Líderes sociais na Colômbia, um verdadeiro calvário

imagemBogotá (Prensa Latina) As cifras sobre os assassinatos de líderes sociais na Colômbia são cada vez mais preocupantes.

O último relatório apresentado pela Coordenação Social Marcha Patriótica e pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz) indica que, durante o período entre 1 de janeiro de 2016 e os primeiros dias de 2019, foram assassinados 566 líderes sociais. Nesse sentido, o Instituto de Estudos Políticos e Relações Internacionais da Universidade Nacional da Colômbia destaca que os crimes contra os defensores dos direitos humanos não têm nada de acidentais: são constantes e sistemáticos.

O Centro de Pesquisa e Educação Popular, o Indepaz e a Comissão Colombiana de Juristas informam que as agressões e assassinatos se apresentam em 27 dos 32 departamentos (estados) do país. Os mais afetados são os departamentos de El Cauca e Nariño, no extremo sudoeste da Colômbia, Antioquia no noroeste do país e Norte de Santander, no nordeste.

O vice-diretor da Fundação Paz e Reconciliação da Colômbia, Ariel Ávila, considerou que o Estado deve agir de maneira imediata para evitar o que se está configurando como um extermínio sistemático de líderes. “Na Colômbia, assassinam um líder a cada quatro dias”, alertou Ávila, que fez referência à preocupação expressa em dezembro passado pelo relator especial da ONU para Colômbia, Michael Forst, segundo o qual a situação em torno do tema é aterrorizante.

Forst avaliou que há um padrão de sistemático nos ataques aos líderes sociais, algo reconhecido em data recente pela Promotoria Geral da Colômbia. O relator da ONU percorreu durante 10 dias regiões do El Catatumbo, La Guajira, Antioquia, Norte de Santander e El Cauca para avaliar a condição dos defensores dos direitos humanos, que qualificou como grave e dramática. O alto funcionário público das Nações Unidas disse que evidenciou o medo no qual vivem os líderes sociais em muitas das regiões que foram afetadas pelo conflito armado e onde, paradoxalmente, afirmam que tem crescido a insegurança. Também alertou sobre os altos níveis de impunidade que há no país, favorecendo os atos homicidas.

Na maior parte dos casos os responsáveis materiais ou intelectuais dos crimes não são conhecidos, ainda que sua autoria é atribuída em maior medida a estruturas paramilitares e a grupos armados ilegais unidos fundamentalmente ao narcotráfico. Evidência deste fato é que 91,4% dos assassinatos de líderes sociais na Colômbia que tiveram lugar entre 2009 e 2017 ficaram impunes, advertiu a organização de Direitos Humanos Somos Defensores. Segundo estudo desse grupo, de quase 600 casos de homicídios contra defensores dos direitos humanos nesse espaço de tempo, só 49 tiveram uma sentença, sendo condenado ou absolvido.

Desde que foi assinado o Acordo de Paz em novembro de 2016, a organização social que maior número de ataques e assassinatos sofreu contra seus líderes foi a Marcha Patriótica, a qual denunciou que, de 2012 até julho de 2018, perderam 169 de seus integrantes. O novo chefe da missão da ONU para verificação e acompanhamento ao processo de paz na Colômbia, Carlos Ruiz Massieu, manifestou, no último dia 15 de janeiro, preocupação adicional pelo assassinato também de ex-combatentes das FARC-EP (quase uma centena desde a assinatura dos acordos).

Frente a esta dramática realidade, o presidente da Colômbia, Iván Duque, implementou em novembro de 2018 uma nova estratégia para garantir a proteção dos líderes sociais e defensores dos direitos humanos no país. O mandatário assinou o decreto que cria o chamado Plano de Ação Oportuna (PAO) em cerimônia na Casa de Nariño (sede da presidência), da qual participou o então chefe da missão de verificação das Nações Unidas na Colômbia, o francês Jean Arnault.

“É inadmissível que na Colômbia continuem apresentando situações de violência, de ameaça, de ultraje e grave perigo para a vida dos líderes sociais, defensores de direitos humanos e jornalistas”, afirmou Duque na ocasião. O mandatário garantiu que seu governo vai enfrentar esses crimes com determinação. “Não queremos impunidade nestes fatos e queremos trabalhar na prevenção de maneira acertada”, expressou.

O novo plano contempla o trabalho coordenado para prevenção, reação imediata com alertas antecipados, a investigação para estabelecer quem são os autores materiais e intelectuais e a aplicação de sanções exemplares. Segundo o chefe de Estado, da implementação do PAO participarão de maneira coordenada e permanente como convidados a Defensoria do Povo, a Promotoria, a Controladoria, a Procuradoria e a Força Pública, tudo dentro da estratégia anunciada como Paz com Legalidade.

No entanto, para a representante na Câmara, Ángela María Robledo, essa política deve incorporar o desmonte das estruturas paramilitares. O governo, a Promotoria Geral da Nação, a Defensoria do Povo e a Procuradoria devem reconhecer a sistematicidade no assassinato a líderes sociais. “Estamos em um retorno à violência, os massacres estão de volta e não é verdade o que diz Duque de que há um esforço de busca da paz com legalidade”, declarou Robledo, ex-candidata à vice-presidência do país pelo movimento Colômbia Humana.

Para o semanário Voz, órgão do Partido Comunista Colombiano, a sociedade está sendo revitimizada por interesses mesquinhos do grande capital, dos latifundiários, das multinacionais e suas estruturas paramilitares, que querem institucionalizar a matriz de terror e medo com o assassinato sistemático dos líderes sociais. O Voz considera, também, que na Colômbia, setores de extrema direita e do empresariado local não renunciaram à utilização do paramilitarismo para beneficiar seus interesses particulares. Juan Fernando Vargas, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Rosário de Bogotá, manifesta por sua vez que a informação sobre essas mortes se dá principalmente a partir da narração de casos isolados, e são poucos os estudos sistemáticos e rigorosos para entender o alcance e as razões do que está passando.

A ONU e as organizações comunais concordam que os líderes sociais estão sendo assassinados em maior medida nos lugares onde operavam antes as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo (FARC-EP) e onde hoje a presença do Estado é mínima ou nula. A hipótese explicada é que grupos paramilitares e grupos armados ilegais perceberam o abandono das armas por parte das FARC-EP como uma oportunidade para se apoderar desses territórios.

Perante esta escalada, o defensor do Povo, Carlos Alfonso Negret, disse no começo deste ano que “o mais grave é que estejamos nos acostumando às notícias, que, diariamente, reportam suas mortes”. “Até onde chegará a maldade com os líderes sociais?”, questionou Negret, para quem as causas fundamentais dos homicídios estão relacionadas ao narcotráfico, à mineração ilegal e à restituição de terras.

Também a Comissão de Paz do Congresso da República expressou grave preocupação pela violência acentuada contra os líderes sociais nos departamentos de Cauca, Chocó, Valle del Cauca, Caquetá, Norte de Santander, Antioquia, Córdoba, Cesar, Meta, Nariño, Sucre e Putumayo. Os parlamentares exigiram a adoção de um plano eficaz de proteção aos líderes por parte da Promotoria Geral da Nação, do Ministério de Defesa e outras instâncias do governo e do Estado.

Da mesma forma, o procurador geral da Colômbia, Fernando Carrillo, qualificou recentemente de inadmissível a escalada de crimes contra líderes sociais. “É inaudito e inadmissível que, mesmo com o chamado dos líderes nas regiões, este banho de sangue não se detenha”, enfatizou o procurador da Colômbia. Carrillo condenou o assassinato de sete líderes sociais na primeira semana deste ano e considerou um fracasso os esquemas de proteção pessoal do governo.

A Procuradoria expressou também preocupação pela divergência nas estatísticas a respeito do número de assassinatos. Para a polícia nacional, 78 crimes foram perpetrados contra líderes sociais em 2018, para o Sistema de Alerta Antecipado da Defensoria do Povo, 164 e para o movimento Marcha Patriótica, 252. O balanço realizado por organizações sociais apontou que 80% dos crimes estão relacionados a reivindicações de terra e proteção dos recursos naturais. Também se produzem contra líderes que promovem a substituição de cultivos ilícitos e contra moradores e porta-vozes meio ambientais que se opõem a megaprojetos que afetam a riqueza hídrica do país.

O advogado colombiano Reynaldo Villalba disse que por trás dos assassinatos há interesses fundamentalmente de ordem econômica. Atacam assim o coração de uma comunidade, pretendem acabar com a organização social – seja ela camponesa, de um povo afrocolombiano, de um povo indígena – pretendem quase sempre deslocá-los para que fiquem os territórios em mãos das transnacionais e dos megaprojetos, explicou Villalba.

A Organização Nacional Indígena da Colômbia concluiu que os povos originários mais afetados pela intensificação da violência são os Nasa, com 37% das vítimas mortais, seguidos pelos Awá, com 31%. Os integrantes da etnia Awá denunciaram que a violência vivida no sudoeste da Colombia está acabando com a cultura milenar dos povos indígenas, os quais tentam evitar que o narcotráfico se apodere de seus territórios.

A vulnerabilidade dos líderes sociais, camponeses e indígenas conduziu o governo colombiano a fechar este janeiro com um Conselho Nacional de Segurança sobre o tema. Além de implementar políticas públicas que deem garantias para o exercício de defesa dos direitos humanos, acadêmicos e setores políticos concordam que a Colômbia deve considerar seus líderes sociais como atores essenciais para a construção da paz.

arb/tp/jp

*Correspondente da Prensa Latina na Colômbia https://www.prensalatina.com.br/index.php?o=rn&id=21563&SEO=lideres-sociais-na-colombia-um-verdadeiro-calvario

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