Reciclagem da Dívida Ativa: um esquema altamente fraudulento

Reciclagem da Dívida Ativa: um esquema altamente fraudulentoO PODER POPULAR Nº 29 – FEVEREIRO DE 2018

“É um esquema altamente fraudulento, que quebrou a Grécia. É ilegal, fere a Constituição”. A frase é da coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, em entrevista ao Programa Viva Roda, apresentado pelo jornalista Felipe Pena (1).

Maria Fattorelli se refere à criação da chamada ‘Empresa Estatal Não Dependente’, que ela descobriu na Grécia ao auditar a dívida daquele país em 2015. Aqui no Brasil surgiram empresas como essas, em sociedade com os estados e municípios, que emitem papéis com garantia do Estado para reciclar a dívida ativa, mas que apenas aumentam ainda mais a dívida pública.

Ela cita o exemplo da empresa PBH Ativos S.A., de Belo Horizonte, cujo principal sócio é o município. Começou a operar com capital de apenas R$ 100 mil, mas emitiu 23 mil debêntures no valor de R$ 100 mil cada, com garantia do município. “Na prática, isso é uma dívida pública disfarçada”, afirma a auditora.

Segundo Fattorelli, por esses papéis são cobrados o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor – índice oficial da inflação) mais 11% de juros, uma quantia impagável. Os bancos, explicou, ganham com a emissão desses papéis e muitas vezes com a compra desses mesmos papéis, tornando-se credores dos estados e municípios.

Os papéis são criados para reciclar a dívida ativa, mas tornam-se parte da dívida pública. Conforme explicado por ela, enquanto a dívida pública representa o montante devido por estados, governo e municípios (a União), a dívida ativa, por sua vez, são créditos a receber de tributos não pagos no prazo, a maior parte constituída de créditos podres, pois as empresas devedoras já quebraram, muitas não existem mais. São créditos dificílimos de receber.

“Essa fraude tem conivência dos parlamentares e do presidente ilegítimo. Tanto isso é verdade que tais operações ficaram de fora da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, já aprovada, que estabeleceu um teto para todas as chamadas despesas primárias – educação, saúde, previdência etc., afora as despesas financeiras. Isso mostra a geração da dívida pública sem contrapartida alguma para a população e o país”.

Em seminário internacional realizado em novembro último, promovido pela Auditoria Cidadã com apoio de diversas entidades, foi aprovada uma nota de repúdio a esse esquema altamente fraudulento e contra os Projetos de Lei PLS 204/2016, PLP 181/2015 e PL 3337/2015 que “visam dar uma aparência de legalidade às operações de securitização que estamos denunciando como grandes fontes de expropriação de recursos públicos, em todos os entes da federação brasileira, com o aumento das dívidas públicas em milhões e até bilhões de reais embasadas em falsas contrapartidas” (2).

Maria Lúcia Fattorelli defendeu a auditoria da dívida pública citando o exemplo do Equador, que comprou por 30% o valor total da dívida após acordo com 95% dos credores. Explicou que os 5% restantes sequer apareceram para negociar.

Lembrou, por fim, que a dívida pública serve como instrumento de pressão do sistema financeiro para impor suas políticas para o país, tais como a reforma trabalhista, as privatizações, a tentativa de reforma da Previdência, o congelamento dos investimentos em saúde, educação etc., sempre em prejuízo dos trabalhadores.

1. https://www.youtube.com/channel/UCl5r_25WtDFFPiB_JBEGzzQ

2. http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2017/11/08/nota-de-repudio-pls-2042016-plp-1812015-pl-33372015/