidir na situação dos trabalhadores. Flexibilizações, perdas de ganhos e até de conquistas legais deverão nortear a política governamental, sem contar com o aprofundamento das privatizações, começando com as reformas da previdência (a 2ª, já que a primeira realizou Lula, sobre os funcionários públicos) e a tributária, que tem por objetivo desonerar a produção, quer dizer, precarizar direitos e arrochar salários, isso tudo, com apoio da CUT e Força Sindical em consonância com o governo, aos moldes da política de Roosevelt ou, como diz a música, “no es lo mismo, pero es igual“.

Mas essas medidas, em contrapartida, porão na ordem do dia a luta dos trabalhadores, reacendendo o movimento sindical. Aliás, a esquerda antagonista brasileira está convencida disso. Não nos esqueçamos que a Conlutas e a Intersindical já possuem agendas de lutas ampliadas e de resistência. Outra das reformas agendadas será a política, que proporá a exclusão dos chamados “partidos pequenos”, ou dizendo de outro modo, proletários e populares da vida nacional.

O ventre autocrático burguês, mesmo velho e decadente, ainda gesta seus monstros ferozes contra os trabalhadores. A ofensiva em curso, porém, está encontrando resistências em todo mundo, na Grécia, na Itália, na Espanha e na França, pátria emblemática das lutas proletárias. No Brasil, não será diferente. Estamos nos preparando. No debate do dia 21 de setembro pudemos ver quantas convergências a esquerda antagonista está construindo. Apostamos na unidade das esquerdas, apostamos na construção do Campo Socialista, anticapitalista e antiimperialista. Venceremos.