Goiânia: Prefeitura quer terceirizar vacinação

imagemGuilherme Martins

Walmir Barbosa

Para Agência de Notícias do Cerrado

Uma iniciativa infame. Assim é que muitos caracterizam a tentativa de terceirizar o processo de aplicação de vacinas contra a Covid-19 em Goiânia. Sem que o assunto fosse debatido no Conselho Municipal de Saúde (CMS), órgão deliberativo e fiscalizador do poder público que conta com a participação de membros da sociedade civil, a Prefeitura Municipal, junto à Secretaria Municipal de Saúde (SMS), previu recursos que totalizam aproximadamente R$ 56 milhões para a contratação de uma empresa privada com vistas à aplicação de até um milhão de doses de vacina contra a Covid-19, além do fornecimento de logística de tecnologia da informação para registrar o processo de vacinação conforme as normas do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde.

Nessa direção, foi realizado o Pregão Eletrônico n.º 041/2021, no qual participaram apenas duas empresas: Biovida DNA Exames de Paternidades e Imunizações Ltda, vencedora do certame, que fez um lance inicial de R$ 81 por dose, mas que reapresentou um novo lance de R$ 47,38 – um valor 40% menor do que o apresentado na primeira oferta; e o Instituto de Saúde Nossa Senhora da Vitória, que fez o lance de R$ 48 por dose.

Os vereadores Mauro Rubem (PT) e Santana Gomes (PRTB) questionaram essa terceirização de serviço, bem como apontaram irregularidades no pregão eletrônico, com “exigências técnicas descabidas, desarrazoadas, desproporcionais”, que podem inclusive insinuar direcionamento de licitação (Sindsaúde, 19/07/2021). Aqui residem algumas das determinantes que levaram esses vereadores a recorrerem a um processo judicial junto à 3º Vara da Fazenda Pública Municipal para suspender o processo licitatório. Aliás, o pregão chegou a ser suspenso, após uma empresa apresentar questionamento quanto às cláusulas do Edital junto ao Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO), mas foi retomado posteriormente (O Popular, 21/07/2021).

Lembremos, o pregão eletrônico é uma espécie de leilão ao contrário, onde ganha o fornecedor que oferecer o menor preço pela mercadoria ou serviço. Normalmente, a identidade das empresas que participam apresentando lance não é revelada aos demais concorrentes, mas o valor estimado para o pregão pode e deve ser publicizado. Ao final do processo, em confirmando as condições técnicas da empresa vitoriosa para assegurar o fornecimento da mercadoria ou serviço e superando os eventuais recursos apresentados, a contratação é efetuada. Os vereadores que questionaram o pregão salientam a “violação ao princípio da publicidade, visto que o Edital não traz o valor estimado da disputa, com fundamento no Art. 15 do Decreto 10.024/2019” (Sindsaúde, 19/07/2021). O curioso é que a SMS justificou a não divulgação do valor estimado para o contrato justamente porque isso “poderia causar prejuízos à disputa”, também se ancorando no mesmo Decreto (O Popular, 21/07/2021).

A empresa vitoriosa e em vias de ser contratada é a Biovida DNA Exames de Paternidade, que, portanto, receberá R$ 47,38 por dose aplicada, podendo faturar próximo de R$ 47,38 milhões, posto que o contrato prevê um total de até um milhão de doses aplicadas.

A primeira questão que chama a atenção é a forma como o processo decisório para a contratação da empresa tem ocorrido. Ao não ser debatido no Conselho Municipal de Saúde, a prefeitura buscou se esquivar do órgão de controle social, diminuindo assim a transparência sobre as ações da prefeitura e ampliando procedimentos autocráticos no governo.

Talvez a falta de transparência tenha relação com as justificativas apresentadas pela prefeitura para defender a necessidade desse contrato, como uma suposta incapacidade da administração municipal de arcar com o processo de vacinação. Mesmo que o ritmo de vacinação esteja sendo lento, tal situação ocorre em decorrência da irregularidade do fluxo de chegada das vacinas, além da quantidade insuficiente de doses enviadas a Goiás, somadas às dificuldades de agendamento por meio do aplicativo da prefeitura. Mais recentemente, juntou-se a esse quadro, a recusa por parte de algumas pessoas da vacina Coronavac, alvo de intensa propaganda negacionista, que foram redirecionadas para o final da fila, atrasando o calendário de vacinação. Nesse sentido, as equipes de vacinação da SMS, até o presente momento, não foram confrontadas com os seus limites e Ricardo Manzi, presidente do Sindsaúde entrevistado pela Agência de Notícias do Cerrado, ressalta que todas as campanhas de vacinação ocorridas na capital goiana sempre conseguiram garantir as coberturas vacinais.

O engajamento dos trabalhadores da SMS em outros serviços de saúde, fora da vacinação, certamente é uma necessidade. Todavia, não foram apresentadas demandas nesse sentido por parte da secretária executiva da SMS, Luana Ribeiro, nem realizada qualquer discussão junto ao Conselho Municipal de Saúde, aos vereadores, às entidades representativas dos trabalhadores da saúde, ou mesmo expresso junto às empresas de comunicação presentes em Goiânia. De fato, somente quando este pregão eletrônico veio à tona é que a secretária executiva, quando questionada, justificou a necessidade de preservar parte das equipes de saúde para outras campanhas de imunização e atividades preventivas.

O Sindsaúde se manifestou contra essa terceirização do processo de aplicação da vacina da Covid-19 por parte da SMS. Em nota publicada no último dia 19 de julho de 2021, a entidade argumenta que os profissionais que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS) têm a competência necessária para continuar o processo de vacinação no Município e alertou para outro risco: a contratação poderia abrir margens para possíveis desvios de vacinas. Mas também reconhece, por meio da vice-presidente do Sindicato, Luzinéia Vieira, que em uma situação urgente, a prefeitura poderia “fazer a contratação dos profissionais que estão credenciados” (Sindsaúde, 19/07/2021).

Para além da histórica luta contra a terceirização do serviço público e do SUS em particular, o Sindsaúde, através de seu presidente Ricardo Manzi, ainda reafirma que os recursos empenhados na contratação da empresa privada poderiam ser utilizados no próprio sistema de saúde municipal para a aquisição de insumos médicos que estão em falta nas unidades, ou mesmo na reabertura de unidades de saúde que estão atualmente fechadas, tal qual o Posto de Saúde Comunitária (CIAMS) do setor Pedro Ludovico, e também para assegurar o reajuste salarial dos servidores municipais da Saúde, repondo perdas inflacionárias, mediante assinatura do acordo coletivo de trabalho (Data Base).

Por esses motivos, o Sindsaúde está organizando uma coletiva de imprensa na próxima terça-feira, dia 27 de julho, em frente o CIAMS do setor Pedro Ludovico, com a presença de entidades sindicais, movimentos sociais e representantes do legislativo municipal, com o intuito de posicionar-se contra as ações da prefeitura e da SMS durante a pandemia, defendendo também que os recursos direcionados à Saúde sejam empenhados pela gestão municipal, de forma a cumprir com a destinação dos mesmos.

À guisa de conclusão, o polêmico Pregão Eletrônico n.º 041/2021, implementado por Rogério Cruz e Luana Ribeiro, respectivamente prefeito e secretária executiva de saúde do Governo Municipal de Goiânia, compõe um quadro que deve ser desvendado. Apesar do importante papel que tem cumprido durante a pandemia, o SUS continua e continuará sob ataque de grupos privatistas, que almejam acesso aos recursos milionários que envolvem a gestão da Saúde, em nível municipal, estadual e Federal.

Inicialmente, a situação apresentada no cenário municipal já carrega elementos característicos da reforma administrativa que tramita no Congresso Nacional na forma da PEC 032/20 que faculta a contratação de serviço prestado por empresas contratadas, que por sua vez reúne e contrata trabalhadores com salários e direitos trabalhistas aquém dos servidores públicos, mas que desempenham as mesmas funções. Esse processo também parece dialogar com o último editorial escrito pela Agência de Notícias do Cerrado (ANC), no qual buscamos desvelar conexões entre o atual padrão de acumulação capitalista em consolidação, a tendência de maior fragmentação das diversas frações burguesas perante o poder governamental e a lógica de reconfiguração fascista do Estado mediante o impulsionamento de negociações burguesas fragmentadas e obscuras com os mais diversos representantes do capital. Na atual situação, a defesa do SUS enquanto instrumento totalmente público e gratuito é condição central para barrar os interesses privatistas e evitar que as condições de vida da classe trabalhadora sejam rebaixadas ao extremo. Indo além, é preciso defender a radicalização do controle social sobre o SUS, inclusive para assegurar que os recursos a ele destinados sejam efetivamente aplicados, bem como que não se transformem em moeda sujeita a transações obscuras nas entranhas do Estado.

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