Em meio a tempestade

imagemEstamos em meio a procela. Pairam nuvens escuras e carregadas nos céus povoados por raios e trovoadas. Não há luz à vista. O horizonte sequer se apresenta.

Esse é o mundo no qual estamos, o Brasil em que vivemos. Não existe um único dado concreto a permitir vislumbrar saída. Nosso país encontra-se emaranhado na armadilha financeira, a mesma responsável pela débâcle da Grécia, Portugal, Espanha, Itália e tantas outras nações.

Os pagamentos da pseudo dívida sangram os cofres públicos em nível federal, estadual e municipal. Ainda assim a presidente da República veta a auditoria da dívida pública, sob falaciosos argumentos. Os poucos recursos restantes são utilizados para manter a máquina estatal funcionando, atender interesses dos grupos econômicos dominantes e abastecer os aliados, a corrupção ativa e passiva. Nada ou muito pouco sobra para os verdadeiros produtores, a classe trabalhadora e, consequentemente, a população em geral.

O jogo político restringe-se a determinar a velocidade de entrega do restante da riqueza nacional, com destaque para o pré-sal, bancos públicos, Previdência, saúde e educação. O solo, o subsolo, o meio ambiente, a ciência, a tecnologia, as áreas urbanas e rurais, os transportes, as linhas de escoamento da produção, a agricultura, a indústria, os serviços, com destaque para a mídia, já têm seus desígnios traçados. Impublicáveis e inconfessáveis desígnios.

As conversas do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, com o prefeito da capital Fernando Haddad e com o MST são provas do quanto tais diferenças podem ser deixadas de lado, por mais que interesse ao capital mantê-las, pelo menos na aparência, a fim de garantir o Poder, já que são nos últimos anos as duas únicas alternativas existentes, ambas a atender seus ditames.

Nesse caos vislumbram-se heroicas tentativas de reação. Os estudantes secundaristas de São Paulo deram a senha. Moças e rapazes, jovens, alguns quase crianças, a acreditar no lúdico, na beleza da vida, no direito à educação, ao bem-estar comum. A defender seus direitos com determinação. A cena, pouco divulgada, da firmeza do olhar de uma moça confrontando o ódio de um policial militar é digna de um prêmio internacional. Jamais concorrerá.

Agora, é a luta contra os abusivos aumentos das passagens de ônibus. De novo a juventude vai às ruas e enfrenta os soldados do asfalto, cães de guerra a defender os interesses da burguesia e a agredir barbaramente aqueles que ousam se levantar contra eles.

Os alunos têm a quem puxar. Os professores do Paraná, de São Paulo, do Rio de Janeiro e de tantas outras cidades também se levantam contra o pior salário comparativo em nível mundial para educadores. Da mesma maneira são massacrados pela polícia, treinada não para proteger os cidadãos, mas para agredi-los e matá-los, como bem sabem as comunidades mais carentes, sistematicamente a verem seus filhos assassinados.

A falta de saúde do estado do Rio de Janeiro é um caso tão drástico que sequer vale a pena comentar, apenas destacar o desafio do governador para que o processem por sua inépcia administrativa. Ele tem maioria na Alerj, é sócio daqueles que poderiam puni-lo.

Como da própria cobra vem a cura para o veneno, outros setores da sociedade se levantam. Servidores do estado do Rio por atrasos de salários, indígenas contra a PEC 215, trabalhadores da CSN contra as demissões, também da Cemig, trabalhadores rurais via MST etc. Até os jornalistas, fato raro, têm feito paralisações, apesar das assombrosas demissões que sofre a categoria,

O destaque são os moradores de pequena Vila Soma, comunidade de Sumaré, na periferia da Grande São Paulo. Dez mil famílias ameaçadas de despejo montaram um pequeno exército para enfrentar a polícia militar. Com toscos escudos, capacetes e bastões se preparam para uma batalha anunciada.

Fato similar ocorreu em 2012, em Pinheirinhos, em São José dos Campos. A primeira vista o saldo foram vários feridos e detidos. Um olhar mais acurado, entretanto, vislumbra a radicalidade das reações, indicando que o sistema atual já não consegue impor seus ditames como dantes. A população começa a perder credibilidade nas instituições e buscar garantir por si própria os seus direitos.

Pode ser apenas uma brisa a se perder na tempestade, mas também pode ser sinal de um vento novo que se avizinha, a debelar a procela e trazer a luz do horizonte.

Afonso Costa

Jornalista

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