Depois da “audácia”: a burguesia segura o fôlego rumo a 2017

imagemPor Gabriel Landi Fazzio

Às portas da revolução de outubro de 1917, Lenin insistia em repetir que a insurreição é uma arte. O mesmo poderia ser dito da contrarrevolução, e talvez todo assalto ao poder. Não causará estranhamento o paralelo entre a citação de Marx, destacada por Ilitch, e o desenrolar dos eventos políticos no Brasil de 2016:

[…] uma vez iniciada a insurreição, aja-se então com a maior decisão e tome-se a ofensiva. A defensiva é a morte de todos os levantamentos armados; estes ficam perdidos ainda antes de se terem medido com o inimigo. Surpreenda os adversários, enquanto as suas tropas estão dispersas, assegure diariamente novos êxitos, ainda que pequenos; conserve a preponderância moral que o primeiro levantamento vitorioso te trouxe; chame a ti aqueles elementos oscilantes que seguem sempre o ímpeto mais forte e se batem sempre do lado seguro; force os teus inimigos a recuar antes que possam reunir as suas forças contra ti; em suma, nas palavras de Danton, até hoje o maior mestre conhecido da táctica revolucionária: “de l’audace, de l’audace, encore de l’audace”

“Audácia, audácia, mais uma vez audácia”. Enquanto as forças populares prendiam o fôlego e observavam, entre a incredulidade e o temor, a reação avançou audaciosamente de manobra em manobra, resoluta. Parecia invencível e inabalável.

Pode ser por isso mesmo que, logo após vencida a fase do assalto ao poder, as hesitações do bloco burguês se tornaram mais evidentes, suas divisões se expuseram. A aura de firmeza inabalável que coroava o golpismo parlamentar se dissipou aos olhos da oposição. Um dos elementos dessa profanação foi, sem dúvida, que a promessa de pôr fim à estagnação econômica não se cumpriu. O professor Jonas Duarte tem sua razão quando afirma que:

O prometido remédio amargo para a sociedade brasileira, para retirar o país da crise econômica não surtiu efeito. […] Como vemos, eles erram muito em seus cálculos e planos. A dinâmica do processo social é muito diferente do calculado em palácios, nos bastidores da política. E cada dia se deteriora em maior velocidade o sustentáculo capitalista, criando espaço para grandes embates. As massas trabalhadoras em geral tomam consciência rapidamente do que representa esse Governo e compreende seus interesses.”

Um termômetro que não deixa dúvida quanto a essas afirmações é a edição online de 09/12 do Valor Econômico, provavelmente a mais consciente e ilustrada mídia burguesa do país. O jornal parece ter o objetivo de alertar as classes proprietárias para seu otimismo excessivo, através de reiteradas matérias. Em uma delas, a menos abertamente pessimista, a manchete afirma que a “crise política ainda não assusta economistas”:

É verdade que a deterioração do quadro político chama a atenção de bancos e consultorias, e há quem tenha reduzido a projeção de crescimento para 2017 por causa da piora desse cenário, como fez a Oxford Economics. A consultoria rebaixou a estimativa de expansão de 0,8% para 0,4%, avaliando que um ambiente político mais turbulento deverá ter impacto s significativos sobre a economia, embora transitórios.

Boa parte dos analistas, porém, tem adotado uma visão mais pragmática, como diz o economista-chefe da Mauá Capital, Alexandre de Ázara. Ele nota que as perspectivas hoje são de que o Congresso aprovará uma reforma da Previdência em 2017, “com mais ou menos dor”. O projeto que limita o crescimento dos gastos da União, por sua vez, deve passar no segundo turno no Senado já na semana que vem, diz Ázara.

O economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, também destaca os avanços ocorridos nos últimos seis meses em relação ao andamento das reformas. “O quadro é mais positivo do que se poderia imaginar”, diz ele, também destacando que o projeto do teto de gastos deverá ser aprovado pelo Senado na próxima semana. “E o projeto de reforma da Previdência já foi enviado ao Congresso.”

Kawall avalia que, mesmo com o surgimento de crises como a que levou à demissão de Geddel e o embate entre Renan e o STF, a agenda de medidas fiscais não deixou de andar no Congresso. No caso do conflito envolvendo o presidente do Senado, ele aponta uma “mobilização fortíssima” do mundo político e do próprio Supremo para superar o impasse e normalizar o funcionamento do Congresso. A ideia de que o Banco Central (BC) será mais flexível na condução da política monetária, depois da divulgação da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), também tranquilizou o mercado nesta semana, diz Kawall. […]

O que tem atrapalhado de fato a recuperação da atividade econômica, segundo ele, é a deterioração do mercado de trabalho, que deve prosseguir ao longo do ano que vem, e o processo de desalavancagem de empresas e famílias após o forte ciclo de expansão de crédito que marcou a gestão anterior. Diante dos dados ruins para o terceiro trimestre, Oreng revisou sua estimativa para o PIB em 2017, de uma alta de 0,5% para 0,2%.”

O Valor deixa para a boca de dois entrevistados (Luis Eduardo Assis e Nelson Marconi) as notícias ainda mais pessimistas:

A crise política e institucional pela qual o país está passando é tão grave quanto a econômica – que, por sua vez, é a maior da história. Mas o mercado financeiro não está refletindo corretamente esse ambiente. Para o economista Luis Eduardo Assis, ex-diretor do Banco Central, a situação política tende, nos próximos meses, a contaminar o mercado, porque ficará claro que nada do que está sendo proposto até aqui será suficiente para promover a recuperação econômica. “A situação é muito mais grave do que os preços de mercado estão refletindo”, afirma. “O que consola o mercado é que a PEC dos gastos está praticamente votada. Mas a questão é que a PEC dos gastos está longe de ser a solução.”

Valor: A recente instabilidade política colocou em xeque a melhora da confiança do mercado no novo governo?

Luis Eduardo Assis: Eu acho que isso tudo não é exatamente uma surpresa. A ideia de que uma resolução do impasse após o impeachment provocaria uma recuperação da confiança e que isso provocaria uma recuperação da economia é uma ideia ingênua. O fato é que a economia está numa situação em que não há foco de dinamismo.

Valor: No limite, para onde essa crise institucional pode nos levar?

Assis: Eu acho que o maior risco é de uma agenda populista em 2018. Esse é um risco real. Uma agenda que simplifique os problemas, que privilegie o curto prazo, que procure de uma maneira maniqueista os culpados pela crise. Muito provavelmente, a campanha de 2018 vai ocorrer num ambiente de elevado desemprego. Essas propostas de reforma, que são absolutamente essenciais e positivas, não vão surtir efeito sobre o crescimento até lá a ponto das pessoas acharem que valeu a pena o sacrifício. São reformas de longo prazo, que em primeiro lugar evitam um colapso.

Valor: Diante dessas incertezas, os preços de mercado estão no lugar certo?

Assis: Estamos falando num momento tenso e curioso. O mercado reagiu de forma positiva [ao episódio da permanência de Renan Calheiros como presidente do Senado]. Mas essa percepção vai mudar nas próximas semanas. O país não vai derreter, não vamos entrar numa crise da qual não possamos sair, mas na minha opinião a situação é muito mais grave do que os preços de mercado estão refletindo. A tendência é olhar as questões que afetam o curto prazo. O que consola o mercado é que a PEC dos gastos está praticamente votada. Mas a questão é que a PEC dos gastos está longe de ser a solução. Até porque, se a reforma da Previdência não for aceita, a PEC dos gastos será inviabilizada.”

Ineficaz no curto prazo e inviável no longo, o “novo regime fiscal” proposto na PEC 55 tenta reduzir radicalmente o papel do Estado na economia brasileira, mas vai gerar um grande impasse político, segundo o economista Nelson Marconi, da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (Eesp/FGV-SP). Pressão de servidores para aumentar aumentar salários, como ocorreu neste ano com o Judiciário, compromete ainda mais a eficácia da emenda constitucional.

Marconi simulou os efeitos da PEC sobre o resultado primário e o endividamento público e chegou a resultados desanimadores: só após seis anos virá um superávit primário e, ao fim, a capacidade de investimento do governo evapora, não apenas nas áreas já apontadas da saúde e da educação. O presidente Michel Temer (PMDB), porém, está em posição confortável: no próximo ano, a inflação declinante permite aumento real dos gastos. […]

Valor: Um conflito tão rigoroso atinge politicamente o governo?

Marconi: A questão é que esse conflito não vai cair no colo de Temer, mas do próximo presidente. Hoje, a inflação está caindo; o projeto prevê controlar os gastos pela inflação do ano anterior. Se neste ano vai ser 7% e no ano que vem cai para 4,5%, o gasto pode subir 7%, um aumento real. O verdadeiro conflito começa quando a inflação se estabilizar. A situação de Temer é confortável, o próximo é que vai receber o abacaxi. Vai ter que mexer nessa regra e vai ouvir de alguém que é expansionista, gastador. Politicamente, está sendo gerado um problema muito sério. […]

Valor: Cuja reforma acaba de ser enviada ao Congresso.

Marconi: A reforma da Previdência é mais difícil de ser aprovada, porque de fato as pessoas sentem no bolso. Além disso, a situação política é complicada e está se degradando rapidamente. Vão ter muita dificuldade em aprovar. Outra coisa é que precisa ser feita, mas não gera resultados no curto prazo”

Ou seja: as forças políticas que governam o Estado em favor das classes dominantes, por mais que afirmem suas certezas, na verdade não têm a menor condição de saberem se, efetivamente, as duras batalhas que têm lutado trarão uma solução definitiva à crise pela qual passa o vive. O que não significa dizer que tais medidas trarão vultuosos lucros para as frações dominantes da burguesia brasileira, como aponta o prognóstico do DCI, celebrando os lucros do setor de previdência privada. Mas que significa, sim, que cada vez mais Temer terá de recorrer a medidas pontuais e esparsas, que produzirão toda a sorte de contradição. Não é difícil prever, por exemplo, as potencialidades explosivas das medidas que o governo vem estudando, conforme anunciou a Folha:

A autorização do saque de uma parcela do FGTS para que trabalhadores possam quitar empréstimos com bancos está sendo estudada pelo governo Michel Temer para tentar acelerar a recuperação da economia brasileira. [Leia-se: espoliando os recursos disponíveis para os trabalhadores quando se vejam desempregados, em favor dos lucros bancários e da redução da inadimplência]

Outra medida sob análise do Palácio do Planalto é a liberação de recursos que os grandes bancos depositam obrigatoriamente no Banco Central, os depósitos compulsórios, para usá-los no refinanciamento de pessoas jurídicas e físicas”.]

Conforme o governo Temer sofra derrotas em suas contrarreformas, ou que mesmo suas vitórias se demonstrem pírricas, maiores serão as condições subjetivas e objetivas de resistência e retomada da ofensiva da classe trabalhadora e da esquerda revolucionária. Se nem as classes dominantes, após todas suas vitórias de 2016, tomam por dado seu sucesso em 2017, não deverão ser os comunistas a fazê-lo. A luta de classes segue e se acirra, no ano do centenário da Revolução Socialista russa.

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