Refugiados denunciam maus-tratos em fábrica da Sadia

BBC Brasil

Ameaçado de morte pelo Talebã  por se recusar a pagar propinas ao grupo, Mahmoud (nome fictício) achou por bem abandonar sua cidade, na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão.

Pagou US$ 5 mil dólares a uma gangue de tráfico humano, que prometeu lhe enviar a um país do outro lado do mundo do qual sabia muito pouco, mas onde, segundo o grupo, poderia solicitar refúgio e reiniciar sua vida em paz: o Brasil.

Algumas semanas depois, já em território brasileiro, ele diz ter sido vítima de uma rede de exploração de trabalhadores estrangeiros em frigoríficos nacionais.

Quando completou quatro meses de trabalho e começava a se adaptar à nova vida, Mahmoud foi transferido de Estado por seu empregador. Dormia sempre em alojamentos apinhados de estrangeiros, que se revezavam nas poucas camas disponíveis.

Nas fábricas, executava uma única tarefa: com uma faca afiada, degolava cerca de 75 frangos por minuto pelo método halal, selo requerido pelos países de maioria islâmica que importam a carne brasileira. “Não dava nem para enxugar o suor”, ele conta, referindo-se à alta velocidade com que tinha de executar os cortes na linha de abate. Pelo trabalho, recebia cerca de R$ 700 mensais.

Segundo a Secretaria de Comércio Exterior a exportação de frango halal para países muçulmanos rendeu cerca de R$ 5 bilhões ao Brasil em 2011.

Certo dia, como um colega se adoentou, Mahmoud foi escalado para trabalhar por dois turnos seguidos. Ao se queixar ao supervisor, foi insultado e demitido. No dia seguinte, outro estrangeiro já ocupara seu lugar.

Sem um tostão, hoje aguarda pela definição do seu pedido de refúgio ao Conare (Comitê Nacional para os Refugiados, órgão vinculado ao Ministério da Justiça), faz as refeições em centros religiosos e procura outro emprego.

“Disseram que no Brasil eu encontraria paz, mas virei um escravo e, hoje, vivo como um mendigo.”

A BBC Brasil contatou, além de Mahmoud, outros dois trabalhadores que se disseram vítimas das mesmas condições de trabalho em frigoríficos brasileiros.

Os dois últimos integram um grupo de 25 estrangeiros que trabalham na fábrica da Sadia (hoje parte da BR Foods, maior empresa alimentícia brasileira e uma das maiores do mundo) em Samambaia, no Distrito Federal. Quase todos moram em duas casas cedidas pela CDIAL Halal, empresa terceirizada pela Sadia para o abate dos frangos pelo método halal.

Como não há armários nem geladeira na casa, roupas e a comida são armazenadas no chão ou sobre o estrado de uma cama, improvisado como mesa.

A BBC Brasil obteve fotos do interior de uma das residências. Nos quartos, habitados por até oito pessoas, colchões empilhados durante o dia são esticados no chão à  noite, para compensar a falta de camas. Como não há armários nem geladeira na casa, as roupas e a comida são armazenadas no chão ou sobre o estrado de uma cama, improvisado como mesa.

As refeições são feitas no chão do quarto, em cima de um pedaço de papelão. Na cozinha, o fogão acumula crostas de gordura.

Todos os trabalhadores são muçulmanos, já que o abate halal requer que os animais tenham suas gargantas cortadas manualmente por seguidores do islã. Eles devem pronunciar a frase “Em nome de Deus, Deus é maior!” (Bismillah Allahu Akbar, em árabe) antes de cada degola. O gesto deve cortar a traqueia, esôfago, artérias e a veia jugular, para apressar o sangramento e poupar o animal de maior sofrimento.

Segundo a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, há apenas três empresas no Brasil que fornecem o certificado halal, dentre as quais a CDIAL Halal – braço do grupo religioso CDIAL (Centro de Divulgação do Islã para a América Latina, baseado em São Bernardo do Campo).

A CDIAL Halal, que presta serviços para quase todas as empresas brasileiras que exportam carne para os países islâmicos, diz empregar cerca de 350 funcionários no abate halal, 90% dos quais provêm de países africanos ou asiáticos como Senegal, Somália, Bangladesh, Paquistão, Iraque e Afeganistão.

Boa parte dos oriundos de áreas em conflito obtêm status de refugiado no Brasil, o que lhes permite trabalhar legalmente. Os outros se estabelecem como imigrantes e, ao conseguir trabalho no abate halal, atividade para a qual há pouca mão de obra brasileira disponível, têm o caminho para sua regularização encurtado.

Condições análogas à escravidão

Para o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Ricardo Nino Ballarini, as condições relatadas pelos trabalhadores em Samambaia são análogas à escravidão.

“A empresa se vale da situação vulnerável deles no país, o que permite caracterizar condição análoga à de escravo. Ao transferi-los constantemente de Estado, impede que criem raízes, que estabeleçam relações pessoais e denunciem os abusos à polícia”, afirma.

Ballarini diz que a situação se assemelha à descrita por estrangeiros que executam o abate halal em duas fábricas da Sadia no Paraná, onde a CDIAL Halal também é responsável pela atividade.

As condições laborais nas duas fábricas, nos municípios de Dois Vizinhos e Francisco Beltrão, são objeto de duas ações movidas pelo procurador. Ele diz que, em ambas as unidades, os funcionários estrangeiros enfrentavam jornadas de até 15 horas diárias, não recebiam hora extra e eram privados de benefícios dados aos trabalhadores da Sadia, como participação nos lucros e plano de saúde. Além disso, afirma que muitos trabalhavam sem carteira assinada.

Ballarini conta que os trabalhadores, que costumam chegar ao Brasil com vistos de turista, são geralmente arregimentados para o serviço em mesquitas.

Já a CDIAL Halal afirmou em nota que todos os seus funcionários encontram-se em situação legal no país e procuram a empresa por livre vontade. A companhia diz que o abate se dá conforme normas adequadas de segurança, que todos os funcionários têm carteira assinada e executam jornada de até oito horas (intercaladas entre uma hora trabalhada e uma de descanso), registrada por relógio de ponto biométrico.

A empresa afirma ainda que horas extras são devidamente registradas e pagas, e que todos os funcionários são amparados por acordos coletivos firmados com sindicatos da classe.

Quanto às transferências dos trabalhadores, a CDIAL Halal afirma que alguns contratos de trabalho contam com cláusula que prevê essas ações. Nesses casos, a empresa diz arcar com os custos da mudança.

Rede nacional

Segundo o procurador Ballarini, os casos de Samambaia e das fábricas paranaenses indicam que pode haver uma rede nacional de exploração de trabalho no abate halal. A BBC Brasil apurou que o tema também é objeto de uma investigação do MPT em Campinas (SP). O Ministério do Trabalho, por sua vez, afirmou que apurará as denúncias de abusos em Samambaia e que prepara uma nova regulamentação para o trabalho em frigoríficos.

A denúncia contra a fábrica da Sadia em Dois Vizinhos foi julgada procedente, e a BR Foods (Sadia) e a CDIAL Halal foram condenadas a pagar R$ 5 milhões ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), como forma de reparar os danos causados aos trabalhadores.

As empresas recorreram, e o tribunal de segunda instância baixou o valor da indenização para R$ 1 milhão, embora tenha mantido a decisão da corte anterior. Agora, a empresa deve recorrer outra vez.

Já a ação movida contra a fábrica da Sadia em Francisco Beltrão foi julgada improcedente, e o MPT recorreu.

Terceirização

Além de condenar as condições de trabalho no abate halal, Ballarini considera ilegal a terceirização da atividade, efetuada pela BR Foods em todas as suas fábricas que exportam para países islâmicos. Ele argumenta que uma companhia só pode terceirizar uma de suas atividades-meio (no caso da Sadia, o abate de animais) se não houver subordinação entre os terceirizados e a empresa principal.

No entanto, diz que o abate halal se dá inteiramente na linha de montagem da Sadia, com participação de funcionários da companhia em todos os processos que não a degola.

“Ao terceirizar, a empresa economiza dinheiro. Foi o que Sadia fez”, diz. “Nada impede que a Sadia contrate os empregados, ainda que adeptos do islã. Só a supervisão e a certificação deveriam ser feitas pela entidade competente”.

Já a BR Foods (Sadia) afirmou em nota que a terceirização do abate halal atende à exigência dos mercados islâmicos. “De acordo com tais exigências, o trabalho deve ser executado por funcionários muçulmanos que sejam vinculados a uma entidade certificada pelas autoridades daqueles países. Portanto, a contratação terceirizada é uma necessidade.”

A empresa afirma, no entanto, que os funcionários terceirizados cumprem uma jornada de trabalho equivalente à dos trabalhadores da empresa e estão sujeitos às mesmas condições que os outros funcionários da unidade.

A BR Foods não se pronunciou sobre as condições dos dormitórios dos funcionários terceirizados. CDIAL Halal, por sua vez, afirmou que “não tem qualquer obrigação de tutelar o domicílio de seus empregados, tampouco seus hábitos de higiene pessoal”.

A empresa diz que a concessão de residência visa apenas facilitar os entraves burocráticos que os empregados encontram para alugar uma residência. Ainda assim, a empresa diz adotar “uma série de medidas para orientar e auxiliar seus empregados no âmbito doméstico, inclusive disponibilizando uma faxineira para limpeza das casas uma vez por semana.”

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Islândia: a revolução silenciosa

Le Monde

A Islândia acabou o ano 2011 com um crescimento económico de 2,1% e em 2012 vai ter o triplo da taxa de crescimento esperada para a União Europeia. Após o colapso financeiro encontrou medidas inéditas para sair da crise e vai julgar os seus responsáveis.

O colapso

Em 2008, a dívida da Islândia era nove vez o seu PIB, a sua moeda colapsa e a bolsa é suspensa depois de ter caído 76%. O país vai à falência e tem de recorrer a dois empréstimos, um do FMI de 2,1 mil milhões de dólares e outro dos países nórdicos e da Rússia de 2,5 mil milhões de dólares.

O FMI, como sempre, exigiu em troca medidas de “ajustamento” traduzidas em cortes nas despesas sociais. A população revolta-se, o que provoca a queda do governo e eleições antecipadas. O Partido da Independência, conservador, é substituído por uma coligação de partidos de esquerda, ecologistas e sociais democráticos. Um referendo rejeita o salvamento dos bancos privados e os principais bancos, Glitnir, Landsbankinn e Kaupthing, são nacionalizados.

Responsável ou bode expiatório?

Actualmente, vários responsáveis do sector bancários deverão ir a julgamentos por fraude e abuso de poder. O parlamento islandês nomeou uma comissão de inquérito, composta por dois filósofos e um historiador, para analisar o aspecto ético da crise, um atitude única e inovadora.

O antigo primeiro ministro islandês, Geir Haarde, está actualmente a ser julgado por ter mal gerido a crise que provocou o colapso do sistema bancário do seu país. Arrisca-se a 2 anos de prisão se for declarado culpado. Uma comissão tinha proposto inicialmente culpar quatro pessoas.

Esta acusação de “negligência” e “violação das leis sobre a responsabilidade ministerial”, do antigo primeiro ministro, é vista para a maioria dos observadores como a tentativa de encontrar um bode expiatório, outros vêm nela um acerto de contas político por parte dos seus velhos inimigos no poder, agora que o poder virou à esquerda.

O que parece estar em causa na responsabilidade da crise islandesa não é uma pessoas, mas sim de um conjunto de actuações de vários actores políticos, assim como de vários responsáveis do sector financeiro do país.

Islândia: um “mau” exemplo.

A “revolução” islandesa é  muito pouco badalada nos media oficiais, pois esta poderia servir de “mau” exemplo para outros países nas mesmas circunstâncias: recusa em pagar as dívidas de bancos privados, nacionalização e colocação sob controlo democráticos de três bancos, e nacionalização, para breve, dos recursos naturais. Esta revolução anti-capitalista poderia dar más ideias a outros povos europeus.

E tudo isto sem violência, sem um único disparo da polícia. Uma espécie de revolução silenciosa. É verdade que, a maioria das vezes a democracia directa só vive enquanto está na rua e desaparece quando se institucionaliza. Mas seja como for, a Primeira-Ministra islandesa, Johanna Sigurdsdottir, e o seu governo elaboraram um plano de rápido relançamento económico que parece estar a dar frutos.

A Islândia continua assim, a ser um país inovador em vários aspectos: foi o segundo país do mundo a reconhecer o direito de voto às mulheres (depois da Nova Zelândia), o primeiro país a ter um chefe de governo homosexual, a ser um dos países mais seguros do mundo em termos de violência e a ter 100% de alfabetização.

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R$ 2,4 milhões do Ministério do Esporte desaparecem de conta de ONG ligada ao PC do B

UOL Esportes

A Polícia Federal está investigando o sumiço de R$ 2,4 milhões de verbas do programa Pintando a Cidadania, do Ministério do Esporte, repassados à ONG “Instituto Cidade”, de Juiz de Fora (MG), para a produção de materiais esportivos, como bolas, camisas e redes de vôlei. A ONG mineira terceirizou os serviços contratando uma cooperativa local para produzir os materiais.

Mais de um ano após o início do contrato, em 3 de dezembro de 2010, porém, a ONG, que recebeu 100% da verba (R$ 2,409.522,44 milhões), produziu apenas 10% do material, e encerrou a produção depois disso. O próprio Ministério do Esporte, de acordo com documentos internos a que o UOL teve acesso – já encaminhados à Polícia Federal –, reconhece os indícios de desvio de recursos públicos e favorecimento a pessoas ligadas ao PC do B (Partido Comunista do Brasil) no uso das verbas cedidas à ONG. O partido comanda o Ministério do Esporte desde 2003.

Atualmente, as atividades do Instituto Cidade estão paralisadas. A reportagem esteve em Juiz de Fora e encontrou uma fábrica de material esportiva vazia. Um funcionário informou que tinha dispensado os mais de 40 trabalhadores, já que não havia dinheiro para produzir qualquer material ou efetuar pagamentos.

No dia 10 de novembro de 2011, cumprindo mandado da Justiça, a Polícia Federal apreendeu computadores e documentos na sede da ONG e em mais três endereços em Juiz de Fora, entre eles na casa do presidente da entidade, José Augusto da Silva.

Segundo o delegado federal Ronaldo Guilherme Campos, à frente das investigações, o que é possível afirmar até agora “é a existência de forte indício de que algo de irregular aconteceu”. Ele precisará de “mais quatro ou cinco meses” para concluir as investigações, e diz que aguarda a quebra do sigilo bancário dos envolvidos.

O principal deles é José Augusto da Silva, presidente do Instituto Cidade e ex-cabo eleitoral de Wadson Ribeiro (PC do B), que está na suplência do partido para a Câmara dos Deputados. Wadson, ex-presidente da UNE (1999-2001), ocupou a Secretaria Nacional de Esporte Educacional da pasta até o final de 2011. O programa Pintando a Cidadania está vinculado a essa secretaria. Em novembro, Wadson deixou o Ministério, pouco depois da saída do então ministro Orlando Silva, no bojo de pesadas denúncias de corrupção na pasta.

Orlando e Wadson, com Ricardo Cappelli – que preside a comissão técnica da Lei de Incentivo ao Esporte – formavam o triunvirato de ex-presidentes da União Nacional dos Estudantes com cargos de destaques no Ministério do Esporte, a partir de 2006. Do trio, apenas Cappelli permanece no cargo, na pasta agora sob o comando do ministro Aldo Rebelo.

No dia 23 de novembro do ano passado, José Augusto Silva foi convocado pelo Ministério do Esporte para “tratar de assuntos relevantes e urgentes, inerentes ao desenvolvimento das ações previstas no plano de aplicação do convênio”, de acordo com documento que o UOL teve acesso. A José Silva foi também solicitada a apresentação de “extrato atualizado da movimentação bancária da conta exclusiva do convênio”. Em vão. Ele alegou que com a apreensão dos documentos pela Polícia Federal não poderia atender ao solicitado pelo Ministério.

Pagamentos irregulares

As explicações do presidente do Instituto Cidade não convenceram. No dia 9 de janeiro deste ano, um relatório interno do Ministério do Esporte que integra volumoso processo – tudo já enviado à Polícia Federal – , adianta que “há indícios de malversação do dinheiro público” na ONG Instituto Cidade, e que a mesma “não se esforça em elucidar as denúncias feitas”.

Pagamentos ilegais

O mesmo relatório do ministério denuncia “pagamentos com recursos públicos de vales-transporte, previstos no plano de aplicação aos cooperados (que produziriam o material esportivo), a integrantes do PC do B que atuam em escritório regional do partido político em Juiz de Fora. Os partidários são acusados de não guardarem relação ou vínculo com as metas do convênio. Do processo consta uma lista com os “nomes dos militantes do partido que receberam os benefícios, ou seja de maneira ilegal”.

O UOL teve acesso à lista de pessoas que receberiam o benefício. 15 delas seriam  filiadas ao PC do B. Apesar desses indícios de graves irregularidades, o convênio do ministério com o Instituto Cidade ainda não foi rescindido. Segundo levantamento junto ao Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), o Instituto Cidade foi contemplado com R$ 7 milhões do Ministério do Esporte, entre 2006 e 2011.

A coordenadora da cooperativa – constituída de pessoas carentes de Juiz de Fora para atender aos pedidos de produção de material esportivo –, Sandra Rodrigues Costa, relatou a funcionários do Ministério do Esporte que o presidente do Instituto Cidade, José Augusto da Silva, teria convocado uma reunião com os coordenadores do projeto no fim de 2011 para informar que as atividades seriam interrompidas por falta de recursos.

Nos relatos, cujas gravações foram ouvidas pelo UOL, Sandra informa que José Augusto da Silva deu um aviso claro: “Apenas teremos recursos disponíveis até  dezembro (de 2011). Alertem os funcionários (da Cooperativa)  que após não teremos mais dinheiro para executar as metas do convênio”.

Sandra teria, então, perguntado o que foi feito dos R$ 2,9 milhões (na verdade, o repasse oficial foi de R$ 2,4 milhões, segundo o Siafi) que deveriam ser usados na produção do material. A resposta: “Eu assumo que desviei os recursos do convênio do Ministério do Esporte para outros projetos do Instituto Cidade”. Para quais projetos o dinheiro teria sido desviado, Silva não informou.

O balanço do convênio é o seguinte, segundo o Ministério do Esporte:

8.000 bolas encomendadas: Nenhuma foi produzida

26.000 camisetas produzidas, ou 43% do contratado

4.900 bonés entregues, apenas 8% do previsto no contrato

Redes: foram produzidas 200 redes de futsal e outras 200 de vôlei, ou apenas 20% do total contratado

Bandeiras: nenhum material chegou à  fábrica; nada foi produzido

O UOL tentou entrar em contato com José  Augusto da Silva por dois dias em Juiz de Fora, mas não obteve resposta.

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Contra importações, centrais e Fiesp organizam paralisação

Valor Econômico

Parte dos trabalhadores da indústria paulistana podem cruzar os braços por um dia logo após o Carnaval, na última semana de fevereiro, em protesto contra a forte entrada de produtos manufaturados importados. Os industriais liderados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) não devem se incomodar – pelo contrário, a greve geral deve contar com a boa vontade dos empresários. O comércio varejista pode acompanhar. O arranjo dessa manifestação será fechado hoje, em São Paulo, em duas reuniões entre empresários e sindicalistas.

Na primeira reunião, de manhã, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, discute os planos da greve geral na capital paulista com os presidentes de cinco centrais sindicais, capitaneadas pela Força Sindical, e pelo maior sindicato da capital, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Em seguida, os sindicalistas, desta vez liderados pelo Sindicato dos Comerciários de São Paulo, filiado à União Geral dos Trabalhadores (UGT), serão recebidos pelo empresário Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio).

Os encontros vão envolver empresários e os líderes das centrais Força Sindical, UGT, CTB, NCST e CGTB. Os sindicalistas representam na capital 420 mil metalúrgicos, 480 mil comerciários, 35 mil prestadores de serviços em software e processamento de dados, 80 mil motoristas de ônibus, além dos trabalhadores nas indústrias têxtil e de confecções, entre outros. Os industriais estão “inclinados” a apoiar a greve geral dos sindicalistas, segundo uma fonte ligada à Fiesp. O apoio, se confirmado, pode caracterizar um locaute. “Os importados estão reduzindo nosso ímpeto de contratações e mesmo reduzindo produção e, portanto, também resultando em demissões”, diz o industrial.

O protesto será concentrado na avenida Paulista, onde os sindicalistas esperam concentrar os trabalhadores com cartazes anti-importações. “O salário mínimo sobe forte e impulsiona os salários no mercado de trabalho como um todo, mas esse gás no consumo tem sido crescentemente convertido no consumo de importados”, afirma Miguel Torres, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes.

Em novembro, o IBGE registrou queda de 0,1% sobre o mês anterior no emprego industrial. O pior resultado foi apurado em São Paulo, que registrou forte queda de 3,7% entre outubro e novembro – 15 dos 18 setores pesquisados pelo IBGE registraram corte de pessoal. De janeiro a novembro, a indústria aumentou a produção em apenas 0,4%, de acordo com o IBGE.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) é a única das seis centrais do país que não participará  das reuniões hoje. As portas não estão fechadas à maior central do país, mas seu posicionamento contrário ao imposto sindical fez com que ela não fosse procurada.

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lta do IOF segurou entrada de dólares em 2011

O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – O aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nos empréstimos de curto prazo no exterior, anunciado em março, ajudou a conter a entrada de dólares relativa a essas operações em 2011. A expectativa do governo é que esse resultado se repita este ano.

Em 2010, houve entrada líquida de US$ 27,5 bilhões por meio dessas modalidades de financiamento, segundo o Banco Central (BC). Em 2011, o resultado foi a saída líquida de US$ 6,1 bilhões. Ou seja, o pagamento de dívidas superou a contração de novos empréstimos. Para 2012, o BC projeta novo resultado negativo, de US$ 4 bilhões.

Em março, o governo decidiu cobrar IOF de 6% sobre operações de financiamento externo com prazo inferior a 360 dias. Em abril, ampliou a taxação e incluiu empréstimos até 720 dias. Antes, o imposto era de 5,38% e atingia operações de até 90 dias.

A avaliação do governo era que parte do dinheiro não estava relacionada a investimentos, mas a operações especulativas que contribuíam para derrubar a cotação do dólar. O BC também estava preocupado com o risco de que uma virada nas cotações causasse prejuízos, como ocorreu no fim de 2008.

Dados do BC mostram ainda que, com a mudança na tributação, houve aumento nos empréstimos e emissões de títulos de médio e longo prazos, que não foram atingidos pela medida. A diferença entre novos empréstimos e amortizações nestes casos, que gerou saldo de US$ 29,2 bilhões em 2010, cresceu 63%, para US$ 47,6 bilhões em 2011.

“Parte desse fluxo acabou migrando para operações de médio e longo prazos, acima de 720 dias”, diz o economista Bruno Lavieri, da Tendências. Para ele, outra parte desse capital pode estar entrando de outras maneiras. “Nos investimentos estrangeiros diretos pode ter algum capital de curto prazo destinado a aplicação em renda fixa ou ações, e isso não deve estar sendo rastreado.”

O gerente da Treviso Corretora de Câmbio, Reginaldo Galhardo, diz que a medida reduziu a especulação com o real, principalmente nas operações em que investidores lucravam com o câmbio e com a diferença de juros no Brasil e no exterior.

Neste ano, o BC prevê forte redução na entrada de capital estrangeiro por meio dessas operações. A previsão  é que o saldo de empréstimos acima de 360 dias recue para US$ 6,2 bilhões.

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EUA terão meta de inflação de 2% ao ano

O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO – Em um movimento histórico, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) informou nesta quarta-feira, 25, que decidiu adotar o sistema de metas de inflação, o mesmo que é usado no Brasil desde 1999. O BC americano se comprometeu a buscar um índice de 2% ao ano. Aqui, a meta é de 4,5%, com margem de tolerância de dois pontos porcentuais para cima ou para baixo.

“Após cuidadosas avaliações nas suas últimas reuniões, o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, equivalente ao Copom no Brasil) chegou a um amplo acordo sobre os princípios relacionados às suas metas de mais longo prazo e à sua estratégia de política monetária”, diz um comunicado divulgado após a reunião que manteve a taxa básica de juros nos EUA no intervalo entre 0 e 0,25% ao ano, nível em que está desde o fim de 2008.

“O Comitê pretende reafirmar esses princípios e fazer ajustes, como é apropriado, na reunião anual de organização que ocorre a cada janeiro.”

No mercado financeiro, sempre se acreditou que o Fed tinha uma meta informal de inflação ao redor justamente de 2% ao ano. No entanto, o principal banco central do mundo evitava adotá-la explicitamente.

Quando assumiu a presidência do Fed, no início de 2006, o economista Ben Bernanke declarou-se favorável ao regime de metas. Recentemente, trouxe o tema de novo ao debate.

No comunicado de ontem, o Fed deixa claro por que acredita que é importante explicitar a meta. Informá-la ao público, argumenta o BC americano, “ajuda a manter as expectativas de inflação de mais longo prazo firmemente ancoradas, fomentando, dessa forma, a estabilidade de preços e taxas de juros moderadas e elevando a capacidade do Comitê de promover o máximo emprego diante dos significativos distúrbios econômicos”.

Diferentemente do Banco Central do Brasil, o Federal Reserve tem outra atribuição além de manter a inflação controlada: promover o pleno emprego. Apesar disso, Bernanke afirmou que “não é viável ter uma meta de longo prazo para o emprego”.

“O nível máximo de emprego é  amplamente determinado por fatores não monetários que afetam a estrutura e a dinâmica do mercado de trabalho”, diz o comunicado de ontem do Fed. “Esses fatores poderão mudar ao longo do tempo e poderão não ser diretamente mensuráveis. Consequentemente, não seria apropriado especificar uma meta fixada para emprego.”

Ainda assim, Bernanke indicou que o Fed não subiria o juro para combater uma inflação acima da meta no caso de uma taxa de desemprego elevada. Hoje, a falta de emprego é o maior problema enfrentado por Barack Obama na economia. Em dezembro, o índice estava em 8,5%.

O sistema de metas de inflação foi implementado de forma pioneira na Nova Zelândia, em 1990, e também é usado em países como Canadá, Chile, Grã-Bretanha, Suécia, África do Sul, Austrália, Israel e México.

Leia a íntegra do comunicado:

“Informações recebidas desde que o Comitê Federal de Mercado Aberto se reuniu, em dezembro, sugerem que a economia tem se expandido moderadamente, apesar de alguma desaceleração no crescimento global. Embora indicadores apontem para alguma melhora nas condições gerais do mercado de mão de obra, a taxa de desemprego permanece elevada. Os gastos dos domicílios continuaram a avançar, mas os investimentos das empresas em ativos fixos desacelerou e o setor de moradias continua deprimido. A inflação tem estado está sob controle nos últimos meses, e as expectativas quanto à inflação no longo prazo permaneceram estáveis.

“Consistente com seu mandato estatutário, o Comitê busca fomentar o máximo emprego e a estabilidade dos preços. O Comitê espera que o crescimento econômico nos próximos trimestres seja modesto e, consequentemente, antecipa que a taxa de desemprego vá declinar apenas gradualmente na direção de níveis que o Comitê julga serem consistentes com seu mandato duplo. Tensões nos mercados financeiros globais continuam a apresentar riscos negativos significativos à perspectiva econômica. O Comitê também antecipa que a inflação vai se acomodar, nos próximos trimestres, em níveis consistentes com o mandato duplo do Comitê ou abaixo deles.

“Para apoiar uma recuperação econômica mais forte e ajudar a assegurar que a inflação, ao longo do tempo, esteja em níveis consistentes com o mandato duplo, o Comitê espera manter uma postura de política econômica altamente acomodatícia. Em especial, o Comitê decidiu hoje manter a faixa da meta para a taxa dos federal funds entre zero e 0,25% e atualmente antecipa que as condições econômicas – incluindo os baixos níveis de utilização de matérias-primas e a perspectiva controlada para a inflação no médio prazo – devem garantir níveis excepcionalmente baixos para os federal funds pelo menos até o fim de 2014.

“O Comitê também decidiu continuar seu programa para estender a maturidade média de suas posições em títulos, como anunciado em setembro. O Comitê está mantendo suas políticas existentes de reinvestir os pagamentos do principal de suas posições em dívida das agências e títulos lastreados em hipotecas e de rolar títulos do Tesouro a vencer em leilões. O Comitê vai revisar regularmente o tamanho e a composição de suas posições em títulos e está preparado para ajustar aquelas posições para promover uma recuperação econômica mais forte em um contexto de estabilidade de preços.

“Votaram a favor da decisão de política monetária do Fomc: Ben S. Bernanke, chairman; William C. Dudley, vice-chairman; Elizabeth A. Duke; Dennis P. Lockhart; Sandra Pianalto; Sarah Bloom Raskin; Daniel K. Tarullo; John C. Williams; e Janet L. Yellen. Votou contra: Jeffrey M. Lacker, que preferia omitir a descrição da data até a qual as condições econômicas devem garantir níveis excepcionalmente baixos para a taxa dos federal funds”.

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Dossiê  sobre licitação suspeita no CNJ constrange Peluso

O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – Integrantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) produziram um dossiê para tentar cancelar a licitação milionária feita nas últimas semanas do ano passado para a compra de um sistema de banco de dados. O contrato foi colocado sob suspeita, como revelou o Estado, e desencadeou uma crise interna no órgão. O dossiê foi entregue nesta  quarta-feira, 25, ao presidente do CNJ, Cezar Peluso, que chancelou a compra, e será apresentado hoje na primeira sessão do conselho deste ano.

A sessão de quinta-feira, 26, convocada no fim do ano passado, seria exclusivamente para que os conselheiros votassem o relatório anual de atividades do CNJ. Mas as suspeitas em torno do contrato e as críticas feitas por integrantes do conselho obrigaram o presidente a convocar uma sessão administrativa secreta para prestar contas do contrato.

Nesta quarta-feira à tarde, entretanto, conselheiros afirmavam que aliados de Peluso poderiam faltar e inviabilizar a sessão. Três conselheiros, conforme a assessoria do CNJ, já haviam avisado que faltariam: Eliana Calmon, Fernando Tourinho e Vasi Verner. Se outros três integrantes também faltarem, a discussão sobre o contrato será adiada para a sessão do dia 14 de fevereiro.

Se a estratégia de adiar a crise não for bem-sucedida, os conselheiros deverão, em sessão secreta, exigir explicações detalhadas sobre o contrato de R$ 86 milhões firmado a toque de caixa nas últimas semanas de 2011. De acordo com conselheiros, o custo do contrato pode ser maior do que o divulgado, pois haveria despesas adicionais com manutenção, várias etapas da licitação teriam sido suprimidas, o edital estava direcionado para a compra de produtos de uma empresa específica – a Oracle – e o sistema não seria indispensável.

Além disso, questionarão por que o processo de licitação não passou pela comissão de tecnologia do órgão, integrada por conselheiros, por que o então o diretor do Departamento de Tecnologia e Informação, Declieux Dias Dantas, que disse ser contra a licitação, foi exonerado e por que não foram informados, em momento algum, da compra.

Suspeita. O secretário-geral do conselho, Fernando Florido Marcondes, também será chamado a se explicar. Conselheiros reclamam da centralização de poder nas mãos do secretário e questionarão se Marcondes, ao divulgar produtos da Oracle no último Encontro Nacional do Judiciário, em Porto Alegre (RS), teria direcionado a licitação. A suspeita foi inicialmente levantada pela IBM, que contestou formalmente a legalidade da licitação e apontou indícios de direcionamento em favor da Oracle.

De acordo com parte dos conselheiros, a crise interna só será resolvida se Peluso suspender o contrato. Outros afirmam que, além disso, o secretário-geral deveria ser trocado, pois não haveria clima para sua permanência. No entanto, por ser homem de confiança de Peluso, muitos conselheiros duvidam que Marcondes deixará o cargo.]

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Televisão: fábrica de mais-valia ideológica

Palavras Insurgentes

A televisão é uma usina ideológica. Gera milhares de megawatts de ideologia a cada programa, por mais inocente que pareça ser.

E ideologia como definiu Marx: encobrimento da realidade, engano, ilusão, falsa consciência. Então, se considerarmos que a maioria da população latino-americana, aí incluída a brasileira, se informa e se forma através desse veículo, pensá-la e analisá-la deveria ser tarefa intelectual de todo aquele que pensa o mundo. Afinal, como bem afirma Chomsky, no seu clássico “Os Guardiões da Liberdade”, os meios atuam como sistema de transmissão de mensagens e símbolos para o cidadão médio. “Sua função é de divertir, entreter e informar, assim como inculcar nos indivíduos os valores, crenças e códigos de comportamento que lhes farão integrar-se nas estruturas institucionais da sociedade”. Não é sem razão que bordões, modas e gírias penetram nas gentes de tal forma que a reprodução é imediata e sistemática.

Um termômetro dessa usina é a famosa “novela das oito”, que consolidou um lugar no imaginário popular desde os anos 60, com a extinta Tupi, foi recuperado com maestria pela Globo e vem se repetindo nos demais canais. O horário nobre é usado pela teledramaturgia para repassar os valores que interessam à classe dominante, funcionando como uma sistemática propaganda que visa a manutenção do estado de coisas. É clássica, nos folhetins, a eterna disputa entre o bem e o mal, o pobre e o rico, com clara vinculação entre o bem e o rico. Sempre há um empresário bondoso, uma empresária generosa, um fazendeiro de grande coração, que são os protagonistas. E, se a figura principal começa a novela como pobre é certo que, por sua natural bondade, chegará ao final como uma pessoa rica e bem sucedida, porque o que fica implícito que o bem está colado à riqueza, vide a Griselda de Fina Estampa, a novela da vez.

Outro elemento bastante comum nas novelas é o da beleza da submissão. Como os protagonistas são sempre pessoas ricas, eles estão obviamente cercados dos serviçais, que, no mais das vezes os amam e são muito “bem-tratados” pelos patrões. Logo, por conta disso, agem como fiéis cães de guarda. Um desses exemplos pode ser visto atualmente na novela global. É o empregado-amigo (?) da vilã Tereza Cristina. Ele atua na casa da milionária como um mordomo, cúmplice, saco de pancadas, dependendo do humor da mulher. Ora ela lhe conta os dramas, ora lhe bate na cara, ora lhe ameaça tirar tudo o que já lhe deu. E ele, premido pela necessidade, suporta tudo, lambendo-lhe as mãos como um cachorrinho amestrado. Tudo é tão sutil que não há quem não se sinta encantado pelo personagem. Ele provoca o riso e a condescendência, até porque ainda é retratado de forma caricata como um homossexual cheio de maneios, trejeitos e extremamente servil.

Mas, se o servilismo de Crô pode ser questionado pela profunda afetação, outros há que aparecem ainda mais sutis. É o caso da turma da praia que, na pobreza, hostilizava Griselda e, agora, depois que ela ficou rica, passou para o seu lado, vindo inclusive trabalhar com a faz-tudo, assumindo de imediato a postura de defensores e amigos fiéis. Ou ainda a relação dos demais trabalhadores com os patrões “bonzinhos”, como é o caso do Paulo, o Juan, o homem da barraquinha de sucos, e o Renê. Todos são “amigos” e fazem os maiores sacrifícios pelos patrões, reforçando a ideia de que é possível existir essa linda conciliação de classe na vida real. O grupo que atua com o cozinheiro Renê, por exemplo, foi demitido pela vilã, não recebeu os salários, viveu de brisa por um tempo e retomou o trabalho com o antigo chefe por pura bem-querença. Coisa de chorar.

Nesses folhetins também os preconceitos que interessam aos dominantes acabam reforçados sob a faceta de “promoção da democracia”. O negro já não aparece apenas como bandido, mas segue sendo subalterno. No geral faz parte do núcleo pobre, mas é generoso e sabe qual é o “seu lugar”. É o caso do ético funcionário da loja de motos. Um bom rapaz, que, no máximo, pode chegar a gerente da loja. As pessoas que discutem uma forma alternativa de viver aparecem como gente “sem-noção”, no mais das vezes caricaturada, como é o caso da garota que prevê o futuro, a mulher negra que era bruxa, o rapaz que brinca com fogo ou os donos da pousada que em nada se diferem de empresários comuns, a não ser nas roupas exotéricas. Ou o personagem do Zé Mayer, numa antiga novela, que via discos voadores, não aceitava vender suas terras e, no final, “fica bom”, entregando sua propriedade para a empresária boazinha que era dona de uma papeleira. Os homossexuais também encontram espaço nas novelas, dentro da lógica da “democratização”, mas continuam sendo retratados de forma folclórica, como é o caso do Crô, na novela das oito, ou do transexual da novela das sete. Já o índio, como é invisível na vida real, tampouco tem vez nas tramas novelistas e quando tem, como a novela protagonizada por Cléo Pires, vem de forma folclórica e desconectada da vida real. E assim vai…

Gente há que fica indignada com os modelos que as telenovelas reproduzem ano após ano, mas essa é  realidade real. Os folhetins nada mais fazem do que reforçar as relações de produção consolidadas pelo sistema capitalista. Até porque são financiados pelo capital, fazendo acontecer aquilo que Ludovico Silva chama de “mais-valia ideológica”. Ou seja, a pessoa que está em casa a desfrutar de uma novela, na verdade segue muito bem atada ao sistema de produção dessa sociedade, consumindo não só os produtos que desfilam sob seu olhar atento, enquanto aguardam o programa favorito, mas também os valores que confirmam e afirmam a sociedade atual. Prisioneira, a pessoa permanece em estado de “produção”, sempre a serviço da classe dominante. Assim, diante da TV – e sem um olhar crítico – as pessoas não descansam, nem desfrutam.

É certo que a televisão e os grandes meios não definem as coisas de forma automática. Como bem já  explicou Adelmo Genro, na sua teoria marxista do jornalismo, os meios de comunicação também carregam dentro deles a contradição e vez ou outra isso se explicita, abrindo chance para a visão crítica. Momentos há em que os estereótipos aparecem de maneira tão ridícula que provocam o contrário do que se pretendia ou personagens adquirem tanta força que provocam um explodir da consciência. E, nesses lampejos, as pessoas vão fazendo as análises e podem refletir criticamente. Mas, de qualquer forma, esses momentos não são frequentes nem sistemáticos, o que só confirma a função de fabricação de consenso que é reservada aos meios. Um caso interessante é o do transexual que está sendo retratado na novela da Record, que passa às dez horas. “Dona Augusta” é nascida homem e se faz mulher, sem a folclorização do que é retratado na Globo. É “descoberta” pelo filho que a interna como louca. Toda a discussão do tema é muito bem feita pelos autores, sem estereótipos, sem falsa moral. Mas, é a TV dos bispos evangélicos, que, por sua vez, na vida real pregam a homossexualidade como “doença”. São as contradições.

De qualquer sorte, a teledramaturgia brasileira deveria ser bem melhor acompanhada pelos sindicatos e movimentos sociais. E cada um dos personagens deveria ser analisado naquilo que carrega de ideologia. Não para ensinar aos que “não sabem”, mas para dialogar com aqueles que acabam capturados pelo véu do engano. Assim como se deve falar do que silencia nos meios, o que não aparece, o que não se explicita, também é necessário discutir sobre o que é inculcado, dia após dia, como a melhor maneira de se viver. Pois é nesse entremeio de coisas ditas, malditas e não ditas, que o sistema segue fabricando o consenso, sempre a favor da classe dominante.

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