O capitalismo é violência

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Palestina, Donbass, Catalunha, Colômbia. A comunicação social dá voz ao agressor e absolve a violência exercida pelos Estados implicados. Contra a opressão, os povos conservam o direito à insurreição.

Há cerca de dois meses, entrevistei um palestino que passou parte da juventude nos cárceres israelenses por lançar pedras e coquetéis molotov contra tanques. Um dia, o exército ocupante cercou-lhe a casa e arrastou-o para a prisão. Teve melhor sorte que um dos seus companheiros abatido a tiro. Aos 13 anos, foi torturado e atirado para uma cela cheia de baratas e ratazanas.

Há uns anos, o jornalista Jorge Enrique Botero desvendou a vida de Solangie, uma destemida guerrilheira colombiana que foi uma das vozes da Cadena Radial Bolivariana, emissora clandestina das FARC. A mãe era dona de um bordel numa aldeia no meio da selva e o padrasto tentara violá-la várias vezes. Uma noite, esperou-o na cama e esfaqueou-o. Depois de desenhar mapas para a guerrilha e de fazer parte da rede de vigilância, a guerrilha acedeu aos sucessivos pedidos de Solangie para nela ingressar. Naquela altura explicava que, para muitas mulheres, as FARC não eram uma opção. Era a única via para fugir de uma vida miserável num bordel ou para evitar de receber pancada do marido.

Para muitos, no Leste da Ucrânia, a única opção foi pegar em armas para se defenderem das agressões fascistas caracterizadas sobretudo pelo anticomunismo e pela febre antirrussa. Em Odessa, em maio de 2014, foram assassinados 46 antifascistas na Casa dos Sindicatos (1), num contexto em que milhares de mulheres e homens entregues à sua própria sorte se armavam para se defenderem da orgia de violência patrocinada por Washington e Berlim.

Entretanto, ficamos sabendo esta semana que o Ministério Público alemão pede a extradição do presidente catalão, que estava exilado em Bruxelas, para Madri, que o persegue por organizar um referendo. Isto dias depois de os tribunais espanhóis ordenarem a prisão de vários deputados independentistas catalães, que se juntam ao conjunto de centenas de presos políticos espalhados por várias prisões de Espanha. A repressão desatada contra os independentistas da Catalunha motivou, aliás, afirmações contundentes do líder patriota basco Arnaldo Otegi: «Com as decisões adotadas na Catalunha, o Estado está transmitindo aos independentistas a mensagem de que é impossível alcançar uma república catalã, galega, canária ou basca pelas vias pacíficas e democráticas», declarou o coordenador-geral do partido EH Bildu antes de reafirmar a sua aposta, ainda assim, por essas mesmas vias.

Destas quatro histórias, boa parte dos órgãos de comunicação social tratou de dar voz ao agressor e de desqualificar o agredido. Agora que o exército de Israel acaba de cometer um massacre em Gaza, ninguém exige a expulsão de diplomatas israelenses. Na Colômbia, de onde não chegava mais do que notícias de atentados das FARC, sem nunca se falar dos assassinatos de sindicalistas, camponeses e militantes de esquerda, a guerrilha calou as armas e a imprensa continua sem noticiar a violência promovida pela oligarquia. Já para não falar da resistência antifascista nas autoproclamadas repúblicas independentes, no Leste da Ucrânia, na região da bacia do rio Don, conhecida como Donbass. Para ela, a imprensa tratou de inventar o rótulo de pró-russo.

No caso da Catalunha, onde a violência continua a ser monopólio absoluto do Estado espanhol, argumenta-se com o império da legislação como se os regimes fascistas não tivessem também eles as suas leis e constituições. Que o direito é apenas outra forma de exercer a força e a violência outra forma de fazer política, são princípios básicos do capitalismo.

Por todo o mundo, e crescentemente na Europa, a fascistização dos Estados, a que alguns preferem chamar autoritarismo ou populismo, cresce a passos largos para defender um sistema cada vez mais incapaz de sustar a crise em que se encontra e de esconder o seu caráter violento.

Foi em Abril que os militares e o povo português derrotaram o império da lei e da violência fascistas para encetar um período que todavia é uma espinha encravada na garganta de alguns. Num dos mais bonitos textos escritos em português, a nossa Constituição «reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão».

Para uma reportagem mais completa do massacre de Odessa, no próprio dia do acontecimento, ver «Odessa slaughter: how vicious mob burnt anti-govt activists alive», RT News (3 de Maio de 2014).

Fonte: Abril Abril