Soja e dengue: mais uma mancha para o complexo da soja

imagemARGENTINA:

Por Alberto Lapolla /Resumen Latinoamericano / BiodiversidadLA.org / 27 de janeiro de 2016 – Nos últimos dois anos, a invasão de mosquitos das espécies Aedes sp e Culex sp. assolou amplos espaços de nosso país, especial de Pampa Húmeda, estendendo-se muito além do verão, que é a estação onde aflora massivamente. O fenômeno foi particularmente notável em 2008, quando a invasão durou quase até o mês de maio, apesar da temperatura ter diminuído o suficiente como para acabar com eles. Para aqueles que acompanham de perto o desenvolvimento dos acontecimentos ambientais argentinos, o fato não passou desapercebido. Assim, tentamos chamar a atenção a respeito do que ocorreria se a espécie em propagação não fosse pertencente ao Aedes comum ou ao Culex ‘doméstico’, mas ao temível transmissor da Febre Amarela e da Dengue? Inclusive, em 2007 e 2008, ocorreram casos de febre amarela na Bolívia, Paraguai, Brasil e no norte da Argentina, que foi atribuído a viajantes provenientes dos países irmãos.

Na oportunidade, assinalamos a equivalência do mapa correspondente à invasão dos mosquitos, com o que a multinacional Syngenta, chamada de ‘a República Unida da Soja’, ou seja, a região compreendida pelas zonas da Bolívia, Paraguai, Argentina, Brasil e Uruguai, semeadas com o feijão mágico transgênico forrageiro produzido pela Monsanto, e produzido abundantemente com seu agraciado herbicida ‘mata tudo’ glifosato, conhecido como Round up, acompanhado por seus companheiros de viagem tais como o 2-4-D, a Atrazina, o Endosulfan, o Paraquat, o Diquat e o Clorpirifos, entre alguns outros. Nesse momento – junto a outros ambientalistas do resto do continente – assinalamos a rara coincidência de ambos os mapas, muito mais notável no caso da expansão da epidemia de Febre Amarela de 2007-2008 e da epidemia de mosquitos ‘domésticos’ de 2008. Assim, preferimos supor, que qualquer vinculação do raro fenômeno ambiental com a utilização massiva e descontrolada do glifosato e a área sojizada, não pode ser senão parte de uma conspiração antimonsantiana ou de mentes febris, que enxergam catástrofes ambientais por todos os lados e não acreditam no que diz a empresa multinacional ou seus porta-vozes da AAPRESID, a FFA ou Clarín Rural, sobre a ‘absoluta inocuidade’ dos quase trezentos milhões de litros de pesticidas jogados pelo complexo da soja sobre o ambiente agropampeano. Porém… que elas existem, existem…

Assim, chegamos à epidemia de dengue em 2009 e – oh, que coincidência – a mesma voltou a ocorrer com a grande parte da área de produção de soja sul-americana, e se baseia em uma expansão exorbitante da população de mosquitos. Qualquer professor de Ecologia ou de Biologia – não empregado em uma multinacional ou em um programa de investigação universitário financiado por elas – perguntaria: desapareceu algum predador natural do mosquito? Ou: o mosquito aumentou sua fonte de alimentação de maneira exorbitante? Bem, a primeira é a pergunta correta e, portanto, a ela corresponde a resposta correta, caso o docente desejar fazer a pergunta, claro.

O glifosato, a Atrazina, o Endosulfan, o 2-4-D, o Clorpirifos, o Diquat e o Paraquat casualmente matam peixes e anfíbios – sapos, rãs, etc. –, ou seja, os predadores naturais dos mosquitos, aos quais consomem tanto em seu estado larval como adultos. <j>Porém, se isto é assim, como é que ninguém advertiu…

Porém, tem mais, pois a coisa não é tão direta, mas multivariada e complexa como todos os fenômenos ambientais. Embora a epidemia de dengue que surpresamente atacou nosso país tenha sua origem na propagação da epidemia que afeta a irmã República da Bolívia, a mesma tem sua causa principal no aquecimento global que afeta nosso planeta que, ao produzir o aumento das temperaturas mínimas e médias, estende as enfermidades chamadas tropicais (paludismo, febre amarela, dengue, malária e outras) para as regiões temperadas, ou seja, a Argentina. Essa é a principal razão do porque a dengue voltar a nosso país, que tinha sido eliminada durante os anos cinquenta graças ao elogiado trabalho do Dr. Ramón Carrillo. No entanto, cabe situar outras relações causais do múltiplo complexo ambiental que afeta a expansão de uma enfermidade como a dengue.

As políticas de destruição do Estado e seus controles aplicados durante os anos noventa, que pararam as fumigações preventivas, e a falta de novos produtos químicos para combater o inseto vetor Aedes aegypty, que as multinacionais do negócio agrotóxico não desenvolvem devido a que, segundo elas, ‘não é negócio, pois os países tropicais, principais destinatários dos produtos são maus pagadores’, no caso argentino, devem se somar à tremenda expansão da área de produção de soja em Pampa Húmeda e extensas regiões do NEA e do NOA, fronteiriças com a Bolívia, Brasil e Paraguai.

Assim, a sojização mantém uma linha dupla de influência sobre a expansão da dengue. Por um lado, o complexo de agrotóxicos utilizados pelo sistema da Semeadura Direta – soja RR se baseia no uso massivo de glifosato, endosulfan, clorpirifos, 2-4-D, atrazina, paraquat, e outros pesticidas. Todos possuem uma forte ação devastadora sobre a população de peixes e anfíbios, predadores naturais dos mosquitos transmissores da dengue e da febre amarela.

Isto pode ser comprovado pelo quase desaparecimento da população de anfíbios na pradaria pampeana e em seus cursos principais de água, rios, córregos, lagoas e bosques, assim como o elevado número de peixes que aparecem mortos nos mesmos ou pela aparição dos mesmos com fortes deformações físicas e com graves afetações em sua capacidade reprodutiva, como informaram reiterados estudos e investigações de diversas instituições de Pampa Húmeda. Poderíamos assinalar sem exagerar que os anfíbios – principais predadores de mosquitos e outros insetos – são coisa do passado no território sojizado, arrasado pelo coquetel de agrotóxicos utilizados pelos produtores no sistema de Semeadura Direta.

Um segundo elemento da relação entre a sojização e a epidemia de dengue se situa no enorme desmatamento produzido nas áreas florestais e montanhosas das regiões do NEA e NOA, que destroem o equilíbrio ambiental dessas regiões, liquidando o refúgio e o habitat natural dos predadores de outros predadores dos mosquitos, permitindo o aumento descontrolado de sua população. Tal como se vê comprovado nos últimos anos, apenas neste último correspondeu à população de Aedes aegypty e não ao Aedes comum ou ao Culex, como em anos anteriores. O crescimento incomum da população de mosquitos é a causa principal da expansão da epidemia da dengue, segundo assinalam a maioria dos especialistas e sua relação com os agrotóxicos da soja é quase direta.

Esta relação não é uma simples relação de causa-efeito, mas parte das cadeias concatenadas de fenômenos que caracterizam os processos ambientais e, por isso, são em geral difíceis de estudar ou de assinalar, mediante um olhar simplista da relação causa-efeito. No entanto, é impossível negar a relação entre a destruição dos predadores dos mosquitos provocada pela sojização, por conta dos venenos usados para seu cultivo, assim como por obra da depredação das montanhas e bosques nativos, que produz seu cultivo descontrolado e, portanto, sua responsabilidade central na existência da atual epidemia de dengue. Mais uma mancha a ser carregada pelo absurdo da produção de soja.

Alberto J. Lapolla

Engenheiro agrônomo genetista e Historiador. Diretor do Instituto de Formação da CMP

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2016/01/27/argentina-sojizacion-y-dengue-una-mancha-mas-para-el-complejo-sojero/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Categoria