Carlos Lozada: Armas das FARC vão se convertendo em homenagem e memória

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Julián Gallo Cubillos, conhecido como “Carlos Antonio Lozada”, tem 55 anos, uma voz tranquila e que evoca esperança. Participa há 38 anos da guerrilha das FARC e esteve presente nas falidas conversações de 1999 na Colômbia. Nesta nova etapa de diálogos, encabeçou a subcomissão técnica para o fim do conflito, onde se encontrou cara a cara com integrantes das forças militares, aos quais enfrentou na guerra.

Lozada agora é o encarregado do processo de abandono de armas e, em entrevista para Contagio Radio, relatou o que isto significa para um integrante das FARC, os procedimentos e os alcances deste momento histórico que arranca e que é irreversível.

Contagio Radio (CR): Desde que estivemos na X Conferência no Yarí, nos demos conta que tinham quase como seu companheiro permanente seu fuzil. O que está significando para as FARC começar o abandonar das armas?

Carlos Lozada (CL): Nós consideramos que este processo de abandono das armas vai muito além do simples fato de que os combatentes da insurgência vão deixar de usar as armas no exercício da política. Nós consideramos que isso também se torna extensivo, no sentido de não envolver mais armas na política no que se refere a todos os setores que estiveram participando de uma ou outra forma no complexo conflito social e político colombiano. Ou seja, não faz referência ao abandono de armas única e exclusivamente à insurgência, cremos que o Estado deve retirar as armas da política interna e dedicar as armas à defesa da soberania, da integridade do território, dos recursos naturais de nosso país. Ou seja, não é somente a visão unilateral, de que só a insurgência que vai promover a suspensão do uso das armas. O que representa este momento é o compromisso que assumimos e que, logicamente, vamos cumprir plenamente quando assinamos o Acordo de Paz, que visa garantir que não se repita nunca mais esta tragédia em que vivem os colombianos durante as últimas décadas.

Contagio Radio: Qual é o procedimento a seguir para o abandono das armas?

Carlos Lozano: O procedimento é o seguinte: no Acordo se contempla que o processo de abandono das armas tem diferentes momentos. O primeiro se denomina registro que é, digamos, tomar nota das armas que vão ser depositadas sob a custódia das Nações Unidas. Depois, vem uma parte que se denomina controle de armamento, que já seria o registro das armas que durante o tempo de permanência nas Zonas Transitórias vão ter os combatentes. Ou seja, a arma individual com a qual permanecerão até que se termine definitivamente esse processo. E outra etapa consiste em transferir as armas de artilharia, como as metralhadoras, os morteiros, os lança-granadas, que em geral não estão com as unidades. Essas armas serão levadas às Zonas Transicionais e na medida em que vão sendo cumpridos os prazos acordados, pois irão passando pouco a pouco a controle do componente internacional do Mecanismo de Monitoramento e Verificação.

CR: Iván Márquez falou da artilharia das FARC e fez referência a uns mísseis de tempo duplo. Você pode nos dizer como foi esse processo de elaboração, de posse e de uso das armas?

CL: Ao longo do confronto, nós conseguimos desenvolver vários aspectos do armamento popular, e nos comprometemos com que o processo de abandono das armas envolva absolutamente todo o armamento, na medida em que se vão esgotando os prazos e cumprindo os compromissos pactuados mutuamente, pois assim nós mesmos iremos dando a conhecer e colocando sob controle do componente internacional o armamento. Precisamos que este é um acordo que contempla esta parte do abandono das armas e envolve exclusivamente as FARC e o componente internacional. Porque as forças militares e o Estado não terão nenhuma relação nesta parte.

CR: Dentro deste processo e em meio às evidentes dificuldades, o que teria de ser feito de imediato para que este processo não tenha algum tipo de tropeço?

CL: Existe uma serie de compromissos acordados e nós podemos resumir as preocupações que temos neste momento e que ronda a cabeça das FARC desta maneira:

A primeira, obviamente, é a continuidade dos assassinatos sistemáticos contra os dirigentes populares e os defensores de DH. Esse derramamento de sangue contra os colombianos deve parar. Faz falta um compromisso maior do Estado colombiano em dar garantia à mobilização e às organizações sociais.

A segunda é o aumento dos paramilitares, que a cada dia monopolizam mais áreas ante o olhar às vezes complacente de algumas unidades das forças armadas. Não podemos dizer que sejam todas as forças armadas, porém sim, temos e conhecemos informação precisa da conivência de algumas unidades com estes grupos.

A terceira preocupação é a leniência na implantação relacionada à Lei de Anistia e Indulto. Depois de dois meses de aprovadas essas leis, deveriam estar nas ruas os mais de 4 mil combatentes das FARC e milicianos que se encontram na prisão, e os mais de 5 mil colombianos que devem ser beneficiados, que estão prisioneiros por participarem da luta e do protesto social.

CR: A propósito do tema da convivência da força militar com paramilitares, vocês já fizeram uma denúncia à comissão de implantação?

CL: Esse é um tema que de maneira recorrente vem sendo tratado em diversos espaços, onde nos encontramos com funcionários e representantes do Governo e do Estado colombiano. Manifestamos nossa preocupação e contribuímos com provas desse aumento da presença paramilitar em algumas zonas, com informação que nos chega das comunidades.

CR: As armas estão sendo entregues, estão sendo deixadas em poder das Nações Unidas e serão feitos 3 monumentos. Vocês já têm a pessoa que os fará?

CL: Este tema da construção dos monumentos para nós tem uma significação e uma transcendência muito grande, na medida em que queremos significar com estes monumentos a recuperação da memória dos milhares de colombianos que faleceram no conflito armado. Esperamos que esse monumento seja uma referência para as futuras gerações. Quanto à elaboração, temos propostas de colombianos muito dedicados que nos mostraram suas propostas. No entanto, agora não posso dizer seus nomes. O que sei é que refletem e sintetizam a ideia do que nós consideramos que deve ser esse testemunho histórico.

CR: O que pode acontecer com os integrantes das FARC depois, quando se completar o abandono de armas? Existe algum tipo de organização comunitária, cooperativas? Como será a vida?

CL: O acordo prevê que a partir da chegada às Zonas será iniciado o processo de reincorporação das FARC à sociedade, tanto no econômico, político e social conforme os nossos interesses. No político, assim que completarmos o processo de abandono das armas, apresentaremos ao país nossa proposta política, No econômico, se dará a criação de uma grande cooperativa que denominamos “Economias do comum”, que gerará projetos produtivos e também pretendemos que se converta no que pode ser o desenvolvimento de uma economia comunitária alternativa. Com esta iniciativa, queremos que se beneficiem os ex-combatentes, suas famílias e as comunidades.

CR: Para Carlos Lozada, o que foi o mais bonito ou esperançoso deste processo de paz?

CL: Existem muitas coisas que eu poderia narrar, porém vou me referir rapidamente a 3 coisas que realmente para mim significaram fatos transcendentais desta etapa do processo. A primeira é a possibilidade de dialogar com oficiais das forças armadas (…). Sem eles este processo não teria conseguido chegar a um bom término. O segundo, ver os combatentes com suas famílias. Podemos ver como depois de 10, 15 e até mais de 30 anos os combatentes podem se reencontrar com seus entes. Isso comove e nos faz entender o anseio de paz. O último é ver como as Zonas Transitórias estão se convertendo em um ponto de peregrinação, onde chegam para nos felicitar pela decisão tomada e nos oferecem sua solidariedade.

Foto: RemapValle

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2017/03/03/colombia-carlos-lozada-armas-de-las-farc-se-van-convirtiendo-en-homenaje-y-memoria/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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