Democraticídio

imagemAs advertências sobre o risco Bolsonaro para a democracia não são choro antecipado de perdedor, artifício de petistas desesperados para virar o jogo. O democraticídio virá, não apenas porque condiz com a natureza autoritária do deputado-capitão, mas porque, se eleito, não será capaz de dar outra resposta aos impasses que enfrentará. Os avisos vêm até dos que ajudaram a semear o antipetismo, um dos mais fortes nutrientes da candidatura favorita. Outros, que poderiam falar mais alto, justificam a omissão com a bazófia de que, ainda que ele tente, nossas instituições terão força para evitar qualquer ruptura.

Em 1964 também tínhamos instituições que pareciam funcionar, mas elas não apenas cederam ao primeiro movimento de tanques. Elas ajudaram a executar a parte civil do golpe. Bolsonaro e seu entorno, a começar do vice troglodita, nunca esconderam o pendor autoritário e a saudade da ditadura, nos elogios da tortura e nas homenagens ao grande torcionário, Brilhante Ustra. E sempre expôs com sinceridade brutal seus preconceitos contra mulheres, gays e negros. A partir de 2013, a nostalgia da ditadura foi legitimada pelos manifestantes que passaram a pedir intervenção militar. E ele foi crescendo, como estuário de ressentimentos, do antipetismo, do incômodo dos conservadores, das vítimas da recessão, dos revoltados com a corrupção (insuflados pela Lava Jato) e dos ansiosos por uma promessa de segurança.

Militares já no poder

Já está em curso uma tomada de poder pelos militares, facilitada por Temer, ao nomear um general para a Defesa e fazer de outro homem forte palaciano. O presidente do STF, Dias Toffoli, também arranjou um general para chamar de seu. Um grupo de militares ligados à campanha de Bolsonaro atua com toda desenvoltura em Brasília, elaborando projetos de infraestrutura e desenhando a ocupação do governo. Militares e policiais eleitos para a Câmara formarão uma bancada importante. Foi percebendo a militarização do poder que o guarda de Campinas disse ontem, ao prender estudantes que panfletavam por Haddad: “a ditadura militar voltou, graças a Deus”. Então, é lorota esta conversa de instituições que vão resistir. Elas já estão em frangalhos.

E ainda que o capitão, se feito presidente, seja forçado ao comedimento pelo banho sagrado do voto popular, outros fatores o empurrarão para soluções autoritária, tais como seu indiscutível despreparo para governar, sua inaptidão para lidar com os cânones do presidencialismo, que pressupõem a divisão do poder com o Congresso. O que ele fará quando sofrer a primeira grande derrota parlamentar?

Daqui para o dia 28, debate não haverá, como se depreende da grosseira resposta que ele deu ontem a Haddad, por rede social: “quem conversa com poste é bêbado”. Nesta linha, falando das famílias que buscam os corpos dos mortos no Araguaia, ele já disse que “quem procura osso é cachorro”. Sem debate, receberá um cheque em branco, em relação à democracia e às políticas que adotará. Ignorante confesso de economia, delegará os problemas a seu “posto Ipiranga”, o economista Paulo Guedes, já previamente nomeado ministro da Economia (uma superpasta que Collor também entregou à sua superministra Zélia Cardoso de Mello). Por ser um neoliberal extremado é que o mercado abraça Bolsonaro. Para resolver o problema da dívida pública, Guedes quer uma privatização generalizada, vai manter a emenda que congela o gasto público e proporá reformas tributária e previdenciária. Bolsonaro terá que entregá-las. Seu PSL elegeu 52 deputados, fazendo a segunda maior bancada, mas para aprovar uma emenda constitucional serão necessários 308 votos. Será preciso buscar 256 votos em negociações com os partidos, mas ele já disse que não negocia, não barganha. Em algum momento, haverá trombada. Direitos serão suprimidos, ele já avisou, e haverá resistência nas ruas, ninguém duvide. E ele vai mandar as tropas, ninguém também duvide. Não enxerga quem não quer os sinais do que virá.

Tereza Cruvinel, colunista do Jornal do Brasil