Breve história da OTAN de 1991 aos dias de hoje (VII, VIII)

imagemManlio Dinucci

Com o seu “novo conceito estratégico” a OTAN arrogou-se a possibilidade de intervir em «não importa que missão em não importa que parte do mundo». Criou e associou-se a grupos terroristas e ao Estado terrorista por excelência, o estado sionista de Israel. A destruição do Estado Líbio não gerou apenas um saque nacional e uma tragédia regional. Assentou um profundo golpe em toda a aspiração do continente africano a libertar-se do neocolonialismo.

VII

A cada vez mais estreita cooperação militar OTAN-Israel

Em Abril de 2001, no quartel-general da OTAN em Bruxelas, Israel assina o «acordo de segurança» comprometendo-se a proteger as «informações classificadas» que receberá no quadro da cooperação militar.

Em junho de 2003 os governos italiano e israelita assinam um memorando de entendimento para uma cooperação no setor militar e da defesa, prevendo nomeadamente o desenvolvimento conjunto de um novo sistema de guerra eletrónica.

Em janeiro de 2004 um avião radar Awacs da OTAN aterra pela primeira vez em Tel Aviv e pessoal israelita vai ser treinado na utilização das suas tecnologias.

Em dezembro de 2004 é anunciado que a Alemanha fornecerá a Israel dois novos submarinos Dolphin que irão juntar-se aos três (dois dos quais oferecidos) entregues nos anos 90. Israel pode assim reforçar a sua frota de submarinos de ataque nuclear, mantidos em navegação permanente no Mediterrâneo, Mar Vermelho e Golfo Pérsico.

Em fevereiro de 2005 o secretário-geral da OTAN efetua a sua primeira visita oficial a Tel Aviv, onde se encontra com as mais altas autoridades israelitas para «alargar a cooperação militar».
Em março de 2005 desenrola-se no Mar Vermelho o primeiro exercício naval conjunto Israel-OTAN: o comando do grupo naval da «Força OTAN de reação» é confiado à marinha italiana que participa com a fragata Bersagliere.

Em maio de 2005, após ser ratificado no Senado e no Parlamento, o memorando de entendimento ítalo-israelita passa a lei: é assim institucionalizada a cooperação entre os ministérios da defesa e as forças armadas dos dois países no que diz respeito a «importação, exportação e trânsito de materiais militares», «organização das forças armadas», e o «treino/formação».

Em maio de 2005, Israel é admitido como membro da Assembleia parlamentar da OTAN.

Em junho de 2005 a marinha israelita participa num exercício OTAN no Golfo de Taranto.

Em julho de 2005 tropas israelitas participam pela primeira vez num exercício OTAN, realizado na Ucrânia.

Em junho de 2006 um navio de guerra israelita participa num exercício OTAN no Mar Negro, com o objetivo de «criar uma melhor interoperacionalidade entre a marinha israelita e as forças navais OTAN».

Em outubro de 2006 a OTAN e Israel concluem um acordo que estabelece uma mais estreita cooperação israelita com o programa OTAN «Diálogo mediterrâneo», cujo objetivo é o de «contribuir para a segurança e a estabilidade na região». Neste quadro, «OTAN e Israel acordam sobre as modalidades do contributo israelita para a operação marítima da NATO Active Endeavour» (Nato/Israel Cooperation, 16 de outubro de 2006)
Israel é deste modo recompensada pela OTAN pelo seu ataque e invasão do Líbano. As forças navais israelitas, que juntamente com as forças terrestres e aéreas acabam de fustigar o Líbano com milhares de toneladas de bombas, massacrando civis, são integradas na operação OTAN que deveria «combater o terrorismo no Mediterrâneo». As mesmas forças navais que, ao bombardearem a central elétrica Jiyyeh na costa libanesa provocaram uma enorme maré negra que se espalhou pelo Mediterrâneo (cujo tratamento virá a custar centenas de milhões de dólares), colaboram agora com a OTAN para «contribuir para a segurança da região».

Em 2 de dezembro de 2008, cerca de três semanas antes do ataque israelita contra Gaza, a OTAN ratifica o «Programa individual de cooperação» com Israel. Compreende um vasto leque de áreas nas quais «a OTAN e Israel cooperam plenamente»: contra-terrorismo, nomeadamente troca de informações entre os serviços respectivos; ligação de Israel ao sistema electrónico OTAN; cooperação no setor do armamento; aumento dos exercícios militares conjuntos OTAN-Israel; alargamento da cooperação na luta contra a proliferação nuclear (ignorando que Israel, a única potência nuclear na região, recusou subscrever o Tratado de não-proliferação).

A OTAN na «caça aos piratas» no Oceano Índico

Em outubro de 2008, um grupo naval da OTAN, o Standing Nato Maritime Group 2 (Snmg2), atravessa o Canal de Suez para entrar no Oceano Índico. Integram-no navios de guerra de Itália, EUA, Alemanha, Grã-Bretanha, Grécia e Turquia. Este grupo naval (cujo comando é assumido rotativamente pelos países membros) integra uma das três componentes do Allied Joint Force Command Naples, cujo comando está permanentemente atribuído a um almirante estadunidense, o mesmo que comanda as Forças navais EUA na Europa. A zona em o Snmg2 deixa a partir deste momento de ter fronteiras, uma vez que constitui uma das unidades da «Força OTAN de reação», pronta a ser projetada em «não importa que missão em não importa que parte do mundo».
Objetivo oficial da missão do Snmg2 no Oceano Índico: realizar «operações anti-pirataria» ao longo da costa da Somália, escoltando navios mercantes que transportam ajuda alimentar do World Food Program das Nações Unidas. Neste «esforço humanitário», a OTAN «continua a coordenar a sua assistência à operação Enduring Freedom conduzida pelos EUA». Por detrás desta missão OTAN encontra-se uma coisa bem diferente. Na Somália, nesta altura, a política dos EUA está em vias de sofrer um novo fracasso: as tropas etíopes, enviadas em 2006 depois do falhanço da tentativa da CIA de derrubar os Cursos islâmicos apoiando uma coligação «antiterrorista» dos senhores da guerra, foram obrigadas a retirar pela resistência somaliana.

Washington prepara então outras operações militares para ampliar o seu próprio controlo sobre a Somália, provocando novas e desastrosas consequências sociais. Estas últimas estão na base do fenómeno da pirataria, surgido na sequência da pesca ilegal por frotas estrangeiras e da descarga de substâncias tóxica na costa somaliana que arruinaram os pequenos pescadores, alguns de entre os quais passaram a recorrer à pirataria.

A Somália é importante na estratégia EUA/OTAN pela sua posição geográfica na costa do Oceano Índico. Para controlar esta área foi posicionado em Djibouti, na embocadura do Mar Vermelho, uma task force EUA. A intervenção militar – direta e indireta – nesta e noutras zonas intensifica-se com a criação do Comando África dos EUA. É para a sua «área de responsabilidade» que o grupo naval OTAN é enviado.

Este tem também uma outra missão oficial: visitar certos países do Golfo Pérsico (Koweit, Bahrein, Qatar e Emirados Árabes Unidos), parceiros OTAN no quadro da Iniciativa de cooperação de Istambul. Os navios de guerra da OTAN vão assim juntar-se aos porta-aviões e outras numerosas unidades que os EUA têm instaladas no Golfo e no Oceano Índico, com uma função anti-Irã e, incluindo a aviação naval, para conduzir a guerra aérea no Afeganistão.

VIII
A demolição do Estado Líbio

A estratégia EUA/OTAN consiste em demolir os Estados que estão totalmente ou em grande parte fora do controlo dos EUA e das maiores potências europeias, sobretudo aqueles situados em zonas ricas em petróleo e/ou com uma importante posição geoestratégica. Na lista das demolições são privilegiados os Estados que não possuem uma força militar capaz de colocar em perigo, através de represálias, a força militar dos demolidores.

A operação começa metendo cunhas nas fissuras internas que existem em qualquer Estado. Na Federação Iugoslava vão ser fomentadas nos anos 90 as tendências secessionistas, apoiando e armando os sectores étnicos e políticos que se opõem ao governo de Belgrado. Esta operação vai ser realizada apoiando-se sobre os novos grupos de poder, frequentemente formados por políticos que passam para a oposição para granjearem dólares e lugares de poder.

Em simultâneo é conduzida uma insistente campanha mediática visando apresentar a guerra como necessária para defender os civis, ameaçados de extermínio por um feroz ditador.

Pede-se depois autorização ao Conselho de segurança da ONU, justificando a intervenção pela necessidade de destituir o ditador que massacra civis desarmados. Basta um carimbo onde esteja escrito «são autorizadas todas as medidas necessárias» mas, caso não seja concedido (como foi o caso da Jugoslávia) prossegue-se na mesma. A máquina de guerra EUA/OTAN, já a postos, entra em acção com um ataque aeronaval massivo e com operações terrestres no interior do país, em torno do qual um muito severo embargo criou um vazio.

Esta estratégia, depois de ter sido concretizada contra a Federação Iugoslava, vai ser de novo adotada em 2011 contra a Líbia.

Em primeiro lugar vão ser financiados e armados os sectores tribais hostis ao governo de Trípoli, e também os grupos islamitas até há alguns meses definidos como terroristas. São ao mesmo tempo infiltradas forças especiais na Líbia, entre as quais milhares de comandos do Qatar, facilmente camufláveis. Toda a operação é dirigida pelos EUA, primeiro através do Comando África, depois através da OTAN sob comando EUA.

Em 19 de março de 2011 começa o bombardeamento aeronaval da Líbia. Em sete meses a aviação EUA/OTAN vai efetuar 30 mil missões, das quais 10 mil ofensivas, utilizando mais de 40 mil bombas e mísseis. A Itália participa nesta guerra com as suas bases e forças militares, rasgando o Tratado de amizade, parceria e cooperação existente entre os dois países.

Para a guerra contra a Líbia a Itália coloca à disposição das forças EUA/OTAN 7 bases aéreas (Trapani, Gioia del Colle, Sigonella, Decimomannu, Aviano, Amendola e Pantelleria), assegurando assistência técnica e reabastecimentos. A Aeronáutica italiana participa na guerra efectuando 1182 missões, com caças-bombardeiros Tornado, F-16 Falcon, Eurofighter 2000, AMX, drones Predator B e aviões de reabastecimento KC-767 e KC130J. A Marinha de guerra é envolvida na guerra em diversas frentes: de operações de bloqueio naval a atividades de patrulha e abastecimento.

Com a guerra EUA/OTAN de 2011, o Estado líbio é demolido e Khadafi assassinado; o empreendimento é atribuído a uma «revolução libertadora» que os EUA se dizem orgulhosos de apoiar, criando «uma aliança sem igual contra a tirania e pela liberdade». É assim demolido este Estado que, sobre a margem sul do Mediterrâneo face à Itália, garantia «altos níveis de crescimento econômico» (como o Banco Mundial mostrava em 2010) com um crescimento médio do PIB de 7,5%, e registava «elevados índices de desenvolvimento humano», nomeadamente o acesso universal à educação primária e secundária e, para 46%, à de nível universitário. Apesar das desigualdades existentes, o nível de vida da população líbia era nitidamente mais elevado do que o dos outros países africanos. Era disso testemunho o facto de mais de dois milhões de imigrados, na sua maioria africanos, encontrarem trabalho na Líbia.

A guerra vai, portanto, atingir também os imigrados vindos da África sub sariana que, perseguidos sob a acusação de terem colaborado com Kadhafi, são presos ou obrigados a fugir. Muitos deles, movidos pelo desespero, tentando a travessia do Mediterrâneo em direção à Europa. Aqueles que aí perdem são também vítimas da guerra com que a OTAN demoliu o Estado líbio.

As verdadeiras razões da guerra contra a Líbia

Múltiplos factores tornam a Líbia importante aos olhos dos EUA e das potências europeias. As reservas petrolíferas – as maiores de África, preciosas pela sua alta qualidade e reduzido custo de extração – e as de gás natural.

Depois de Washington ter abolido as sanções em troca do compromisso de Kadhafi de não produzir armas de destruição massiva, as grandes empresas petrolíferas estadunidenses e europeias afluem à Líbia com grandes esperanças, que serão todavia frustradas. O governo líbio concede licenças de exploração às empresas estrangeiras que deixem à empresa nacional líbia (National Oil Corporation of Libya, Noc) a mais elevada percentagem do petróleo extraído: dada a forte competição existente, esta atinge cerca de 90%. Além disso a Noc requer, nos contratos, que as empresas estrangeiras empreguem pessoal líbio incluindo para os lugares de direção. Ao derrubar o Estado líbio, os EUA e as potências europeias visam de fato apropriar-se da sua riqueza energética.

Para além do ouro negro, visam também o ouro branco líbio: a imensa reserva de água fóssil no lençol núbio (estimado em 150 mil Km3) que se estende sob a Líbia, Sudão e Chade. As possibilidades de desenvolvimento que oferece foram demonstradas pelo governo líbio, que construiu uma rede de aquedutos com uma extensão de 4.000 km para transportar a água, extraída em profundidade por 1.300 poços no deserto, até às cidades costeiras e ao oásis de Koufra, tornando férteis terras desérticas. Estas reservas hídricas, que têm uma perspectiva mais valiosa do que as petrolíferas, são cobiçadas – através das privatizações promovidas pelo FMI – pelas multinacionais da água, que controlam quase metade do mercado mundial da água privatizada.

Na mira EUA/OTAN encontram-se também os fundos soberanos, os capitais que o Estado Líbio investiu no estrangeiro. Os fundos soberanos geridos pela Libyan Investment Authority (Lia) são estimados em cerca de 70 milhares de milhões de dólares, que ascendem a mais de 150 se se incluírem os investimentos estrangeiros do Banco central e de outros organismos. Desde a sua constituição em 2006 a Lia efetuou em cinco anos investimentos em mais de cem sociedades norte-africanas, asiáticas, europeias, norte-americanas e sul-americanas: holding, bancos, imobiliárias, indústrias, empresas petrolíferas e outras. Estes fundos são «congelados», ou seja sequestrados, pelos EUA e pelas maiores potências europeias.

O assalto aos fundos soberanos líbios tem um impacto particularmente forte em África. Fora lá que a Libyan Arab African Investment Company fizera investimentos em mais de 25 países, dos quais 22 na África subsariana, programando incrementá-los sobretudos nos sectores mineiro, manufactureiro, turístico e das telecomunicações. Os investimentos líbios tinham sido decisivos para a concretização do primeiro satélite de telecomunicações da Rascom (Regional African Satellite Communications Organization) o qual, entrado em órbita em agosto de 2010, permitia aos países africanos começarem a tornar-se independentes das redes de satélites estado-unidenses e europeias, economizando anualmente centenas de milhões de dólares.

Mais importantes ainda tinham sido os investimentos líbios na concretização dos três organismos financeiros lançados pela União Africana: o Banco africano de investimento, com sede em Trípoli; o Fundo monetário africano, com sede em Yaoundé (Camarões); o Banco central africano, com sede em Abidjan (Nigéria). O desenvolvimento destes organismos teria podido permitir aos países africanos libertar-se, pelo menos em parte, do controlo do Banco mundial e do Fundo monetário internacional, instrumentos de dominação neocolonial, enfraquecendo o dólar e o franco Cfa (moeda que 14 países africanos, ex. colónias francesas, são obrigados a utilizar. O congelamento dos fundos líbios atingiu mortalmente todo o projecto.

As mensagens de correio eletrônico de Hillary Clinton (secretária de Estado da administração Obama em 2011) revelados em 2016 confirmam qual foi o verdadeiro objectivo da guerra: bloquear o plano de Kadhafi de utilizar os fundos soberanos líbios para criar organismos financeiros autónomos da União africana e uma moeda africana alternativa ao dólar e ao franco CFA.

Para os EUA e a OTAN é importante a própria posição geográfica da Líbia, na interseção entre Mediterrâneo, África e Médio Oriente. Recorde-se que o Rei Idrisse tinha, em 1953, concedido aos inglese a utilização de bases aéreas, navais e terrestres na Cirenaica e Tripolitânia. Um acordo análogo tinha sido concluído em 1954 com os EUA, que tinham obtido a utilização da base aérea de Wheelus Field às portas de Trípoli. Após a abolição da monarquia, a República árabe Líbia tinha, em 1970, obrigado as forças estadunidenses e britânicas a evacuar as bases militares e, no ano seguinte, tinha nacionalizado as propriedades da British Petroleum e obrigado as outras empresas a entregar ao Estado líbio percentagens muito mais elevadas dos seus lucros.

(Continua)

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