Outra primavera é inexorável*

imagemAfonso Costa**

A vitória do fascismo nas eleições deste ano representa a vitória dos bancos, das transnacionais, do agronegócio e da indústria extrativa mineral, aliados às bancadas da bala, da bíblia e outros setores conservadores que vêm crescendo na política brasileira desde a década passada.
Não é pra menos. O capitalismo concorre com vários candidatos em todas as eleições. Na disputa presidencial deste ano havia à direita o MDB, o PSDB, o Podemos, o Novo, a Rede, entre outros. Ao centro, o PT e o PDT. À esquerda, apenas a coligação PSOL-PCB e o PSTU.

O fascismo já foi derrotado

outras vezes. Poderá ser novamente.

Quem ganhou, entretanto, foi um inexpressivo partido com uma candidatura fascista, que, além de carregar o autoritarismo, o ódio e a intolerância, traz no seu bojo uma política econômica pró-imperialismo, rejeitada pela população nas quatro últimas eleições majoritárias, apesar da conciliação posta em prática pelo PT e radicalizada no último Governo Dilma, que, antes mesmo de assumir seu segundo mandato, já adotava a pauta do candidato derrotado, Aécio Neves (PSDB).

A eleição não foi legítima. A exclusão do ex-presidente Lula, preso sem provas, injustamente, retirou da disputa o favorito em todas as pesquisas, fosse qual fosse o cenário. Além disso, as falsas notícias divulgadas pela candidatura vitoriosa influenciaram decisivamente o resultado. Financiadas ilegalmente por empresários, essas falsas notícias puseram por terra qualquer arremedo de democracia.

Democracia essa, cabe ressaltar, que politicamente não existe nem nunca existiu. A Constituição de 1988 não teve força e/ou vontade política para mudar o jogo burguês das eleições, mantendo os partidos e, pior, as regras político-eleitorais então existentes. Tudo continuou “como dantes no quartel de Abrantes”, com a burguesia no poder.

As conjunturas internacional e nacional eram favoráveis a mudanças. Em quase todo o planeta o capital exerce uma ofensiva sem precedentes, na tentativa de se manter ileso frente a crise econômica que eclodiu em 2008 e persiste, principalmente para os trabalhadores e setores mais frágeis da população.

No âmbito interno, a integração entre o capital internacional e o nacional já é fato há anos, tendo patrocinado o golpe jurídico-parlamentar-midiático de 2016. As eleições deste ano são a tentativa de legitimar e aprofundar o golpe.

Somada à crise do capital vivenciamos uma insatisfação generalizada da população, farta da insegurança, do desemprego, dos baixos salários, da corrupção, de eleger representantes que não os representam. A maioria silenciosa clama por mudanças. Não tem consciência que existem mudanças para melhor e para pior. Optou pela pior.

Como dizia o mestre Darcy Ribeiro: “a crise da educação não é uma crise, é um projeto”. Proféticas palavras. É inadmissível culpar o povo brasileiro pelo resultado das urnas. É fechar os olhos para a realidade social, educacional, da mídia etc. Desconhecer a vida de quem sobrevive a duras penas.

Outro fator que colaborou decisivamente para o resultado das urnas foi a política de conciliação de classes do PT enquanto governo. Não realizou as mudanças estruturais que levariam o país a outro patamar. Fechou as portas para a participação popular, adotou a política econômica do capital, aproveitou-se da alta das commodities no mercado internacional para arrotar uma falsa vitória econômica. Deu alguns anéis e preservou os dedos e o corpo todo do capital. Alimentou, cuidou e se aliou ao inimigo. Pediu uma facada nas costas. Obteve algumas.

Cabe ainda a crítica aos setores progressistas que não souberam identificar e corresponder aos anseios de mudança da maioria da população. As passeatas de 2013 foram um prenúncio do que adviria, mas foram incompreendidas.

Da mesma maneira não detectaram o crescimento do fascismo, que já em 2015 colocava as garras de fora. Em novembro daquele ano publicamos um artigo intitulado “Quem choca o ovo da serpente?”, que, entre outras, afirmava: “O fascismo colocou as garras e as presas para fora. A ofensiva da ultradireita se dá em todas as direções, ataca todo e qualquer espaço social. Vários casos recentes ilustram essa realidade: as agressões ao líder do MST, João Pedro Stédile, ao ex-candidato à Presidência da República pelo PCB professor Mauro Iasi, ao ex-senador Eduardo Suplicy, ao racismo contra a atriz Taís Araújo, aos direitos das mulheres, dos índios e dos trabalhadores na Câmara dos Deputados, as agressões contra os movimentos grevistas, em especial os professores, entre tantos outros.”

O pior em parte já começou: mais de 100 pessoas foram agredidas por apoiadores do candidato vencedor, se não me engano três pessoas foram assassinadas, inclusive uma jovem, o ódio, a intolerância, o racismo, a homofobia e a misoginia estão proliferando país afora.

Mas não vai parar por aí. O guru econômico do novo governo é da escola de Chicago, que teoricamente forma economistas, os mais extremistas defensores do neoliberalismo. Se avizinha, agora com força, uma reforma da Previdência nociva aos trabalhadores, o descaso com a educação e a saúde pública, o subemprego, salários ainda menores, privatizações a rodo, o desmatamento e destruição do meio ambiente, a prioridade para a agiotagem através da pseudodívida pública, o realinhamento internacional com os países sede do imperialismo ocidental – EUA, Israel, Arábia Saudita, Inglaterra etc. – em detrimento dos países do Terceiro Mundo e do Brics.

Essas medidas já foram adotadas em outros países, que o digam a Grécia, a Espanha, a Itália, agora a Argentina, entre tantos, que passaram e alguns ainda enfrentam crises sem precedentes. Não deu certo em país nenhum, não será aqui que dará, mas é interesse do imperialismo, portanto prioridade para o fascismo, sua face mais cruel.

Não há possibilidade de o novo governo dar certo – no sentido de promover inclusão e segurança, trazer paz social e preparar as novas gerações para os desafios do presente e do futuro. A concentração de renda atingirá nível ainda mais vergonhoso, com aumentos – absoluto e relativo – seja da miséria, seja da pobreza.

A liberação do porte de armas e a licença para matar dada às polícias, aliada a retórica violenta de eliminação física do diferente e do fustigamento do “inimigo interno”, “os vermelhos”, descortina um cenário de genocídio para o país que hoje já é o campeão mundial no assassinato de jovens, negros, homossexuais, indígenas, lideranças do campo e ativistas dos Direitos Humanos. Um dos países, também, que mais assassina jornalistas.

Por fim, o que se descortina em termos de política educacional não só manterá como reforçará o papel de sermos o país do atraso, da improdutividade, de pessoas relegadas às tarefas menos qualificadas na arena da divisão internacional do trabalho. As gerações futuras serão condicionadas a formar um país que não saberá identificar a rapinagem de suas riquezas e de seu futuro. Um país cego aos desafios da quarta revolução industrial. Um país surdo aos recados da dramática mudança climática. Um país que encaminha suas crianças para um “não-futuro”.

A nós, trabalhadores, resta uma única opção: lutar! Ir às ruas, se organizar, protestar, enfrentar a repressão – que poderá matar a rodo no futuro breve. É o momento de unificar todos aqueles que repudiam aquele que se avizinha como o mais sombrio período de toda a nossa história e construir uma alternativa popular como saída.

Só a organização do povo será capaz de construir um novo país. Não há dúvida de que mais hora menos hora a população perceberá que foi enganada, que seus direitos continuam sendo vilipendiados, ela deixará de apoiar o novo governo, autoritário e excludente.

O fascismo já foi derrotado outras vezes. Poderá ser novamente. Cabe a nós a responsabilidade de enfrentá-lo e colocá-lo em seu devido lugar: o esgoto da história.

*Alusão a uma poesia de Pablo Neruda.

**Jornalista

https://monitordigital.com.br/outra-primavera-inexor-vel-