JUDEUS ANTISSIONISTAS ESPANHÓIS DIRIGEM-SE À MINISTRA DO EXTERIOR DA ESPANHA

outubro de 2011.

Sra. Ministra, Trinidad Jiménez García-Herrera

Porque estamos contra um Estado de Israel “Judeu”.

Nós, cidadãos judeus do Estado espanhol ou nele residentes, membros da IJAN (Rede Judia Antissionista Internacional) e da JUNTS (Associação Catalã de Judeus e Palestinos), desejamos expressar nossa GRANDE preocupação pelas suas declarações na Assembleia das Nações Unidas, e particularmente quando falou da necessidade de garantir o caráter judeu do Estado de Israel.

Em primeiro lugar, queremos deixar claro que o que nos une é uma leitura política do chamado conflito no Oriente Médio em que questionamos tanto a interpretação étnico-religiosa, como a narrativa oficial sionista do Estado de Israel.

Somos cidadãos espanhóis ou residentes no Estado espanhol, portanto participamos na vida política, social e cultural desse país, e não de Israel, cujo governo não nos representa, nem seu embaixador na Espanha, assim como tampouco nos representam as instituições oficiais das comunidades judias, nem seus porta-vozes religiosos. E, ainda que sejamos uma voz minoritária, compartilhamos essa postura com outros judeus dos Estados Unidos, França, Reino Unido, Argentina, Austrália, Marrocos, Turquia ou mesmo de Israel, e desejamos proporcionar uma visão diferente ao debate sobre esse conflito.

Agora, por que estamos contra a proclamação de Israel como Estado judeu?

Além da ambiguidade da terminologia – ainda não há consenso sobre o que é ser judeu, nem sequer em Israel – e diante do fato de o governo extremista de B. Netanyahu determinar que a Autoridade Palestina e os Palestinos devam reconhecer o caráter judeu do Estado de Israel para retomar as negociações é, aconselhável prudência, para não dizer repúdio.

De outro lado, em nosso entender, é justamente o caráter “judeu” do Estado de Israel, ou seja a sua excepcionalidade, que constitui um obstáculo à paz.

Por quê?

No que está baseado esse caráter excepcional? Tem uma base histórica real?

Para nós, é mais que questionável. O retorno a Sião de um povo exilado depois de 2000 anos é o produto de uma narrativa política e religiosa nascida no final do século XIX cuja legitimidade foi colocada em questão por alguns historiadores israelenses.

Os governantes e ideólogos do Estado apelaram ao relato bíblico para reivindicar o caráter excepcional do povo judeu e o pertencimento a uma terra que Deus havia proclamado como propriedade eterna desse povo.

Não é o objeto desta carta, mas inclusive a expressão “povo judeu” é questionável, pois os judeus foram e são todavia parte de outros povos e nações do mundo, mantendo ou não suas tradições e religião. A diversidade étnica que impera em Israel também demonstra isso.

São vários os problemas gerados pela natureza ou caráter “judeu” do Estado de Israel.

O que primeiro vem à mente é: o que ocorrerá com os que não são judeus? Passarão a ser cidadãos de segunda classe, como já são os cidadãos israelenses árabes, segundo a terminologia oficial, que representam 20% da população dentro do Estado de Israel?

Isso é aceitável numa democracia de tipo ocidental em pleno século XXI? (Para comparar: seria aceitável hoje que, como em Atenas da Antiguidade, as mulheres e os escravos não tivessem direito ao voto?)

A segunda inquietação concerne aos mesmos judeus israelenses que veem como a sociedade cede cada vez mais ao protagonismo de grupos ultrarreligiosos, para os quais seu direito sobre esta terra provém do direito divino, constituindo esses grupos armados um perigo real para a convivência com seus vizinhos palestinos por um lado e, por outro lado, um desvio radical à direita da sociedade em seu conjunto, pois eles são a vanguarda das forças de conquista e anexação apoiadas pelo governo e o exército.

A terceira reflexão concerne aos cidadãos judeus de outros países do mundo.

Supondo-se que Israel seja um lar seguro para todos os judeus do mundo, por que a imensa maioria dos judeus dos Estados Unidos, França, Inglaterra, Argentina e outros países não emigram em massa para Israel?

Porque evidentemente se sentem mais seguros em seus respectivos países, onde se sentem pertencer como cidadãos de pleno direito e não têm nenhuma intenção de mudar. O que ocorreria com os judeus se fosse declarado que Israel é O Estado Judeu, O Lar do Povo Judeu? Representaria a obrigação de “voltar a seu país”, como a miúdo ouvimos dizer aos imigrantes que trabalham aqui na Europa? Depois do ocorrido na Europa no século XX, esta pergunta não é leviana.

Está claro pois que a formulação do “Estado judeu” tem um caráter excludente. Seja qual for o conteúdo da palavra ou conceito de judaísmo, isso sim é um problema para alcançar uma solução viável para a paz e a convivência futura.

E, de passagem, afirmamos que há cidadãos e organizações judias com quem estamos em sintonia dentro do Estado de Israel e que lá exercem oposição real, reclamando justiça para a Palestina e questionando os axiomas ou dogmas de fé do sionismo. Entendemos que a Senhora quis dizer que Israel deve ser um Estado majoritariamente judeu, desde o ponto de vista demográfico; contudo, a demografia é um fator variável.

Mas tem sentido, agora, falar do direito dos Palestinos a dispor de um Estado próprio quando se examina qual é a situação no terreno? Seja qual for a solução adotada por ambas as “partes”, neste momento existe uma população palestina importante que vive em Israel, ou seja dentro das fronteiras de 1948, em cidades como Nazaret, Haifa, Ramallah e sobretudo na Galileia. Por outra parte, são mais de meio milhão os colonos israelenses que vivem na Cisjordânia, e sobretudo ao redor de Jerusalém Leste, separando esta de seu entorno palestino.

A Senhora crê como o Sr. Lieberman que a única solução é realmente a segregação e o intercâmbio dessas populações? Crê que isso é factível? Desejável? A Senhora imagina os problemas, a dor, a ira das populações que tenham que deixar sua casa? E pensamos por suposição na população árabe de Israel que sempre viveu ali, assim como no destino de todos aqueles refugiados, expulsos desde 1948 deixando para trás de si terras, bens, recordações e que residem em campos já há mais de 60 anos… Queremos lhe recordar que as leis de Israel impedem seu retorno, apesar da resolução 194 das Nações Unidas.

Mas até mesmo desde o ponto de vista da política interior, é improvável que um governo israelense force a retirada dos colonos, como fez Sharon em sua época.

Sejamos sérios: à luz do que se passa na região, Israel não tem a mínima intenção de se retirar e mantém um controle militar ferrenho sobre toda a zona, assim como sobre a economia e os recursos da comprometida Cisjordânia (menos de 20% da Palestina histórica).

A moeda em vigor nos territórios palestinos não é outra que o Shekel israelense e os israelenses controlam o recurso mais importante de toda a região: a água, abrindo e fechando a torneira discricionariamente. Para não falar do cárcere a céu aberto que é Gaza.

E enquanto isso os Estados Unidos e a União Europeia se negam a pressionar Israel e inclusive assumem como seus os argumentos ligados à segurança e ao direito de existir. Não mudará nada.

Por que em lugar de falar da segurança de Israel, não falamos da segurança da população palestina e de seu direito a viver em paz e com dignidade, quando de maneira cotidiana sofre a humilhação dos check-points e o assédio dos colonos e militares, com mortes quase cotidianas? Ou não deveríamos pensar que já houve bastante dor e expulsões à força? Não deveríamos dizer basta à contínua colonização e anexação levada a cabo por Israel, com a total impunidade até o momento?

Sra. ministra, nossa preocupação vai além do conteúdo de suas palavras. Essas são simbólicas mas têm sua importância, porque no mundo árabe, até hoje, Espanha tinha uma boa imagem, de um país que defendia os direitos dos palestinos a ter um Estado próprio e viável, mediante a aplicação das resoluções das Nações Unidas.

Mas na realidade, nem a União Europeia nem o Estado espanhol conseguiram fazer avançar o projeto, bloqueado pela intransigência israelense. Ao contrário, dentro do Processo de Barcelona, e agora dentro da Universidade Politécnica de Madri, se fez todo o possível para “normalizar” a situação israelense, preparando inclusive um acordo preferencial como o que tem a UE com Marrocos, assim como acordos de segurança e militares de vital importância, fazendo caso omisso do Tratado de Lisboa que obriga os países sócios da UE a respeitar os direitos humanos e aplicar a legalidade internacional.

No nosso entender, este não é o caminho para que Israel se sinta pressionado a aplicar esses acordos e a por fim a sua política colonial. Por esta razão, nos parece importante que retifique suas declarações e deixe clara a posição do Estado espanhol agora que a Autoridade Palestina apresenta sua demanda de admissão diante do Conselho de Segurança da ONU.

JUNTS IJAN ESPANHA

IJAN (Rede Judia Antissionista Internacional)

JUNTS (Associação Catalã de Judeus e Palestinos)]