Mulheres argentinas avançam na garantia a saúde, autonomia e direitos

imagemCoordenação Nacional do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro

Nesta quinta, dia 14/06, a Câmara de Deputados da Argentina decidiu legalizar a interrupção da gravidez até a 14a semana de gestação e estendeu o prazo em casos de estupro, risco de vida para a mãe e malformação fetal. É, sem dúvida, um passo importante e uma vitória para as argentinas, que têm mostrado cada vez mais a força das mulheres trabalhadoras nas lutas. A votação seguirá para o Senado e impõe a manutenção das mobilizações e toda a nossa solidariedade.

Na América Latina, essa vitória será um importante e progressivo passo para romper com a imposição da gravidez às mulheres e às sistemáticas mortes em abortos clandestinos. O debate da descriminalização do aborto não pode se restringir à polêmica de vida ou não do concepto; precisamos avançar para uma compreensão mais ampla sobre as condições sociais que levam a uma gravidez indesejada e para as condições que geram a morte de mulheres nesses procedimentos.

A criminalização do aborto é mais uma forma de controle sobre a vida das mulheres trabalhadoras, principalmente sobre as mulheres negras e pobres das periferias urbanas. A justificativa do direito à vida expressa por setores religiosos mostra-se totalmente contraditória quando analisados os números de mortes de mulheres devido a abortos clandestinos. Estatísticas apontam que são realizados cerca de 46 milhões de abortos anualmente em todo o mundo, aproximadamente 160 mil por dia. Entre esses, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 19 milhões são feitos de maneira clandestina e insegura, resultando na morte de 70 mil mulheres por ano e mais 5 milhões que enfrentam sequelas do procedimento mal realizado. As leis restritivas são a causa fundamental dessas mortes. Em países onde se descriminalizou o aborto e se investiu em educação sexual e reprodutiva os números de abortos diminuíram, como é o caso recente do Uruguai.

Aquelas que têm condições econômicas realizam seus abortos em clínicas com boas condições de higiene e tecnologia apropriada, enquanto as mulheres trabalhadoras precisam enfrentar clínicas em péssimas condições ou realizar abortos de forma inapropriada, por conta própria. São essas mulheres que, além de serem abandonadas pelo Estado, ainda sofrem violência e discriminação quando buscam ajuda em espaços de saúde ou morrem por não conseguirem atendimento diante das complicações.

Não importa para o patriarcado se milhares de mulheres morrem todos os dias devido a abortos clandestinos, já que o que está em jogo não é a vida, mas sim a reprodução ideológica e social do formato da família individualista burguesa, do patriarcado e a manutenção das múltiplas jornadas de trabalho da mulher, que tem que cuidar dos filhos, cuidar e satisfazer sexualmente os maridos, manter a higiene da casa, preparar os alimentos, cuidar dos idosos e ainda trabalhar fora. Ou seja, todas as obrigações que deveriam ser do Estado são supridas no interior das famílias pelas mulheres ou por empregadas domésticas, que majoritariamente são mulheres negras (muitas na informalidade e mesmo quando contratadas, precisam enfrentar intensas jornadas e péssimas condições de trabalho). Por isso, também não podemos ignorar nesse debate a questão da autonomia das mulheres, o direito à maternidade e o fim da maternidade compulsória.

Não existe alternativa de escolha ou não de uma gravidez em uma sociedade extremamente machista, com alto nível de violência sexual e psicológica contra as mulheres e onde existe um alto nível de hiper sexualização da juventude, principalmente as meninas e jovens negras. Para além disso, temos poucas condições de educação e trabalho para as mulheres em todas as idades, o que as levam a aceitar relacionamentos muitas vezes abusivos e às condições impostas nos mesmos. Não adianta campanha para uso de anticoncepcionais se para muitas mulheres as únicas condições de sobreviver são o casamento e a permanência no ambiente doméstico em relacionamentos abusivos. Isso aumenta o número de gestações indesejadas e, consequentemente, o número de abortos clandestinos.

A descriminalização do aborto é uma uma questão de saúde pública: trata-se de garantir o direito à vida e à saúde das mulheres. Ela deve estar aliada à luta contínua contra essa sociedade capitalista, patriarcal e machista, contra o desemprego, por condições dignas de vida, de trabalho e pelo acesso universal à educação.

No dia 03 de agosto no Brasil acontecerá audiência pública no Superior Tribunal Federal para discutir a questão do aborto. Estaremos mobilizadas para essa defesa no Brasil e para manifestar todo apoio e solidariedade às mulheres argentinas.

Além disso apontamos que nossas lutas precisam convergir contra todo ataque aos direitos da classe trabalhadora no Brasil e no mundo. A reforma da previdência, a reforma trabalhista e as privatizações dos setores públicos atingem nossas vidas e nos deixam ainda mais expostas às situações de violência cotidianas. As mobilizações das mulheres precisam estar juntas e fazer coro nas vozes de toda a classe trabalhadora.

Pela vida das mulheres!

Contra os ataques aos nossos direitos e à nossas vidas, no Brasil e em todo o mundo!

Não à Reforma da Previdência! Pela revogação da Reforma Trabalhista! Contra as privatizações!

Viva a vitória das trabalhadoras argentinas e todas as lutadoras que ousam transformar essa sociedade!

Aborto legal ya !

Ni una a menos!

Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro – Nacional

Mulheres argentinas avançam na garantia a saúde,autonomia e direitos das mulheres

Arte: Núcleo de São Paulo _ Capital