Por um 2019 sem bandeiras brancas

imagemNotas de fim de ano sempre são difíceis, mas olhar para 2018 em retrospectiva e vislumbrar o 2019 que se desenha produz uma tensão ímpar. Talvez porque este foi o ano em que muita coisa que já vinha crescendo e se construindo em círculos mais restritos explodiu na cara de todo mundo. O processo fascistizante, os retrocessos políticos, o cair da máscara da democracia, as perseguições políticas e censuras, os ataques – físicos, psicológicos, coletivos…

Não é que sejam coisas novas, ou que parte de nós, LGBTs, já não as viesse acompanhando. Mas se até então lidávamos com a dificuldade de levar discussões políticas para o todo da nossa população, 2018 se encarregou de escancará-las dolorosamente, mesmo para as que não sabiam de Rafael Braga ou do Queer Museum, que não ligaram muito para a PEC do Teto dos Gastos ou para a reforma na previdência, que acharam desinteressante censuras como a da peça “Jesus, Rainha do Céu”, ou que não sabiam ou não ligavam para o genocídio da juventude negra nas periferias, para o Estado miliciano carioca (Maielle, presente!) ou para os recordes que Brasil segue batendo em assassinato de LGBTs.

Com o bolsonarismo, o avanço reacionário estourou todas as portas e entrou nas nossas casas, círculos familiares e grupos sociais como um todo, mobilizando falsas opiniões, fazendo malabarismos pseudo-morais, levando tudo no seu caminho e quase não há hoje qualquer reunião social entre LGBTs, Brasil afora, em que não se fale sobre medo, sobre decepções, sobre desamparo.

E não sem razão. Nesse malabarismo macabro, somos uma das bolas da vez. Nossos direitos – inclusive à vida! – estão na reta, junto com todas e todos vitimizados por um projeto social que define muito claramente quem pode ser considerado humano e quem pode apanhar, passar fome e morrer sem que mereça maiores considerações. É justamente essa, aliás, uma das faces do “fascismo” de que agora tanto se fala: um ideal de raça pura, não apenas no que diz respeito a cor ou etnia (mas sem dúvida também a isso!), como também a comportamento, principalmente sexual e de gênero. É sobre essa lente, de raça pura, de pressuposto de humanidade/bestialidade, que setores da nossa classe são olhadas e tratadas. Não somos humanas o suficiente aos seus olhos. Somos impuras e impuros, degeneradas e degenerados, aptos a pagar o preço do projeto econômico, político e social que o capital tem para o Brasil.

O poder político que se formalizou agora tem uma tarefa principal: aprofundar e dar conta de um projeto de Brasil exigido pelo capital mundial, já desde que a crise explode em 2008. Há pouco de novo no sentido desse projeto. Precisam de um Brasil mais e mais dependente, com uma economia centrada na extração e na produção agrícola. Precisam de uma América Latina mais e mais explicitamente “colonial”, e isso traz a necessidade não apenas de transformações econômicas, mas também de profundos retrocessos políticos, culturais, éticos e morais. Não é difícil antever, nesse projeto, o nosso lugar.

Se a perspectiva assusta, no entanto, há também muita potência e resistência. Com todos os retrocessos e desafios, se precisássemos escolher uma palavra para 2018, não poderia ser outra que não “resistência”. Apanhamos ainda, mas cada vez menos caladas, cada vez menos constrangidas, cada vez menos sós.

É por isso que nossos votos para 2019 não poderiam ser outra coisa que não um convite! Que construamos luta, ombro a ombro, mão a mão, olho no olho, mais e mais. Que fiquemos mais próximas, mais juntas, mais fortes. Que ocupemos as ruas, os bairros, o país: são todos nossos. Que guardemos, por ora, as bandeiras brancas. Hoje, amanhã e enquanto necessário for, que nossa bandeira siga vermelho-luta, rubra como o sangue que tiram de nós.