Multidão sai às ruas na Argentina para apoiar greve de professores

imagemA política argentina se faz na rua há muitas décadas. Quase tudo acaba sendo resolvido com uma maré humana na Plaza de Mayo. Mauricio Macri rompeu essa tendência e ganhou as eleições em 2015 de forma quase dissimulada, sem grandes mobilizações.

Mas agora, após 15 meses no poder, volta a sofrer a pressão da rua. Dezenas de milhares de pessoas — 400.000 segundo os organizadores — marcharam nesta quarta-feira em frente a seu gabinete em Buenos Aires para apoiar os professores da educação pública, que estão em greve há quase três semanas devido a seus baixos salários. Trata-se de manifestação que põe à prova a resistência de Macri.

A reportagem é de Carlos E. Cué e de Federico Rivas Molina, publicada por El País, 23-03-2017.

A educação pública argentina foi um exemplo em todo o mundo. Desde 1880, tornou-se assunto de Estado. Os argentinos conseguiram acabar com o analfabetismo antes de muitos países europeus, como a Espanha. Mas desde os anos 70, com a ditadura e sucessivas crises econômicas, a deterioração tem sido enorme. E agora ninguém nega que a educação pública vai muito mal, apesar dos enormes investimentos dos últimos anos.

Agora, boa parte da classe média manda seus filhos à escolas particulares, antes quase pro forma. E os ricos já não vão à pública como antes porque era melhor. Macri, de uma das famílias mais ricas do país, é o primeiro presidente que não estudou em escola pública, como seus antecessores, mas no elitista colégio Cardenal Newman. É algo comum a muitos de seus ministros.

Todos, Governo e oposição, admitem que a educação pública não vai bem. E todos asseguram que querem defendê-la. Mas os professores dizem que para começar a consertá-la é preciso lhes pagar salários dignos. E estão em greve porque pedem um aumento de 35% este ano (a inflação foi de 40% no ano passado e neste provavelmente ultrapassará os 20%) e o governo lhes oferece 18%.

Na quarta-feira, 22 de março, receberam um respaldo enorme, impossível de desviar politicamente, em uma marcha que veio de todas as províncias e parece o embrião de uma oposição que está se rearmando para evitar que Macri vença as próximas eleições de outubro. Ele, por sua vez, quer manter o pulso para mostrar que ainda controla o país.
Como contra-ataque a essa mobilização, o Governo tornou público um relatório que mostra a enorme distância entre a educação pública e a privada, que demonstra a desigualdade deste que já foi um dia o país mais igualitário da América. Quase a metade dos adolescentes da educação pública não entendem um texto básico. Na particular, são dois em cada dez. Uma frase infeliz de Macri ao explicar os dados causou furor nos cartazes da marcha. O presidente falou da desigualdade entre “os que podem ir à escola particular e aquele que tem de cair na escola pública”. “Caí na escola pública, penso, leio e sei mais do que o presidente” ou “Caia na escola pública e te ensino a ler” era o que se podia ler em alguns cartazes. Macri já tem nos professores sua grande prova de força real.

O Executivo pede aos professores que façam autocrítica e admitam que se o ensino está mal em parte é culpa deles e da tradição de convocar tantas greves, o que faz com que os pais matriculem seus filhos na particular. E diz a eles que não há dinheiro para pagar mais de 18%. Oferece ainda uma compensação caso a inflação ultrapasse esse número. Mas os professores estão dispostos a manter uma greve muito longa.

O Governo vê a ex-presidenta Cristina Krichner por trás dessa paralisação, uma espécie de líder da oposição na sombra. “Estão disfarçando é uma discussão política, não se atrevem a discutir o desastre que nos deixaram na província de Buenos Aires”, afirmou Marcos Peña, braço direito de Macri, durante uma sessão do Congresso. Seus deputados aplaudiram com entusiasmo enquanto os opositores vaiavam.

Os organizadores afirmam que 400.000 pessoas estavam reunidas. As avenidas que levam à Plaza de Mayo estavam cheias de manifestantes com todo tipo de cartazes, muitos deles de diferentes movimentos de esquerda, e milhares de aventais brancos, uniforme típico dos professores na Argentina. “Não somos escravos”, lia-se no avental de um dos professores, que usava uma corda pendurada no pescoço. “Também somos pais, em nossas famílias, além de ensinar valores, ainda se come”, dizia outra.

“Vocês percebem que não é só Baradel, que são centenas e milhares de docentes? O que querem? Agravar o conflito?”, afirmou Roberto Baradel, líder dos professores em Buenos Aires, onde a greve é mais forte. O Governo o acusava de não querer negociar porque é aliado político de Kirchner. “Este é o momento, eles têm de nos convocar. O Governo precisa refletir, ver esta praça e cumprir a lei. Em primeiro lugar, queremos falar é de educação pública de qualidade. Isso não é uma guerra, é uma reivindicação salarial. Peço à governadora que veja esta mobilização, à participação da província de Buenos Aires, foram mais de 150.000 os que vieram aqui hoje. Somos centenas de milhares de professores e milhões de pais que estamos esperando uma solução.” Esta enorme marcha parece servir de prévia a uma greve geral que está sendo convocada para o 6 de abril, a primeira que Macri vai enfrentar.

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