A tentativa de depuração da obra de Marx

imagemGabriel Henrique*

“Dá-se com a doutrina de Marx, neste momento, aquilo que, muitas vezes, através da História, tem acontecido com as doutrinas dos pensadores revolucionários e dos dirigentes do movimento libertador das classes oprimidas. Os grandes revolucionários foram sempre perseguidos durante a vida; a sua doutrina foi sempre alvo do ódio mais feroz, das mais furiosas campanhas de mentiras e difamação por parte das classes dominantes. Mas, depois da sua morte, tenta-se convertê-los em ídolos inofensivos, canonizá-los por assim dizer, cercar o seu nome de uma auréola de glória, para “consolo” das classes oprimidas e para o seu ludíbrio, enquanto se castra a substância do seu ensinamento revolucionário, embotando-lhe o gume, aviltando-o.” (Lênin, O Estado e a Revolução, 1917).

Estas palavras de Lênin, que estão presentes no começo de “O Estado e a Revolução” nunca foram tão atuais e verdadeiras; a obra de Marx, desde há algum tempo, tem sido alvo de “depuração” por parte das classes dominantes de todos os países. Trata-se da tentativa de enfatizar o aspecto “atual” da obra de Marx, sempre deixando claro que o caminho revolucionário, apontado por ele, de superação do capitalismo, foi um caminho fracassado.

Em O Capital, sua obra mais importante, Marx coloca que o capitalismo se baseia na existência de milhões de despossuídos, que por não terem meios de produção têm de vender sua força de trabalho àqueles que são detentores privados destes meios de produção, os capitalistas. Ora, ao estabelecer essa relação formal de venda da força de trabalho, por meio de um contrato firmado entre ambas as partes, o capitalista, como comprador, passa a dispor do consumo dessa força de trabalho, de modo que ele faz o trabalhador trabalhar mais do que necessita para repor o salário firmado em contrato, em uma determinada parte de seu tempo de trabalho ele trabalha de graça para o patrão, essa é a mais-valia.

Neste mesmo livro, na “lei geral da acumulação capitalista”, Marx constata que, no capitalismo, ao mesmo passo que se segue a criação de riqueza, se segue a criação de miséria. Haverá sempre uma massa de trabalhadores supérfluos às necessidades do capital e sujeitos ao pauperismo mais gritante, trata-se dos desempregados; aos trabalhadores que conseguem se empregar a exploração crescente, seja em extensão ou intensão, será a tônica, por mais velada que esteja.

Mas nada do que fora exposto acima é o que exatamente causa horror à burguesia, não é a crítica que Marx faz ao modo de produção capitalista enquanto um sistema que só sobrevive às custas da miséria de milhões para enriquecer um punhado de ricaços que causa estupefação na classe dominante; o que antes é um horror e um crime para a burguesia, caso de polícia, é que Marx tenha mostrado que as atuais relações de produção – baseadas na propriedade privada dos meios de produção – são relações históricas e que, portanto, são relações passíveis de superação, podem dar lugar a outras formas de sociabilidade; a possibilidade da revolução socialista, levada a cabo pelos trabalhadores, é o que causa horror à burguesia.

A constatação de que o regime capitalista, baseado no trabalho assalariado, não é um regime eterno; de que os trabalhadores podem, e devem, mudar o curso da história, tomar o seu destino nas suas próprias mãos, é isso que é inconcebível para aqueles que vivem na riqueza às custas do trabalho dos outros, às custas do trabalho de milhões de trabalhadores.

Na atual conjuntura brasileira, em que as liberdades democráticas mínimas conquistadas pelos trabalhadores têm sido sistematicamente ameaçadas, em que o governo corrupto e golpista de Michel Temer tem movido uma guerra de classes contra os trabalhadores ao aprovar a agenda neoliberal dos capitalistas com a PEC do teto de gastos, com a reforma trabalhista, com a reforma do ensino médio etc., em que o Estado brasileiro têm assassinado companheiros e companheiras de luta e que tem tentado criminalizar movimentos sociais, tal conjuntura tem mostrado que a necessidade de uma revolução brasileira nunca esteve tão explícita, é momento de, como o camarada Mauro Iasi expôs em recente artigo, mostrar que nós sabemos construir um país.

Neste sentido, para os comunistas brasileiros, a vida de Marx, uma vida de luta, dedicada à revolução social, à luta dos trabalhadores, é fonte de inspiração e, mais do que isso, sua obra é a arma teórica pela qual nós podemos compreender e atuar sobre a realidade. Pois sabemos que “a teoria também

se torna força material quando se apodera das massas”. (Marx, Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Introdução, 1843).

À tentativa de depuração da obra de Marx – de torná-lo um autor “atual”, mas inofensivo – promovida sistematicamente pelos veículos de imprensa burgueses, no bojo das comemorações em torno dos 200 anos de seu nascimento, respondemos com uma citação do próprio revolucionário alemão: “Para nós, não se trata de reformar a propriedade privada, mas de aboli-la; não se trata de atenuar os antagonismos de classe, mas de abolir as classes; não se trata de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma nova.” (Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas. Karl Marx / Friedrich Engels Março 1850).

*Secretário Político do PCB Amazonas.