A necessária socialização dos meios de comunicação

imagemUma defesa a partir do (mau) exemplo do Grupo Globo

Mercedes Lima*

Rede Globo de Televisão: origens

A rede Globo foi ao ar, pela primeira vez, em 1966, portanto, praticamente após o golpe militar de 1964. Logo deixou de ser dirigida por gente do meio artístico, para ter em seu comando o pessoal da publicidade, particularmente a partir do talento do diretor Walter Clark, para ser dirigida como um empreendimento comercial, com padronização de preços em função de horários de exibição (nobres ou não). Na arte, pensa-se em um segundo momento: primeiramente deve vir o padrão de qualidade privilegiando a homogeneidade de imagem e de linguagem. Houve, pela primeira vez, um planejamento do sistema que exigiu um grande investimento, inexistente no país para esta área de atuação, atendendo às exigências daquele momento.

No espectro político há rearticulações com novos setores emergentes do golpe militar que exigem espaços modernos, tais como a grande indústria, a burocracia. A rede nasce com um perfil multinacional já que além do capital nacional (do grupo empresarial do jornalista Roberto Marinho), tem nela injetado capital norte-americano (do poderoso grupo da Time-Life) o qual foi inicialmente o verdadeiro responsável pelo chamado “padrão globo” de qualidade, pelo caráter empresarial da emissora, a partir das seguintes características: mudança do linguajar (um tanto quanto americanizado), paisagem hegemônica, novos métodos de trabalho com o aproveitamento do saber do exterior, importação da linguagem cinematográfica. Instala-se uma real e concreta rede nacional (hoje internacional) com uma programação idêntica para todos os estados, ou seja, uma produção centralizada (a partir da cidade do Rio de Janeiro), todos estes fatores levando a um grande padrão de produção com um consequente grande barateamento dos custos, e ainda, um maquinário moderno e eficiente (vídeo-tapes, editores eletrônicos, e outros).

A programação nacionalizada territorialmente interessava muito aos militares que tinham evidentemente preocupação com uma política de integração nacional, não permitindo assim, o isolamento político de regiões mais afastadas dos grandes centros do país, que poderiam fugir ao seu controle. Esse o acordo com a Globo. No princípio, os programas são populares para a conquista inicial do público, mas, em seguida volta-se para quem tem potencial para o lucro visado, ou seja, os consumidores da camada média que passam então a ser o alvo da programação.

Tinha, enfim, o modelo empresarial multinacional correspondente à estratégia política da ditadura e com o padrão estético da camada média sobre a qual se concentrava a renda na época, para o escoamento dos bens produzidos pelo mercado de então, a saber, os bens duráveis de certo luxo, na época representadas por automóveis e bens de uso caseiro (produtos da chamada linha branca: geladeira, fogões, máquinas de lavar roupas e pratos e, claro, aparelhos de som e televisores), tudo com o benefício da imposição política da ditadura militar, a qual “amordaçava” exatamente os trabalhadores que produziam tais bens, tudo também muito em função do processo acelerado de urbanização. Sérgio Pompeu, define bem o momento do nascimento da Globo:

“A polêmica Time-Life era apenas a ponta do iceberg. Quando do nascimento da Rede Globo, o Brasil entrava decisivamente na fase de internacionalização de seu mercado interno, reflexo de uma nova ordem econômica que se iniciara após a Segunda Guerra Mundial e que completara a integração das economias nacionais com o capitalismo monopolista internacional. Os conglomerados e as multinacionais passavam a explorar os mercados representados pelos países subdesenvolvidos. Na área cultural, multiplicavam-se nos meios de comunicação dos países dependentes elementos que reproduziam a forma e o espírito de seus modelos norte-americanos.”1

Os primeiros dirigentes desse modo de produção televisiva (Marinho, Walter Clark, Mauro Salles) falam de televisão, pela primeira vez, numa linguagem empresarial que nada tem de comum com os códigos de quem pensa o veículo em termos de produção cultural e mesmo de entretenimento. Conforme já apontado a ditadura militar estimula e protege o nascimento da rede em 1966, apesar das inúmeras irregularidades com que nasce. A participação de capital estrangeiro não era permitida no mundo das comunicações, mas, como se sabe e já explicitado acima, houve a injeção de capital de investimento da poderosa Times-Life: nasceu, com a fixação da assistência técnica fora do prazo legal estabelecido pela legislação da época e outras irregularidades no campo da lei. Por outro lado, o Estado intervém auxiliando a empresa, criando as condições jurídicas necessárias para seu desenvolvimento, no caso, o Código de Telecomunicações criado pela Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, que permitia a expansão das redes, que interessavam à ditadura militar, para unificar nacionalmente seu pensamento e ação, mas que, claramente, em seu artigo 86 proibia explicitamente o capital estrangeiro na realização do capital na composição de empresa de televisão, quando afirmou que a “concessão somente poderá ser outorgada a empresa constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País, criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão.”

O certo é que o povo tem uma imagem de seu país pela televisão muito distante da realidade do mesmo. Enquanto a democracia se esfacelava, o país era apresentado como algo maravilhoso: “era preciso crescer para dividir o bolo”. Tínhamos em construção um país, uma futurista Transamazônica, e claro, uma seleção de futebol poderosa e imbatível. Os milhões de desdentados e analfabetos não apareciam na televisão (cabe ao perseguido Cinema Novo, retratá-los). Porém, a imagem, ao longo do tempo, se estreita, fixando-se cada vez mais em uma camada da população que teria acesso aos bens de consumo, no caso, a classe média e para essa camada se vende o Brasil como um país bonito e sem problemas sociais. Nessa época e até recentemente os negros não existiam na televisão a não ser como escravos e empregados domésticos, preferencialmente sem o direito de fala. A emissora hoje, já está consolidada como uma das grandes indústrias de lazer e de formadora de opiniões do mundo.

O Direito de Antena: o espaço eletromagnético é do povo.

Com o advento da Constituição de 1988, há uma nova luz para esta questão do controle social dos meios de comunicação, rádio e televisão, a partir inclusive do próprio espectro eletromagnético. Para o professor Fiorillo, tem-se um novo campo jurídico, para o direito de antena : nem privado, nem público e sim com a natureza jurídica de bem ambiental, ou seja, de uso do povo e essencial à sadia qualidade de vida e neste sentido, de certa forma, com uma possibilidade de maior controle por parte da sociedade, caso tenha consciência e queira exercer controle sobre a programação veiculada. É verdade, como bem lembra o professor Fiorillo, que não há porque confundir o direito de antena, com o instrumento que conduz as ondas, que é o caso da televisão, rádio, computador:

“o direito de antena é o direito de captar e transmitir comunicação, o que é feito por via de ondas, através do espectro eletromagnético (bem ambiental), de modo que o direito de antena possui natureza jurídica de bem ambiental”, observando ainda que esse bem ambiental, “são as ondas e não o instrumento, a matéria que as capta, como por exemplo, televisões, rádios, computadores, entre outros.”2

Sim, com efeito, se o direito de antena é de natureza ambiental, difuso, e se a utilização das ondas é insuscetível de apropriação por ser bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida é de se questionar por extensão, os instrumentos que conduzem esse direito, especialmente no que diz respeito à qualidade de vida, não deveriam também seguir os mesmos preceitos? A concessão pública de uso de tal direito, forma jurídica estabelecida pela legislação brasileira para funcionamento da televisão, significa o direito de intervir, com contribuições sociais, para a grade de programação. Esse é um direito e não, como querem os donos do poder midiático, uma restrição à liberdade de expressão. As emissoras, para terem direito à concessão, passam por um processo licitatório e, quando em funcionamento, têm que cumprir normas no que diz respeito ao seu conteúdo e programação com a exigência de garantir a pluralidade e a diversidade da sociedade brasileira assim como a proibição à chamada veiculação unificada em todas as regiões brasileiras, ( como forma de garantir a produção local e o conteúdo diversificado). Por frouxidão, intencional ou não, os requisitos de funcionamento não são cumpridos. Ousamos dizer, que, apenas poucos deles…

O Domínio e a Concentração

Três outras redes ( RECORD, BAND e SBT) junto com a GLOBO dominam o mercado com quase setenta por cento de audiência televisiva, levando em conta as afiliadas espalhadas pelo país, em rede, que retransmitem e reproduzem a grade de programação das empresas chamadas de cabeças-de rede, numa economia absurda diante dos ganhos , a mesma programação para todo o país diminui os custos enquanto que a publicidade pode ser tantas quantas se consegue obter, aumentando o lucro não só pela diminuição da quantidade de programas para a rede ( repetidos ad eternum nas afiliadas) mas também por conta das contas de publicidade obtidas. Quase que se pode dizer que a programação da Globo atinge praticamente todo o território nacional com esse formato.

O público

Uma novidade recente é ser proprietária/concessionária de outras redes nas quais se possa ter uma linguagem mais moderna, ou mais propriamente, pós moderna, não fixa, com programação fluída, superficial, por vezes com pretensão e ares de cientificidade , uma programação para a camada da sociedade mais instruída formalmente ( Globo News, Record Internacional, etc). As novelas, a dramaturgia, com sucesso, abarcam um público genérico porque muito bem produzidas plasticamente, “quase um cinema”, mas, ali estão as principais mensagens do campo ideológico da emissora. É nas novelas que ela demonstra um poder pretensamente social de mediadora entre os grupos sociais, ficando como que acima dos conflitos de classe e (absolutamente negado nos dramas televisivos) com isso escondem na verdade que tem um lado, o conservador, o defensor de interesses dos grandes grupos econômicos, seu próprio poder absolutamente contra as reais demandas populares, é o que demonstramos em nossos trabalhos/pesquisas sobre a imagem da Mulher na Mídia.( 3) Em que pese a proibição da legislação, parlamentares e ministros, muitos, são donos, controladores de rádios e TVs ( Ricardo Barros, Maringá, no Paraná, Helder Barbalho, no norte do país, controlando a rede Brasil Amazônica, e Romero Jucá, este último com cerca de 14 concessões de rádio e TV, controlando afiliadas às redes de TV Band e Record em Roraima).

Temos muitos outros acusados. A jornalista e doutora em comunicação, Pâmela Araújo Pinto, em seu livro, “Brasil e as suas mídias regionais: estudos sobre as regiões Norte e Sul” (4) traz os detalhes dessa relação dos políticos com os veículos de mídia e os impactos dessa situação para a democracia. Assim, ela demonstra em sua obra que a trajetória de alguns representantes aponta uma relação entre o controle de mídia e a permanência no cargo/reeleiçao – com o uso de rádios e TVs como palanques permanentes de campanhas eleitorais.

O jovem senador do Brasil, Gladson Cameli (PP-AC), teve o apoio do seu tio e ex-governador do Acre, Orleir, e das mídias da família para sua eleição. Em seu primeiro pleito federal, em 2007, a Juruá FM já operava há cinco anos – ele obteve 18.886 votos. A TV Juruá (afiliada ao SBT) veio em 2009, quando Gladson já era parlamentar e o ajudou na corrida ao Senado, em 2014. Ele foi eleito com 218.756 votos.

No Amapá, a carreira política de longos anos de Davi Alcolumbre (DEM-AP), entre vereador e senador, contou com o apoio das Organizações José Alcolumbre, afiliada às redes SBT, Record e Band. Além das três TVs, em 2009, a organização de seu tio criou o jornal gratuito com perfil editorial em prol do político. Uma legislação que não representasse os interesses da burguesia, como é o caso no nosso país, certamente classificaria esse tipo de relação como o caixa dois da comunicação. De se concluir que, mais do que só eleger, a mídia televisiva ainda auxilia na permanência do parlamentar no Congresso Nacional.

Somando-se a esse poder das redes televisivas, temos ainda os donos dos chamados portais, poderosos veículos de comunicação. Essas concessões mal disfarçadas tem também servido de moeda de troca pelo governo brasileiro atual para obter as votações no Congresso com resultados de seu interesse. Em momentos eleitorais desenvolvem um importante papel na defesa dos interesses privados e para que tal continue bloqueiam no Congresso as iniciativas que buscam regular/controla da mídia ocupando lugares estratégicos tais quais, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), praticamente legislando em causa própria.

Temos hoje um jornalismo na TV que se transformou em entretenimento notícias com números musicais, etc., e aqui a contradição, as novelas cuidam de trazer para eventuais debates grandes problemas sociais ( evidentemente, com sua visão de mundo) com um arremedo de nossa real imagem, dos nossos reais e concretos problemas sociais. O evento social pode ser grandioso, uma greve, uma paralização em uma cidade ou no país, se a emissora resolver não veicular, como seria de sua obrigação, não noticia. (5) Resta aos movimentos sociais, profissionais, pesquisadores, estudantes de comunicação e tantas outras frentes possíveis um grande desafio: expor e denunciar esse controle à sociedade, explicando as consequências diretas no nosso cotidiano e na sociedade desse tipo de apropriação. Não basta, como querem alguns movimentos de esquerda na comunicação, que se tenha estratégias alternativas para tornar a mídia .mais plural através de medidas de regulação da concorrência É preciso que todo o povo trabalhador assuma o controle sobre os meios de comunicação. Só socializando-os será possível, de fato, democratizar a comunicação.

Mercedes Lima – integrante do CC do PCB – Partido Comunista Brasileiro e do Coletivo Feminista Classista do ANA MONTENEGRO. REFERENCIAS

POMPEO Sérgio, Uma Instituição Nacional, in: Raimundo Rodrigues Pereira et al, Retrato do Brasil, volume II, p. 388.

2 FIORILLO, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, Editora Saraiva, 3ª. Edição – São Paulo. ISBN 85 -02-03779-X 158. 3. .LIMA, Mercedes – VICENTE Terezinha O controle social da Imagem da Mulher na mídia. Max Print Editora – 2009 – São Paulo- ISBN 978-85- 88039 4.PINTO, Pâmela Araújo, “Brasil e as suas mídias regionais: estudos sobre as regiões Norte e Sul” – Editora Multifoco – Rio de Janeiro – 2017- ISBN 978-85-5996-462-2 5. LEAL Lalo – Artigo “Censura editorial: não há outro nome para a omissão da Globo no 28 de abril – Rede Brasil Atual – em 13/05/2017 – Consulta – março/2018 https://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/295414/Censura-editorial-n%C3%A3o-h%C3%A1-outro-nome-para-a-omiss%C3%A3o-da-Globo-no-28-de-abril.htm.