Intervenção do Partido Comunista Brasileiro – PCB

imagemIntervenção de Edmilson Costa do PCB

Sexta, 10 Novembro 2006

A globalização em curso em praticamente todas as regiões do planeta é um dado concreto da realidade e vem produzindo um conjunto de mutações em todos os setores da vida social da humanidade. Trata-se, portanto, de mudanças que estão impactando fortemente a política mundial, a economia, o mundo do trabalho e as tradições culturais em todas as partes do planeta, quer influenciadas pelos meios de comunicação, quer pelo poder econômico-financeiro das grandes corporações transnacionais financeiras e produtivas. Concordemos ou não, gostemos ou não, a globalização é um fato cotidiano que permeia a nossa realidade, desde o creme dental que usamos, a roupa que vestimos, o tênis que calçamos, o alimento enlatado que comemos, o programa de TV que assistimos, o jornal que lemos, o computador que utilizamos, o banco que recebemos o salário ou realizamos negócios, a internet que navegamos, entre outros milhares de aspectos do nosso dia a dia. Portanto, a globalização é um fenômeno típico do capitalismo contemporâneo. Diferencia-se do mercantilismo, da revolução industrial e do período dos monopólios, pelo conjunto de fenômenos novos que traz consigo.

Pelas transformações que vem operando no sistema capitalista, a globalização pode ser considerada um estágio qualitativamente novo no modo de produção capitalista, uma fase em que o capitalismo completou seu amadurecimento histórico, com a internacionalização produtiva e financeira, um período em que a burguesia dos países centrais passou a extrair generalizadamente o valor fora de suas fronteiras nacionais e um momento no qual o capitalismo unificou mundialmente o ciclo do capital. A partir da globalização, as crises econômicas, que antes eram assimétricas entre os países, passam a ser crises internacionais simétricas do conjunto do capital.

Globalização produtiva

A internacionalização da produção da segunda metade da década de 50 foi o ponto de partida para a mundialização da economia. Ao produzir internacionalmente, de maneira padronizada, em todas as partes do mundo, o grande capital passou a ter a possibilidade de se utilizar das melhores disponibilidades dos países, quer em termos de matérias-primas, mão de obra barata, no caso dos países periféricos, facilidade creditícias, entre outros pontos, o que lhe permitiu recuperar suas taxas de lucro e reconfigurar o sistema produtivo mundial. Com a globalização produtiva emergem novos ramos de produção, tais como as tecnologias da informação e a internet, a microeletrônica, a robótica, a engenharia genética, a biotecnologia, os novos materiais, elementos de inteligência artificial, a nanotecnologia, cujas características representam uma terceira revolução industrial. Enquanto essa nova indústria estrutura seu desenvolvimento, os velhos ramos de produção típicos da segunda revolução industrial, como o metal-mecânica, o químico, o plástico, etc., vão perdendo importância diante da globalização.

A globalização produtiva é comandada pelas empresas transnacionais. Pelo poder econômico e pela influência que exercem junto aos países e governos, as transnacionais funcionam como destacamentos avançados do grande capital, organizando seus interesses e sua ação global. O peso dessas grandes corporações é tão grande que muitas delas possuem volume de negócios maior que o Produto Interno Bruto de várias nações.

Por exemplo, as sete maiores empresas transnacionais têm um movimento de vendas maior que o PIB da China, o país mais populoso do planeta; a General Motors realiza um volume de negócios maior que os 48 países menos desenvolvidos do mundo (Tussaint, 2001). Essas empresas controlam ainda a maioria absoluta da inovação tecnológica (95% de pesquisa e desenvolvimento no mundo é realizada nos países da OCDE) e somente o comércio entre filiais e matrizes representa cerca de 40% do comércio mundial (UNCTAD, 2000).

Globalização financeira
Se as modificações na área produtiva podem ser consideradas extraordinárias, é na área financeira que a globalização está mais desenvolvida. O capital fictício seguiu o caminho das corporações transnacionais e também buscou internacionalizar os seus negócios. Burlou as legislações nacionais, estruturou um mercado mundial de moedas (eurodólares) nas décadas de 60 e 70, criou filiais pelo mundo afora e passou a operar em escala global, num processo que significou a privatização da liquidez internacional. No entanto, a globalização financeira atual só ganhou seus contornos mais definidos com a desregulamentação das atividades bancárias, a liberação do movimento dos capitais e a emergência das altas taxas de juros como reguladoras da economia mundial, no período dos governos Reagan, nos Estados Unidos, e Tatcher, na Inglaterra.

Com essa nova conjuntura o capital fictício passou a ter inteira liberdade para se desenvolver, especialmente porque novos agentes econômicos – fundos de pensão, fundos mútuos, seguradoras e corretoras em geral – entraram agressivamente no mercado, inclusive retirando dos bancos tradicionais a liderança nas operações financeiras. Num ambiente inteiramente desregulamentado, os agentes econômicos criaram uma variedade impressionante de novos “produtos” financeiros, especialmente os chamados derivativos, operações derivadas a partir de uma operação com ativo real ou financeiro, cujos negócios hoje representam cerca de dois terços das aplicações especulativas. Quanto mais crescem os negócios na órbita financeira, mais os agentes econômicos incrementam a flexibilidade e a criatividade especulativa, num frenesi que transformou a esfera financeira no lócus privilegiado da dinâmica da economia capitalista atual.

Ancorado pelas tecnologias da informação, o mercado financeiro passou a ter a possibilidade de “valorizar” o dinheiro 24 horas por dia, bastando para tanto ajustar suas aplicações aos fusos horários dos diversos países. Qualquer investidor pode hoje negociar pela manhã na Bolsa de Chicago, à tarde no Brasil e à noite Hong Kong. Ou seja, o capital fictício rompeu a barreira do espaço e do tempo ao se auto-acrescentar continuamente e passou a ter um grau de autodeterminação nunca vista na história do capitalismo. Para se ter uma idéia da dimensão dos negócios na arena financeira, basta dizer que diariamente são transacionados US$ 1,8 trilhão, quantia muito maior que todos os negócios na órbita produtiva no mesmo período. E cálculos de especialistas (Richard, 2000) indicam que, em 1997, já estavam circulando na esfera financeira US$ 53 trilhões, cerca de duas vezes o PIB mundial.

Essa imensa massa de recursos se comporta hoje, como assinalou o Financial Times (Chesnais, 1986), como política, júri e juiz das atividades econômicas mundiais. Tem a capacidade de reverter políticas governamentais, decisões dos Bancos Centrais e mesmo o destino do mercado de trabalho mundial. Isso porque a globalização das finanças impôs sua lógica para o conjunto dos negócios e aprisionou um a um todos os agentes econômicos, especialmente as empresas produtivas, o Estado e seu orçamento. Atualmente, grande parte dos lucros das empresas produtivas são oriundos da especulação, enquanto parcelas cada vez mais significativas do orçamento dos Estados são destinadas ao pagamento dos juros da dívida pública interna, um dos principais instrumentos alimentadores da especulação mundial.

Neoliberalismo

Entretanto, o conjunto das mudanças de fundo operadas na sociedade só foram possíveis porque ocorreu, a partir do final da década de 70, e posteriormente com a eleição de Reagan e Tatcher, respectivamente nos Estados Unidos e na Inglaterra, uma mudança qualitativa na composição das classes dominantes dos países centrais. A velha elite ligada ao antigo Capitalismo Monopolista de Estado, cujo poder se consolidou a partir dos anos 30 e, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, foi substituída no centro de poder da Tríade Imperial por um novo bloco de forças sociais mais agressivas e mais reacionárias.

Estas forças subordinaram política e economicamente todos os outros setores da burguesia e impuseram a nova ordem mundial, baseada no neoliberalismo, como forma de organização sócio-econômica da sociedade e o rentismo como instrumento particular de acumulação. Este novo bloco dominante comanda o processo de globalização e está hoje no centro do poder mundial, buscando configurar o mundo à sua imagem e aplicando uma espécie de vingança histórica de classe contra os trabalhadores.

Uma nova fase do imperialismo

Dessa forma, a globalização representa uma fase nova do capitalismo, período em que este modo de produção atingiu plenamente seu amadurecimento e se transformou num sistema mundial completo. Até o período anterior à globalização, o capitalismo era completo apenas em relação a duas variáveis da órbita da circulação – o comércio mundial e a exportação de capitais. Mas, ao expandir a mundialização para as esferas produtiva e financeira, bem como para os outros setores da vida social, o sistema unificou globalmente o ciclo do capital, fechando assim um processo iniciado com a revolução inglesa de 1640 (Costa, 2002).

Em termos históricos, a globalização é um fenômeno do nosso tempo, uma singularidade originária do capitalismo construído a partir da segunda metade do século XX. Diferencia-se da primeira e da segunda revolução industrial, porque já nasce sem a possibilidade de desenvolver todo o potencial das forças produtivas e se viabilizar plenamente, em função das limitações estruturais do capitalismo nesta etapa da história. A globalização incorporou inovações tecnológicas radicais que proporcionaram às forças produtivas um enorme desenvolvimento, mas o sistema global de produção não possui condições de se desenvolver plenamente em função de suas próprias contradições e, especialmente, da insuficiência mundial de demanda agregada.

No momento em que o capitalismo tem as melhores condições potenciais para desenvolver suas forças produtivas, é exatamente neste momento em que está limitado pela demanda agregada global. As novas tecnologias, a reestruturação produtiva e gerencial encilharam o sistema num emaranhado de contradições que se expressam mais claramente no fato de que cada unidade de trabalho vivo poupada representa um potencial de dificuldades econômicas e políticas, com o agravante de que, enquanto na primeira e segunda revolução industrial buscou-se revolver o problema da demanda agregada, respectivamente, mediante a redução da jornada de trabalho e ampliação do setor de serviços, a globalização emerge no momento em que não há mais setores a ocupar nem os capitalistas estão dispostos a reduzir a jornada de trabalho. Retoma-se assim, de maneira completa, a contradição original do sistema, que se expressa entre o caráter social da produção e a apropriação privada dos seus resultados.

Ressalte-se que teóricos do imperialismo escreveram que esta fase do capitalismo seria uma espécie de ante-sala do socialismo. Parece que houve certo otimismo nesta previsão, uma vez que naquela época o capitalismo monopolizado estava apenas iniciando o seu processo de amadurecimento internacional, não estando, portanto, em condições plenas para as transformações dialéticas. Somente agora, com a globalização, o capitalismo fecha o ciclo do seu desenvolvimento histórico. Nessa perspectiva, pode-se dizer que agora estamos muito mais próximos de uma transformação radical do modo de produção capitalista do que no início do século XX.

Como tudo na natureza segue a lei da dialética, podemos afirmar que o sistema capitalista teve seu desenvolvimento efetivo com a revolução industrial, passou para uma fase superior com a emergência dos monopólios e amadureceu completamente com a globalização contemporânea. Portanto, agora que já cumpriu o papel histórico de desenvolver internacionalmente as forças produtivas e a órbita da circulação, tende a sofrer transformações profundas que mudarão a sua qualidade enquanto modo de produção, a exemplo do que ocorreu com as outras formações sócio-econômicas anteriores.

Seu aparente esplendor globalizado esconde um conjunto de contradições originais que se reproduzem agora em bases ampliadas com a globalização. Portanto, para compreender o fenômeno da globalização e as possíveis transformações de um sistema agora completo deve-se também atentar para o fato de que uma transformação qualitativamente nova só poderá ser efetiva se for viabilizada a partir do coração do sistema, onde potencialmente a luta de classes tem condições de pulsar mais intensamente.

É bem verdade que os elos débeis continuarão cumprindo um papel essencial para o enfraquecimento geral do capital, enquanto forma global de dominação. Mas a sua crise profunda só poderá configurar um estatuto terminal quando atingir o núcleo do poder, o coração da Tríade Imperial. Em outras palavras: a crise geral do capitalismo só estará madura quando atingir os Estados Unidos, a União Européia e o Japão (Costa 2000).

Com a globalização, pode-se dizer que o sistema se aproxima de um limite de reprodução material, tendo em vista que se o capitalismo desenvolvesse plenamente seu potencial produtivo, haveria uma crise global de superprodução. Esta contradição explica o fenômeno da financeirização da riqueza, que se apresenta atualmente como o contraponto funcional da incapacidade do sistema desenvolver suas forças produtivas. Ou seja, os capitais excedentes, impedidos de se reproduzirem na esfera produtiva, buscam agora uma fuga para frente na órbita das finanças, como se isso os liberasse do ajuste de contas com a realidade da lei do valor.

“Nessa nova aventura desesperada, o capital especulativo carrega consigo todos os outros setores do capital para a lógica da especulação e, com isso, aprofunda a crise geral do capitalismo, posto que, no longo prazo, é impossível a reprodução do capital sem obedecer a lei do valor. A criação da riqueza na órbita financeira é uma aventura sem futuro, uma miragem capaz de levar momentaneamente parte dos capitalistas ao delírio, ofuscando sua visão global do futuro. No entanto, quanto mais aprofundam esse modelo, mais ampliam a possibilidade de uma crise geral do sistema” (Costa, 2000).

Do ponto de vista político, apesar da derrota da primeira experiência do socialismo, o sistema capitalista não se transformou num referencial para a humanidade, nem destruiu a perspectiva de construção de uma sociedade sem classes. Há a possibilidade real de que a crise oriunda do fracasso do neoliberalismo abra uma nova e prodigiosa situação revolucionária mundial, onde a questão do socialismo reapareça como uma vitalidade bem maior do que a que ocorreu com o aparecimento dos monopólios no início do século XX, só que agora as forças socialistas estarão livres das deformações e dos desvios que ocorreram no recente passado socialista.

Além disso, por mais paradoxal que pareça, a globalização está construindo as bases para uma sociedade da abundância, uma vez que o desenvolvimento das forças produtivas incrementará de maneira extraordinária a produtividade do trabalho. No entanto, como todos sabemos, o sistema capitalista não tem nenhum compromisso com o progresso social e, portanto, não será capaz de satisfazer as necessidades materiais da população. Mesmo assim, essas forças produtivas sofisticadas proporcionam os elementos objetivos para a sociedade da abundância de bens e serviços. Caso se conquiste as transformações estruturais do capitalismo no decorrer de uma crise mundial do sistema, já se tem as bases materiais para a construção da sociedade comunista.

ENCONTRO INTERNACIONAL DE PARTIDOS COMUNISTAS E OPERÁRIOS

Edmilson Costa é doutor em Economia pela Unicamp, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Autor de Imperialismo (1986), A Política Salarial no Brasil (1997) Um Projeto para o Brasil (1998). Membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCB.

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