Classe trabalhadora negra contra a Reforma da Previdência

imagemColetivo Negro Minervino de Oliveira – SP

A crise capitalista que mostrou seus sintomas mais evidentes com a desaceleração do PIB a partir de 2014 e a recessão de 2015 e 2016, ainda está longe de seu fim. A diminuição da taxa de lucro mobilizou os principais setores burgueses a acelerar um processo de avanço sobre os direitos conquistados pelos trabalhadores, se utilizando do Estado e seus aparelhos ideológicos para impor sua agenda. Tal investida contou com a PEC da morte (PEC 95, do Congelamento dos gastos públicos como saúde, educação, etc.), a reforma trabalhista, um brutal corte no orçamento nas áreas da assistência, educação, saúde, lazer.

As medidas da burguesia para a saída da crise consistem em fazer os trabalhadores arcarem com o prejuízo. Para que isso possa ser feito sem que haja uma revolta dos trabalhadores e da população mais precarizada, utilizam de instrumentos para se criar um consenso em torno de suas medidas desastrosas. O objetivo é diminuir o papel do Estado para abrir novos campos ao setor privado. Diante disso, o discurso cretino e pseudocientífico é de que o Estado, tal como uma empresa ou família, precisa gastar menos do que arrecada. Dessa forma “honramos” o pagamento da dívida gerando uma confiança no empresariado para retomar os investimentos. É a partir desta premissa que surge a medida de ouro, consensual para todos os setores da burguesia: a reforma (contrarreforma) da previdência.

A reforma tem pelo menos três objetivos gerais: 1) diminuir os gastos do Estado com a previdência, “liberando” dinheiro para transferência desses recursos ao bolso dos milionários, em especial ao dos banqueiros, através da Dívida Pública; 2) Inserir o modelo de capitalização, sonho dos bancos e rentistas, já que os possibilitam ter em mãos trilhões de reais; 3) baratear a força de trabalho, possibilitando isentar o empregador da contribuição ao INSS.

O atual modelo de previdência tem como princípio fundamental a solidariedade social, caracterizada pela cotização coletiva em prol daqueles que, num futuro incerto, ou mesmo no presente, necessitem de prestações retiradas desse fundo comum. Na proposta de capitalização, cada trabalhador formaria o seu próprio fundo, desmontando a lógica social da seguridade. Um sistema que coloca o lucro acima do direito e onde o capital financeiro é o principal beneficiado. Isso aprofunda um pilar neoliberal de mercantilização de todas as relações sociais.

Em relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apresentado no ano passado, demonstrou-se que diversos países já estão voltando atrás na privatização de sua previdência [1]. A conclusão é que a privatização fracassou, prejudicando muitos trabalhadores; por outro lado, quem mais se beneficiou foram os vampiros do setor financeiro.

Imagine você, leitor, analisando a realidade em que estamos inseridos, na qual 81% dos domicílios do Estado de São Paulo, por exemplo, segundo os dados do IBGE [2], se mantém com renda entre R$ 249,50 e R$ 2.994,00, tendo que fazer compra de mantimentos, pagar as rotineiras contas de luz, água, gás, telefone, aluguel etc., será que sobrará para pagar ao banco a contribuição?

Apontando como justificativa o aumento da expectativa de sobrevida da população para 76 anos, o governo quer obrigar que trabalhemos mais tempo para conseguir a aposentadoria, ou seja, homens aos 65 anos e mulheres aos 62, desde que contribua por 40 anos para receber 100% da aposentadoria. Com 20 anos de contribuição, somente será concedida 60% do valor correspondente à aposentadoria por idade. Nesse caso, leitor, leve em consideração que raramente alguém consegue permanecer por todos esses anos ininterruptamente, o que, consequentemente, irá aumentar ainda mais a idade para se aposentar. Isso se conseguir as contribuições exigidas, pois ao chegar em determinada idade, as portas de emprego, como é sabido, se fecham.

Vale lembrar, ainda, que, segundo o Mapa da Desigualdade [3], há uma disparidade entre as expectativas de sobrevida dos moradores de bairros nobres e dos moradores de bairros da periferia de São Paulo. Enquanto o morador dos Jardins vive 79,4 anos, em média, o morador do Jardim Ângela vive 55,7 anos. Não é novidade que moradores de bairros periféricos de São Paulo são de maioria negra.

A aposentadoria por tempo de contribuição, por sua vez, que hoje exige apenas a contribuição por 35 anos, se homem, e 30 anos, se mulher, com a proposta de reforma irá deixar de existir, e as pessoas que estiverem próximas de completar esse tempo, deverão ainda possuir 61 anos, se homem, e 56 anos, se mulher, conforme as regras de transição.

Além da alteração no tempo de contribuição, fica proibido o acúmulo de benefícios e cortam-se pela metade as pensões por morte. A aposentadoria será desvinculada do reajuste do salário mínimo, prevendo-se apenas um aumento de 10% por dependente no caso de falecimento. Os trabalhadores que continuarem em atividade após a aposentadoria não vão mais acessar o FGTS, além de não terem mais direito ao pagamento da multa rescisória de 40% do Fundo de Garantia. Os trabalhadores que sofrerem algum acidente de trabalho e se tornarem incapacitados para o exercício profissional, com a nova regra não vão receber o salário integral, mas apenas uma parcela relacionada à média do tempo e dos salários de contribuição. As pessoas em situação de risco ou de miserabilidade receberão irrisórios R$ 400 reais a partir dos 65 anos e 1 salário mínimo a partir dos 70 anos.

A reforma sob a justificativa de “quem recebe mais paga mais e quem recebe menos paga menos” é uma grande farsa! Hoje a alíquota que é descontada do salário do trabalhador é de 9%, ao passo que o empregador arca com 11%. Caso aprovada a reforma, quem recebe até um salário mínimo contribuirá com 7,5%; acima de um salário até R$ 2.000,00, a contribuição é de 9% (igual a hoje); acima de R$ 2.000,00 até R$ 3.000,00, deverá contribuir com 12%; e acima de R$ 3.000,00 até R$ 5.839,45, a contribuição será de 14%. Porém, não há nenhuma referência em relação ao empregador, o qual poderá se beneficiar, inclusive se desincumbindo de recolher a contribuição, uma vez que poderá exigir que o empregado adote o regime de capitalização. Cabe ao leitor refletir se acaba mesmo com as desigualdades.

Entendemos que dessa breve análise a reforma proposta irá na verdade prejudicar a classe trabalhadora e não vai melhorar a economia, porquanto o que gera receita para a previdência são pessoas empregadas; a cada dia que se passa percebemos o aumento do desemprego, hoje com mais de 12 milhões de pessoas nessa condição. Temos que colocar sob a luz que essa é uma medida puramente para responder à queda de acumulação dos capitalistas e aumentar o lucro dos banqueiros, que já não é pequeno, pois, no ano de 2018, os Bancos do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander lucraram, juntos, 69 bilhões de reais e tiveram um aumento de 20% nos seus lucros!

No Brasil, a constituição da classe trabalhadora traz em si uma herança escravocrata (período de acumulação primitiva de capital que constituiu a divisão de classes brasileiras através do colonialismo) e da subsequente reprodução do racismo como elemento estrutural do capitalismo brasileiro. O debate da questão racial no Brasil geralmente privilegia os aspectos subjetivos da discriminação racial, mas a exploração econômica da população negra enquanto classe trabalhadora e sua situação material objetiva são as principais consequências do racismo brasileiro. Logo, as medidas propostas pela reforma atingem diretamente a população negra, que compõe a maioria de trabalhadores, principalmente sua parcela mais precarizada, assim como da massa de desempregados e, consequentemente, do crescente número de trabalhadores empurrados para a informalidade. A mulher negra, que é a que mais sofre quanto a emprego [4] e consequentemente com renda, será a mais afetada.

Todas essas medidas deixam claro que a proposta possui um alvo claro: a população negra enquanto classe trabalhadora. Quando não morremos na mão da polícia, nos matam através de medidas político-econômicas. É um verdadeiro extermínio da população negra.

Notas: [1] https://pcb.org.br/portal2/22899/privatizacao-da-previdencia-fracassou-em-todo-o-mundo/ [2] https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/condicoes-de-vida-desigualdade-e-pobreza/9221-sintese-de-indicadores-sociais.html?=&t=notas-tecnicas [3] https://www.nossasaopaulo.org.br/portal/arquivos/mapa-da-desigualdade-2017.pdf [4] http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34371&Itemid=9