Santos, sinal verde para a guerra suja na Colômbia

Como parte de uma controvertida reforma da Justiça (que produziu um âmago de choque entre o Executivo e a Corte Suprema e o Conselho de Estado)i, o governo de Juan Manoel Santos incluiu, de última hora, um artigo que “estabelece a presunção de que os delitos cometidos por policiais e militares correspondem a atos de serviço e serão conhecidos somente pela justiça penal militar, salvo exceções pontuais.”ii O artigo dizia textualmente “Em todo caso, se presume a relação com o serviço nas operações militares e procedimentos da Polícia Nacional. Nessas situações, quando tenha lugar o exercício da ação penal, a mesma se adiantará pela Justiça Penal Militar e Policial”. Segundo o Ministro da Defesa Pinzón, é necessário para proporcionar “maior segurança jurídica (impunidade?) à tropa em sua guerra contra-insurgente. Ainda quando a impunidade seja altíssima na Colômbia, sobretudo relativo a crimes de Estado (os quais beiram 98%), esse artigo não oculta sua pretensão de torná-la absoluta, fazendo a população ainda mais vulnerável do que já é.

Diante desta grande impunidade, a tenacidade de algumas organizações defensoras dos direitos humanos, assim como o trabalho de certos juízes independentes, de caráter (os quais tem sido vítimas da perseguição dos organismos do Estadoiii, alguns chegando a ser assassinados) iv , tem levado a um número relativamente insignificante de fardados ante os tribunais (4.280 processos judiciais, insignificantes considerando a escala das atrocidades que são cometidas na Colômbia, mas significativos desde o ponto de vista político)v por sua participação em crimes atrozes, o qual foi suficiente para gerar pavor entre as filas castrenses. Segundo, o senador oficial Roy Barreras, “além do temor dos militares de perder a vida em combate, está o temor de terminar na cadeia por uma condenação na qual a investigação e o julgamento são feitos por civis que desconhecem a linguagem e os procedimentos da guerra”.vi

Diante desse sofisma, o Estado colombiano tira sua máscara de “democracia assediada” e de “respeito aos seres humanos” para mostrar, ao nu, a necessidade que tem de deixar o terrorismo de Estado e os crimes atrozes para avançar na guerra contra-insurgente… procedimento que os “burros civis” desconhecem ou não aceitam de boa vontade.

Apesar de toda a retórica vazia do governo de Santos de que sua estratégia militar se apóia no respeito irrestrito aos direitos humanos (em parte, engenhada para tirar das costas o pesado fardo dos “falsos positivos” que lhe aflige desde sua época de Ministro da Defesa do governo anterior). Na palavra de seus próprios ministros e parlamentares, os direitos humanos representam um estorvo ao exército.

Não é necessário aclarar com detalhes as limitações óbvias da Justiça Penal Militar, a qual coloca o ladrão a julgar o ladrão – não é de surpreender-se que os escassos processos que tem terminado em condenações militares, sejam por obra e graça da justiça ordinária (casos que incluem o desaparecimento de pessoas, a promoção de esquadrões da morte para estuprar e torturar “suspeitos” e que incluem o seqüestro de civis para assassiná-los e apresentá-los como “guerrilheiros dados como baixa no combate” – ou “falsos positivos” – entre outros crimes igualmente perversos). Há também limitações mais específicas, as quais têm sido suficientemente denunciadas pelo parlamentar e dirigente do Movimento Nacional de Vítimas de Crimes de Estado (MOVICE), Iván Cepeda, que declarou que esta não cobre temas como o narcotráfico, extorsões, violações dos direitos humanos, acordos para delinqüir, entre outros – todos temas pelos quais alguns fardados estão comparecendo ante as cortes.vii

Todos seriam, agora, “atos de serviço”. Como exemplo de como interpreta o Estado como “atos de serviço”, temos o pérfido assassinato a tiros pelas costas do adolescente grafiteiro Diego Felipe Becerraviii, o qual foi passado à Justiça militar porque a Promotoria estimou que esse inescusável infanticídio constituiria um “ato de serviço”.ix Difícil é negar, com essa classe de “critério”, que Colômbia não somente seja o império da impunidade, mas também o da arbitrariedade.

Devido à polêmica que essa inclusão ocasionou de última hora, o Ministro do Interior, Vargas Lleras, afirmou sexta-feira passada que, finalmente, esse artigo não faria parte da reforma, mas que seria apresentado como outro projetox. Independentemente de se a ampliação do foro militar faria parte ou não da reforma judicial, o certo é que o que essa proposta coloca no tapete é a necessidade que o governo de Santos sente de aprofundar a guerra suja como uma maneira de conter os avanços da insurgência, cujos ataques crescem continuamente desde 2005, mas os quais são mais evidentes desde 2009.

Atolamento da saída militar ao conflito social e armado

Para além do triunfalismo midiático que se impôs durante a última década, como parte de uma guerra psicológica do Estado, a insurgência está longe do “fim do fim” como assegurou em 2008 o decaído general Montoya. Em lugar de sucumbir ante a gigantesca ofensiva montada com bilhões de dólares aportados pelo governo dos EUA para o Plano Colômbia, com tantos mais aportados para planos de “cooperação civil-militar” e planos de “cooperação”, com um hipertrofiado exército de cerca de meio milhão de homens, com toda a assistência técnica que recebem de Israel ou EUA, com um gasto militar mantido superior ao 5% do PIB, com uma rede de informantes de dimensões mais próprias da Alemanha nazista que de uma suposta “democracia ocidental” (dois milhões de pessoas oficialmente reconhecidas), com milhares de paramilitares realizando tarefas de milícias privadas em praticamente todo o território, com bombardeios de proporções bíblicas nos quais se arrojam toneladas de bombas sobre a selva (não é casual o nome da “Operação Sodoma”), com a colaboração militar dos governos “progressistas” da Venezuela e Equador… com toda essa pressão militar, a insurgência, longe de ter sido derrotada, tem assimilado os golpes, tem adequado sua estratégia e tem retomado, em vastas regiões do país, a ofensiva.

Isso não é algo que estão inventando os “áulicos da guerrilha”, como denominava o ex-presidente Uribe Vélez a quem ousasse questionar sua “revelada e divina” política da (in)Segurança (anti)Democrática. Não, é algo que reconhecem organismos como a Corporação Novo Arco Iris (CNAI), dirigida pelo estrito colaborador do presidente Santos e entusiasta partissan da Segurança Democrática, León Valencia.

O que dizem os últimos informes da CNAI? Segundo o informe intitulado “Da Guerra de Jojoy à Guerra de Canoxi, as FARC-EP teriam adequado sua estratégia em vários aspectos cruciais mediante o chamado “Plano 2010”:

  • Abandono da guerra de posições e das grandes mobilizações de tropas que caracterizaram o período de 1996-2007; volta à mobilização de pequenos contingentes de alta mobilidade pra evitar ser detectados pelo ar e predomínio da instigação como forma de ataque;

  • Descentralização das estruturas guerrilheiras para absorver os golpes do exército aos comandos médios e aos comandantes;

  • Criação de Unidades Táticas de Combate com especialistas em explosivos e especialização de guerrilheiros como franco-atiradores;

  • Criação ad hoc de “comandos conjuntos de área” entre diferentes frentes que se combinam e dispersam em função de tarefas específicas;

  • Desenvolvimento de campos minados com minas suspensas e estratégias de minas ofensivas na beira de caminhos

xii

Em um novo informe, “A Nova Realidade das FARC” dão conta de novos aspectos da estratégia militar das FARC-EP:

  • Utilização de carros-bomba que facilitariam golpear guarnições militares sem necessidade de agrupamentos massivos de tropas;

  • Desenvolvimento de corpos de elite, que se especializaram em penetrar nas linhas de guarda de diversas frentes e golpear com ataques explosivos da retaguarda.

Sobre o ELN, os informes da CNAI confirmam uma tendência ao fortalecimento dessa guerrilha e a consolidação de sua hegemonia em três áreas do país – Cauca, Nariño e Arauca. Tem havido expansão de suas frentes no Chocó, Antioquia e mantém sua presença em áreas como o Sul de Bolivar, Cesar e Norte de Santander. O pacto político-militar com as FARC-EP não somente teria servido para controlar o conflito entre ambas organizações em certas regiões como Arauca, mas também para potencializar a luta contra as forças do Estado colombiano. Sua estratégia militar tem sido caracterizada por:

  • A organização de estruturas pequenas e o fortalecimento das redes de apoio;

  • Estratégia de retirada, para evitar golpe direto da ofensiva do exército-paramilitares;xiii

Os resultados não deixam de ser surpreendentes para quem tem digerido anos de propaganda sobre o “fim do fim”: 2010 terminou com mais de 2000 baixas na Força Públicaxiv – 1885 baixas somente até setembro de 2010 segundo a CNAIxv. Entre janeiro e maio de 2011, a Força Pública sofreu 967 baixas.xvi Tampouco se ajustam os resultados ao cenário descrito pelo ex-ministro de Defesa Rivera, quem definia essas baixas como “braçadas de afogado”, como ações desesperadas de uma insurgência encurralada.

Obviamente, os golpes insurgentes têm atingido o governo de Santos, propiciando uma mudança de Ministro da Defesa em setembro, com a saída do então ministro Rodrigo Rivera, e a entrada de Juan Carlos Pinzón. Da mesma maneira, mudou-se a comandância das Forças Militares, passando a comandância geral do almirante Edgar Cely ao general Alejandro Navas. Mudanças que, sem dúvida, refletem a insatisfação do establishment com o rumo da guerra.xvii

Mas também esses golpes tiveram um impacto sobre a moral do exército. Segundo o último informe da CNAI, a situação do desgaste ou desmoralização das tropas do Estado dever-se-iam aos embates da nova estratégia de luta guerrilheira, a prolongação de campanhas militares infrutíferas e a certeza de que não há para quando o anunciado “fim do fim”. Segundo esse mesmo informe, a estratégia das forças armadas tem sido exitosa desde uma perspectiva midiática, mas não assim no terreno do combate.xviii Ou seja, pode-se mentir a esse setor do país idiotizado com a televisão e a propaganda do governo, mas não quem vive o conflito em carne e osso.

É compreendendo esse panorama que melhor entendemos as vozes que surgem hoje para culpar o judiciário do atolamento militar: “A tese se desprende da que se ouve há tempos nos quartéis: não se pode ganhar uma guerra suja com armas limpas”.xix

Mais além da dicotomia santismo-uribismo: uma guerra de classes contra os camponeses e os setores populares

Apesar de todos os esforços dos apologistas de Santos para mostrá-lo como uma versão civilizada de seu predecessor, o troglodita Uribe Velez, os argumentos com os quais tem defendido a ampliação do foro militar, reproduzem ao pé da letra a cantiga recitada pelo proto-fascista assessor presidencial de Uribe, José Obdulio Gaviria, que expressou que a desmoralização do Exército deve-se a que “as forças militares e até a polícia estão sendo vítimas de uma perseguição muito forte de parte da promotoria (…) Qualquer operação da força pública é examinada como se fosse um crime, e isso tem baixado muitíssimo a moral das forças armadas”.xx

Uma lógica parecida tem sido aplicada por José Felix Lafaurie, presidente da Federação de Ganaderos (Fedegán), grêmio que apoiou ativamente o surgimento da maquinaria de morte paramilitar conhecida como as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), organismo responsável pelo assassinato e desaparecimento de dezenas de milhares de colombianos, e o deslocamento forçado de milhões de camponeses cujas terras tem acabado em boa medida nas mãos de latifundiários pecuaristas. Os pecuaristas não ocultam seu interesse em aprofundar a guerra contra-insurgente que tem dado enormes privilégios econômicos, como revela o ultimo informe do PNUD.xxi Na realidade, eles estão no centro do conflito social e armado que a Colômbia vive, e são uma parte integral das “condições estruturais” que alimentam a violência política. Lafaurie insiste, igual que José Obdulio Gaviria, que a baixa moral das tropas “está em que a justiça e a sociedade voltem-se contra elas, e se nutre de uma estratégia de desprestígio midiático da instituição”.xxii Ou seja, a sociedade deveria calar-se ante os falsos positivos, os bombardeios indiscriminados, os esquadrões da morte, a violência sistemática contra a população.

Em outro artigo, Lafaurie definiu os militares como “cidadãos especiais, fora do comum”, que não podem ser julgados por uma justiça ordinária, ainda quando seus crimes afetem a população civil, porque essa desconheceria as táticas e as estratégias de guerra. Implicitamente, se reconhece que a violação os direitos humanos é parte dessas “estratégias”. Mas a “lógica” perversa desse argumento (que a justiça civil desconhece os “procedimentos de guerra” e portanto estaria inabilitada para julgar militares) tem sido brilhantemente evidenciada pelo colunista Alfredo Molano, que indica que “Os militares argumentam que a justiça civil não sabe de condutas militares e portanto não pode decidir sobre elas, que é como dizer que porque os juízes não são empresários não podem decidir sobre delitos mercantis; ou que por não ser médicos deveriam abster-se de decisões em caso de homicídios culposos por, digamos, deixar um bisturi na barriga de um cliente operado de apendicite. Nesse passo, chegamos ao ponto que somente os pecuaristas estão habilitados para legislar sobre matérias agrárias. Melhor dizendo, para que leis, havendo armas?xxiii

Mas, qual é a conclusão a qual chega Lafaurie com essa perversa “lógica”? Sem pelos na língua, diz que “necessitamos dotar de garantias os homens e as operações militares. Estamos demorando em limpar o caminho a nossos heróis anônimos. Necessitamos reconhecer a natureza destes homens e aliviar o desassossego que acompanha a tarefa de ser militar hoje na Colômbia”.xxiv Lafaurie insiste em outra coluna escrita em setembro que “a urgência de melhorar o bem-estar da força pública, passa (…) por fortalecer o Foro e Justiça Penal Militar (…) Uma democracia plena como a nossa pode e deve derrotar os violentos, e o fará pelas mãos do Foro Militar. As guerras se ganham no coração dos soldados”.xxv

É importante referir-se às declarações do Presidente de Fedegán, porque elas refletem os setores que enriqueceram mediante a guerra e que hoje buscam aprofundá-la, os setores que jamais apostarão numa solução política do conflito armado que ponha em questão a posse ilegítima que tem de 39% das terras.

 

A natureza de classe deste conflito, assim como o rol dos fazendeiros que representa Lafaurie, são evidenciados num relato sobre o deslocamento de camponeses nas regiões de Guanapalo e Charras, em San José del Guaviare, num informe que já citamos da CNAI:

 

“O representante da Câmara Ignacio Antonio Javela adquiriu 1.250 hectares de terras dos camponeses dessa região, mas outros começam a deslocar-se ante as ameaças e intimidações. Enquanto grupos ilegais rearmados começaram a posicionar-se sobre a denominada TrochaGanadera, onde atualmente exercem pressão contra algumas comunidades camponesas. As FARC, por sua parte, proibiram os camponeses de vender seus estabelecimentos e manifestaram que defenderão a zona de outros grupos armados ilegais.

 

Implicitamente se trata de expulsar para concentrar a propriedade da terra. As compras massivas de terra a muito baixo preço ou mediante a intimidação armada levaram a um deslocamento gota a gota nessa região. Paradoxalmente, o que garante a propriedade aos camponeses e colonos é um grupo armado ilegal – as FARC – e não o Estado”. [26]

 

O último informe do CODHES nos diz que boa parte da expansão paramilitar se está dando em zonas de consolidação ou de forte presença da força pública. Segundo eles, no primeiro semestre de 2011, segundo suas informações parciais e preliminares, se haviam deslocado cerca de 89.750 pessoas, e destas 28% procedentes das zonas de consolidação territorial do Estado [27], o que coincide, a grosso modo, com as cifras globais de deslocamento de 2010, que indicariam 33% de deslocamento das zonas de consolidação [28]. Este deslocamento vem dos megaprojetos, do agronegócio, do latifúndio, da mineração [29].

 

Ao final das contas, apesar da dicotomia que se pretendeu fazer entre a política de Uribe Vélez e a de Santos, existe uma continuidade deste modelo de guerra que beneficia um padrão de enriquecimento por deslocamento violento.

 

Dialética política do conflito social e armado

 

Os latifundiários sabem muito bem por quê pedem a gritos aprofundar a impunidade e com ela a guerra suja: porque um conflito que não é somente militar, senão antes de tudo social como o colombiano não pode ganhar-se senão mediante a aplicação à grande escala do terrorismo de Estado contra a população. Isto explica muito bem Ever Veloza, aliás HH, um dos paramilitares que fez por vários anos o trabalho sujo do Estado a mando das Autodefesas Camponesas de Córdoba e Urabá (ACCU) e, mais tarde, das AUC, sobre a estratégia de terra arrasada do paramilitarismo, numa entrevista em 2008:

 

“A guerrilha está, mas não está tão forte como antes. Quando nós começamos nas AUC, a guerrilha tinha o controle de todo o país, como no Urabá. Hoje em dia a guerrilha está em setores marginais. Por isso o movimento das autodefesas não fracassou. Foi tanto o crescimento e a penetração das autodefesas a nível nacional que olhe quantos políticos estão na prisão por vínculos conosco, quantos militares estão vinculados, quantos empresários. Eu creio que foi um êxito total.” [30]

 

Talvez um êxito puramente militar, no imediato, mas não um êxito sustentável ou total quando se considera a natureza social do conflito. Desde 2008, quando HH faz essas declarações, a insurgência conseguiu reverter o avanço das Forças Militares durante a primeira fase do Plano Colômbia e voltou a mostrar um renovado dinamismo. Esse dinamismo está ligado, indubitavelmente, à dialética política do conflito, por mais que o discurso oficial tente “pabloescobatizar” a insurgência [31] – algo que, que além do mais não é nada novo, já que desde o começo se buscou “bandolerizar” a insurgência para assim negar as profundas causas estruturais, políticas e sociais que a animam. O paradoxo é que enquanto se nega que a insurgência tem motivações políticas, o exército trabalha junto aos grupos paramilitares que se definem como “anti-comunistas” [32]. Não deve surpreender que o oficialismo negue a legitimidade política da insurgência. Jamais uma tirania (e a Colômbia, desde o ponto de vista político e humanitário, não pode ser considerada outra coisa pese os formalismos democráticos ritualizados) aceitou a legitimidade de quem a enfrenta [33].

 

Mas os informes da CNAI, sinalizam que é no terreno político onde se encontram em grande medida as raízes deste novo dinamismo da insurgência. Sobre as novas orientações políticas na insurgência, nos sinaliza um informe relativo às FARC-EP que “Alfonso Cano (…) conseguiu dar ao grupo guerrilheiro uma nova estratégia militar e um novo rumo político. Este antropólogo, apesar de suas raízes urbanas, pode coordenar a guerrilha das FARC composta majoritariamente por camponeses (…).

 

É essa dinâmica política que explica as colocações de Santos em um discurso no dia 28 de Setembro em uma base militar em Nariño: “Sabemos muito bem que a estratégia das FARC vai ser a de estimular o protesto social e a de infiltrar esse protesto social para produzir violência, produzir caos” [35]. Não é casualidade o inegável odor “uribista” destas temerosas acusações, que novamente colocam em contradição quem pretende construir a imagem de Santos como um “cavaleiro democrático” (à diferença do seu antecessor e professor Uribe).

 

Refletem uma compreensão de que o conflito não é somente armado, senão antes de tudo social, e que a reativação do protesto popular tende a ser coincidente com a reativação da luta armada, não porque os movimentos sociais ou as organizações populares sejam “fachadas da guerrilha” ou “guerrilheiros civis” como freqüentemente dizem as elites para estigmatizar e para minar a legitimidade dos movimentos – como se não houvessem causas legítimas para o protesto por parte dos estudantes, camponeses, cocaleiros, trabalhadores e comunidades. Para essas elites, toda marcha é um “sinistro plano do terrorismo” para perturbar a paz social em seu país das maravilhas.

 

A realidade é outra: quando existe um incremento do mal estar social e do protesto popular, é natural que a insurgência canalize parte deste mal estar porque ela foi, goste ou não a ordem estabelecida, uma forma de resposta histórica do povo à violência sistemática do Estado contra os de baixo. Cada um pode considerar se é uma resposta boa ou ruim, mas é inegável que a insurgência não vem da lua para “infiltrar-se” no povo, mas é produto das entranhas das classes populares. Para amplos setores na Colômbia, fundamentalmente rurais, a insurgência segue sendo uma resposta legítima contra a violência de classe institucionalizada pelos fazendeiros e seus sócios multinacionais.

 

Becosemsaídaparaaviamilitar

 

Diante do aumento progressivo do protesto social desde o ano de 2002 [36] e que se tornou explosivo desde 2008, e ante a persistência e o rearranjo da luta armada – rearranjo não apenas militar, mas também político como vimos – , é de se esperar que o governo tente sair do empate do conflito através do aprofundamento da guerra suja. E ai está a contradição vital da oligarquia colombiana: que seus avanços no campo militar comprometem o político, e que o aprofundamento da guerra suja tem um efeito degradante em suas próprias fileiras. Não é o julgamento de militares o fundamental da desmoralização ou desgaste das Forças Armadas na Colômbia, mas as causas expostas pelo CNAI: as expectativas impossíveis de uma vitória fácil alimentadas no último período de Uribe Vélez, o fato de que as campanhas sejam cada vez mais longas e infrutíferas, assim como os golpes crescentes da insurgência. O fator sem lugar para dúvidas de maior peso na desmoralização das tropas do exército colombiano é a natureza da guerra absurda que lutam em defesa dos latifundiários, das multinacionais estrangeiras. É a natureza mesma de uma guerra degradada fundamentalmente pela ação do Estado e sua ferramenta paramilitar) que está na base da desmoralização da tropa.

 

Por mais que a propaganda oficial insista que na “Na Colômbia os Heróis Existem”, a tropa sabe que além de onde se luta a guerra, onde o conflito se sofre na carne e no osso, no terreno, as percepções são muito diferentes das dos telespectadores urbanos que acreditam em tudo que a mídia diz. Seguindo com este mesmo informe do CNAI: “a corrupção de membros da Força Pública faz com que a população desconfie da institucionalidade. Nos campos orientais, por exemplo, com o Plano Consolidação, o que se observa é que, à medida que a Força Pública desloca as FARC, os homens do ERPAC [um esquadrão paramilitar] vão tomando posições. Durante o trabalho de terreno realizado para realizar o presente informe, se conseguiu detectar que as Forças Militares funcionam em alguns territórios como forças de ocupação. Novamente, La Macarena é o melhor exemplo; ali as denominadas brigadas cívico-militares parecem ações típicas de forças de ocupação, servem para fazer censos, lista de pessoas, mas não para consolidar o Estado de Direito. A tropa ainda segue vendo a população civil como um inimigo” [37].

 

Nestas condições, como se espera ganhar o conflito social e armado pela via militar?

 

A insatisfação com a presença militar nas regiões de tradição guerrilheira se reflete em um informe de Gary Leech escrito faz uns meses sobre as operações contra ‘Alfonso Cano’ em Tolima: “A maioria das comunidades na região viveu sob o controle das FARC por décadas. Um líder comunitário em Limón explica que as FARC asseguravam que não houvesse violência nem crime, e que os camponeses não agredissem o meio ambiente. Sobre o controle do Estado, o crime vem aumentado e a economia não melhorou. O apoio popular à insurgência se mantém relativamente intacto em suas bases tradicionais” [38]. No inicio de agosto de 2008, no jornal Tempo apareceu um artigo nada honesto que reflete as dificuldades da luta contra-insurgente no Sumapaz: “o Exército se encontra com uma população que o olha com desconfiança. Lugares tradicionalmente comunistas fecham suas portas e seu comércio para os soldados e por ali se vêem, inclusive, cartazes com a frase ‘Reyes vive’” [39]. Situações parecidas se vêem em todos os territórios no conflito, nas áreas tanto de influência das FARC-EP como do ELN, ou de grupos insurgentes menores que também existem.

 

Enquanto isso, a guerra suja continua com sua inércia de seis décadas. Bombardeios indiscriminados em Chaparral; envenenamento com glisofato das populações no Chocó e no Baixo Cauca Antioqueño; mutilações, massacres e estupros no Guapi, no sul de Bolivar, em Nariño, realizados por paramilitares em perfeita conivência com o exército e a polícia; cercos paramilitares em Curvaradó e Jiguamiandó; seqüestro e assassinato de civis para apresentá-los como “falsos positivos”.

 

A saída militar que foi imposta como o discurso único nos círculos dominantes está enfrentando uma grave crise de legitimidade, rodeada por um interrogante: que tipo de sociedade se cria mediante esta violência de classe? Que sentido tem o “triunfo militar” a que aspira o Estado através do aprofundamento da guerra suja? Ainda que o governo de Santos insista em que “não jogou fora as chaves da paz”, em sua linguagem paz equivale a vitória militar, que pode ser no campo militar ou na mesa de negociação ante uma insurgência isolada e desmoralizada. Em sua linguagem, a paz equivale à desmobilização das tropas insurgentes e isso não é senão um cenário de vitória militar.

 

As chaves da paz se encontram, mesmo com o que possa crer o governo, no campo de batalha, no campo da luta de classes: quem tem as chaves é o movimento popular que começa a dar passos muito importantes de articulação e mobilização, como se verifica em certas iniciativas de convergência popular e encontros como os de Barrancabermeja e Cali, que dão mostras do desejo do povo de converter-se em um ator em direito próprio, gestor de sua própria institucionalidade, de seu poder, de seu próprio projeto de futuro.

 

Eles vêm elaborando as propostas para a solução política; porque sabem que a paz não significa simplesmente ausência de conflito. De pouco serve que se declare a paz enquanto subsiste a violência institucionalizada do Estado, essa violência sistemática do capitalismo, que aniquila por fome milhares de colombianos ano após ano. Essa violência que se expressa nos Tratados de Livre Comércio e em um desenvolvimento nacional que destrói as comunidades e a vida dos seres humanos.

 

É hora de evocar uma vez mais os horizontes emancipatórios que animaram o povo colombiano durante décadas, entender estas aspirações e necessidades profundas, lê-las e atualizá-las sob o sinal de nossos novos tempos.

 

Enquanto o Estado se prepara para aprofundar a guerra suja, o povo se prepara para aprofundar seu projeto emancipador.

 

 

Traduzido por Coletivo Paulo Petry, núcleo da UJC/PCB em Cuba.

 

NOTAS DEL AUTOR:

 

[1] http://elespectador.com/noticias/judicial/articulo-2895…forma

 

[2] http://www.semana.com/politica/gobierno-incluye-ampliac….aspx

 

[3] http://anarkismo.net/article/16405 http://anarkismo.net/article/16403

 

[4] http://anarkismo.net/article/19272

 

[5] Estamos hablando de poco menos del 1% de los uniformados siendo procesados por violaciones graves a los Derechos Humanos, en circunstancias que estas prácticas terroristas son ampliamente aplicadas en la institución castrense, son aprendidas y transmitidas en cadena de mando.

 

[6] http://www.semana.com/politica/gobierno-incluye-ampliac….aspx

 

[7] http://elespectador.com/noticias/judicial/articulo-3040…lidad

 

[8] http://www.eltiempo.com/colombia/bogota/ARTICULO-WEB-NE….html http://www.semana.com/nacion/diego-felipe-muerte-muchas….aspx

 

[9] http://www.semana.com/nacion/caso-patrullero-disparo-gr….aspx

 

[10] http://www.semana.com/nacion/reversazo-del-gobierno-tem….aspx

 

[11] En “Revista Arcanos” Número 16, Abril del 2011, pp.28-47.

 

[12] “La Guerra contra y de las FARC”, en “Revista Arcanos”, Número 15, Abril del 2010, p.20.

 

[13] “ELN: Debilitamiento Nacional, Fortalecimiento Regional”, en “Revista Arcanos”, Número 16, Abril del 2011, pp.62-72.

 

[14] http://www.ddhh-colombia.org/html/noticias%20ddhh/estad…1.pdf

 

[15] “La Nueva Realidad de las FARC”, p.42

 

[16] Ibid, p.9

 

[17] http://www.elespectador.com/noticias/judicial/articulo-…tares

 

[18] “La Nueva Realidad de las FARC”, p.10. Reconocen, por ejemplo, que la muerte del ‘Mono Jojoy’ no trajo las desmovilizaciones masivas que se esperaban, y por el contrario, el ejército enfrentó una tenaz resistencia, con tres o hasta cinco combates diarios semanas después del bombardeo, lo cual no indica, precisamente, desmoralización de la insurgencia aún ante un golpe tan contundente.

 

[19] http://www.elespectador.com/impreso/opinion/columna-299…acaos

 

[20] http://www.bbc.co.uk/mundo/noticias/2011/07/110719_colo…shtml

 

[21] http://pnudcolombia.org/indh2011/index.php/el-informe/r…vo/31

 

[22] El Colombiano, 3 de Septiembre, 2011, puede consultarse en http://www.pensamientocolombia.org/DebateNacional/?p=37516

 

[23] http://elespectador.com/impreso/opinion/columna-299951-…acaos

 

[24] El Heraldo, 16 de Septiembre, 2011, puede consultarse en http://www.pensamientocolombia.org/DebateNacional/?p=37922

 

[25] El Universal, 10 de Septiembre, 2011, puede consultarse en http://www.pensamientocolombia.org/DebateNacional/?p=37737

 

[26] “La Guerra de y contra las FARC”, p.9 (subrayado nuestro)

 

[27]http://www.codhes.org/images/stories/pdf/codhes%20infor…8.pdf

 

[28] http://www.codhes.org/images/stories/pdf/bolet%C3%ADn%2…7.pdf

 

[29] http://anarkismo.net/article/19933

 

[30] http://www.elespectador.com/impreso/judicial/articuloim…fiesa

 

[31]http://www.elcolombiano.com/BancoConocimiento/L/las_far…a.asp

 

[32] El Ejército Revolucionario Popular Anti-Comunista (ERPAC) de los Llanos.

 

[33] El más inmundo de los defensores del paramilitarismo, Ernesto Yamhure, escribió, con motivo de un nuevo aniversario del nacimiento del ELN, una columna para El Espectador la cual es típica de esta ambivalencia discursiva entre la guerrilla comunista pero sin ideales: “El pasado 4 de julio, el Eln cumplió 47 años de historia delincuencial. Para celebrarlo, emitió una proclama que desempolvó el caduco discurso comunista que supuestamente los rige. Quieren hacernos creer que mientras secuestran y trafican con cocaína, sustancia que los hace fabulosamente ricos, estudian a profundidad los textos de Engels y Kropotkin.” http://www.elespectador.com/impreso/opinion/columna-282…error Lo interesante del caso, es que su reconocimiento del estudio de Kropotkin reflejaría una complejidad ideológica mucho mayor que un supuesto “caduco discurso comunista”.

 

[34] “La Nueva Realidad de las FARC”, p.14

 

[35] http://www.elespectador.com/noticias/judicial/articulo-…ocial

 

[36] Según el CINEP, el ciclo de protestas del 2002 al 2008 es el ciclo más alto de luchas populares en el último medio siglo, según el análisis cuantitativo de movilizaciones y acciones colectivas, registrándose un promedio de 643 acciones colectivas anuales (“La Protesta Social 2002-2008”, CINEP, 2009). Sin embargo, desde el 2008 la protesta social ha adquirido proporciones mucho mayores, con importantes puntos de inflexión como la lucha de los corteros, la minga del 2008 y ahora las movilizaciones de los obreros petroleros y estudiantes.

 

[37] “La Nueva Realidad de las FARC”, pp.16-17

 

[38] http://colombiajournal.org/the-hunt-for-farc-commander-…o.htm Artículo original en inglés, la traducción es del autor de este artículo.

 

[39] http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-4424463

 

[40] “De la Guerra de Jojoy…”, p.33

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