Lugar de Mulher é na Ciência

imagemColetivo Feminista Classista Ana Montenegro de São Paulo

As “mães” da ciência

Estamos acostumadas a ler biografias de cientistas, pesquisadores e inventores que, por serem pioneiros em seus estudos e feitos científicos, foram historicamente denominados como “pais da ciência” ou de suas descobertas. Biografias estas, em maioria, esquecidas ao não citar as mulheres que, desde o início da humanidade, geram e/ou são a força braçal e intelectual que nos permitiu traçar esse longo caminho até aqui.

O registro mais antigo de uma mulher na ciência é de 2700 a.c. e pertence a Merit Ptah, médica chefe no antigo Egito. Apesar de, desde sempre passarem por opressões e repressões de gênero que muitas vezes as impediam de estar em determinados lugares e posições, na Grécia antiga, estudos como o de filosofia natural também eram abertos às mulheres – que acabavam por tomar frente em pesquisas e, com isso, tiveram grande contribuição para as produções científicas da época, em áreas como a medicina, astronomia, matemática, filosofia e física. Ademais, foram duas mulheres as primeiras a fazerem uso de equipamentos e processos químicos. Isto refere-se ao fato de que o acesso à produção científica foi historicamente negado às mulheres. Os registros históricos de mulheres da antiguidade que dedicaram suas vidas ao estudo e pesquisa são raros e se restringem às tais áreas: de medicina, botânica e alquimia.

Não se pode deixar de pontuar – ou, então, não dar a devida atenção – ao fato de que tais possibilidades só eram cabíveis às mulheres que, de algum modo, detinham posses e riquezas e, para a ascensão destes homens e mulheres, muitos outros foram escravizados e explorados – prática ainda mais comum com o princípio da Idade Média; com o rápido avanço do cristianismo; passando pela temida Idade das Trevas (período de escasso ou erradicada produção de registros históricos, cultural, econômico e científico); com a queda do Império Romano; e, com as abadessas (alto cargo religioso cristão) que tinham acesso às cópias de manuscritos de estudiosos do passado e que passaram a ler e continuar a produção cientifica em diversas áreas de conhecimento. Porém, o crescimento das freiras, em número e poder, não foi nenhum pouco agradável para o Clero, à época extremamente patriarcal e misógino, que reagiu com ordenações religiosas imperativas, fechando suas portas paras as mulheres e excluindo-as da oportunidade de aprender a ler e a escrever.

Em tempo adiante, cumpre registrar o surgimento das universidades, que foram edificadas, como de praxe, majoritariamente para os homens, onde poucas as instituições que abriram suas portas para algumas mulheres assistirem determinadas palestras, em sua maioria, na área da medicina, visto desde então a influência dada às mulheres para ocuparem cargos relacionados ao cuidado – encargo destinado pela construção da ideia de maternidade compulsória.

Na modernidade não tem sido diferente. Ainda relegada ao lar e aos afazeres domésticos, a mulher foi impedida de participar da explosão do conhecimento científico e desenvolvimento das tecnologias que marcam a sociedade moderna. E esse quadro só começou a mudar muito recentemente. A entrada da mulher no mercado de trabalho marca, pela necessidade de formação profissional, sua gradual entrada na universidade. Hoje sete países (Reino Unido, Canadá, Austrália, França, Dinamarca e Brasil) já atingiram marca de pelo menos 40% do total de publicações sendo feitas por mulheres, número considerado patamar de igualdade.

Apesar desses números aparentemente animadores, considerar apenas a quantidade de publicações é insuficiente para compreender a realidade. Um estudo publicado no periódico Harvard Business Review mostrou que 52% das pesquisadoras estadunidenses desistem da carreira, a maioria por volta de seus 30 anos. O alto nível de desistência está relacionado com o fato de, além do trabalho científico demandar longas jornadas de pesquisas e viagens fora do expediente como conferências e trabalho de campo, a mulher ainda precisa conciliar tudo isso com o trabalho doméstico e maternal.

Outro problema ainda muito presente é a baixa inserção das mulheres nos cursos de ciências naturais, como matemática, física e ciência da computação, o que pode ser explicado pela falta de estímulos que recebemos desde muito cedo em nossos lares. Enquanto meninos são estimulados a construir, pilotar e concertar, os brinquedos de meninas se ainda restringem ao ambiente doméstico. Se hoje uma parcela das mulheres tem acesso à universidade, seu acesso é ainda pouco estimulado e sua permanência e possibilidade de seguir carreira científica são ainda muito frágeis dada a dupla jornada que ainda recai exclusivamente sobre a mulher e falta de direitos como acesso a creches e direito a amamentação em ambientes de trabalho.

Nota-se, assim, que desde o princípio, passando pela revolução científica no século XVI, temos uma imensidão de histórias de mulheres que foram negligenciadas, excluídas e apagadas de incríveis feitos e locais voltados ao conhecimento. Em contrapartida, o ideal aceito passou a ser de que seríamos mentalmente inferiores aos homens e que nosso papel deveria ser exclusivo aos cuidados da família, exercendo manutenção da rotina e do sistema já capitalista e patriarcal. Apesar deste cenário, mulheres como nós continuaram lutando por seus direitos e pela possibilidade de provarem sua capacidade intelectual, apagadas atrás de seus maridos – que muitas vezes se apropriavam de seus estudos –, interrompidas em suas produções e invisibilizadas, como, por exemplo, no caso de Hedy Lamarr: inventora e atriz, pioneira na invenção de sistemas de comunicação e sinais – que mais a frente originou o hoje então conhecido “sinal Wifi” – que, apesar de todo o feito, é apenas lembrada por ter sido a primeira mulher a aparecer nua no cinema.

Dentre inúmeros exemplos e citações mais: Maria Gaetana Agnesi, matemática espanhola, autora do primeiro livro de álgebra escrito por uma mulher. Marie Curie, mãe da física moderna, pioneira em estudos com radioatividade. Rosa de Luxemburgo, com sua incrível contribuição marxista e dialética. Nise da Silveira, psiquiatra pioneira na luta antimanicomial no Brasil. Enfim, mulheres incríveis que, apesar de todas as dificuldades aqui postas, as posições de classe foram propícias para que ascendessem. Este adendo nos serve para que enxerguemos que a luta vai além. Devemos, portanto, lutar para que reste assegurada uma educação laica, pública, gratuita e inclusiva, para que também nossas meninas do seio proletário e as mulheres trabalhadoras consigam alcançar verdadeiros papeis dentro da ciência, dos locais acadêmicos e dos livros históricos.

Camaradas e companheiras: coragem e ação! Para compreender nosso papel enquanto acadêmicas e produtoras do conhecimento, devemos nos apropriar das leituras que nos contemplam enquanto gênero e classe, como Angela Davis: negra, feminista e marxista, que com sua obra “Mulheres, raça e classe” nos permite entender os acontecimentos e o difícil caminho trilhado por nós e as causas de nossa posição totalmente desigual na sociedade, inclusive no mundo da ciência e do conhecimento, mas que, acima de tudo, também nos enche de coragem para a transformação. Sejamos juntas, com nossa voz ativa e embasada, a nossa própria revolução!

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