População Negra contra cortes da Educação

imagemO Brasil, tal como outros países que estão localizados na periferia do sistema capitalista, tem uma integração tardia e portanto ocupa uma posição particular na divisão internacional da produção: a de fornecedor de ​commodities, e​m outras palavras, um país dependente. Essa posição determina, em maior ou menor grau, o desenvolvimento de suas instituições, possibilidades e limites que um país pode aspirar dentro desta ordem.

No Brasil, a revolução burguesa sequer aconteceu. Suas mudanças foram realizadas sempre com acordões por cima [1], impossibilitando um desenvolvimento completo das instituições burguesas tal como aconteceu no centro do capitalismo (Europa e EUA principalmente). “A debilidade da produção de nossa ciência e tecnologia” [2]​, assim como formas particulares de subjetividade, são outras marcas desse capitalismo dependente.

A falta de um projeto nacional soberano, não articulado pela classe dominante no país, leva a um investimento irrisório em ciência e tecnologia. Fato esse que nos mantém totalmente dependentes de países centrais quando se trata de produtos de alta complexidade.

Diante desse cenário, quando falamos de educação em geral, a mesma lógica de subfinanciamento prossegue. E assim, “a forma concreta de reprodução ampliada do capital (e acumulação de riqueza privada) em nosso território nacional não se preocupa em promover a educação que corresponda às necessidades da vasta maioria da população, bem como de uma produção nacional autônoma de conhecimento científico e tecnológico[“3].

Embora o Brasil apareça bem colocado na OCDE quando se trata de porcentagem do investimento em educação em relação ao PIB (5,5%), estando inclusive à frente de países como a Alemanha e servindo de propaganda do governo para justificar cortes alegando que o país já gasta muito nesta área, o quadro é muito diferente quando olhamos mais de perto. Ao calcular os gastos por estudante, estamos bastante abaixo dos países da OCDE [4].

Se o lugar que coube ao Brasil na divisão internacional da produção foi o da dependência – por uma série de fatores históricos – a magnitude do quão dependente é um país varia. O Brasil tem um grau de dependência menor que a Bolívia, embora não sejamos uma Itália. Porém, a imposição de medidas neoliberais que se intensificou a partir do fim do socialismo no leste europeu e da URSS, tem aumentado nosso grau de dependência a passos largos. Podemos medir esse processo pela desindustrialização que vem ocorrendo no período pós-ditadura.

O neoliberalismo, muito mais que uma política econômica, é uma nova estrutura produtiva, política e ideológica que tem como fim aprofundar certos alicerces do capitalismo, como o individualismo, todas as necessidades humanas serem mediadas pela compra e venda e portanto, o mercado como palco de todas relações humanas.

O desmonte da educação pública no Brasil, encaminhado pelo governo Bolsonaro, não é produto de uma desorganização, falta de traquejo político ou incapacidade de gestão nos primeiros meses de mandato. Apesar das narrativas construídas pelo governo sugerirem respostas aos anseios do povo, sua prática demonstra o contrário: movimentações deliberadas que conversam a todo momento com os interesses de parcelas da burguesia nacional e internacional. Como manda a cartilha neoliberal, é preciso aniquilar os resquícios de serviços públicos para abrir campos férteis para o capital se apropriar.

A discussão sobre educação em nosso país, tanto nos setores populares, quanto no panorama político organizado, aparece de forma isolada da estrutura social que, por vezes, não incorpora aspectos determinantes como economia, política, saúde da população, segurança e cultura, pontos essenciais para a vida de um trabalhador.

O atual governo, desde o período eleitoral, já desferia ataques à educação, supondo uma hegemonia da esquerda no ensino básico brasileiro, através do projeto de lei “Escola sem partido”. Professores viraram alvos políticos e foram demitidos, numa declarada tentativa de minar o pensamento crítico nas escolas. Tal agenda se intensificou após sua eleição. A investida contra o “Enem”(Exame Nacional do Ensino Médio), ainda em curso, pode prejudicar diretamente a entrada de jovens negros e negras no ensino superior por todo o Brasil e ainda não sabemos no que mais pode se desdobrar.

O ensino público superior também foi atingido nos últimos meses. Ao contrário das movimentações impostas na educação básica (que tem um caráter de maior presença do Estado na disputa ideológica), a postura em relação ao ensino superior prioriza o corte direto nas verbas destinadas às necessidades básicas das universidades federais. O “contingenciamento” do governo acaba por bloquear 30% do orçamento das instituições federais.

O bloqueio impacta diretamente no acesso e na permanência dos estudantes, bem como na manutenção das estruturas universitárias e contempla tanto o corte de bolsas, auxílios estudantis, quanto energia, água, obras de manutenção, pagamentos de serviços terceirizados de limpeza e segurança, entre outros, conforme nota oficial da UFF (Universidade Federal Fluminense)[5].

A população negra, historicamente excluída do ensino superior, tem aumentado sua presença principalmente no último período de governo social-liberal petista. Hoje a população negra é maioria nas universidades federais, segundo o Andifes[6], embora o número seja ainda aquém se compararmos com a proporção de pessoas negras frente às brancas na população em geral. Os dados mostram também que 30% dos estudantes das universidades federais participam de alguma política de assistência estudantil, e 32,7% acabam desistindo do curso por conta de problemas financeiros, já que 70% dos estudantes têm renda familiar até 1 salário mínimo e meio.

Se o período petista foi extremamente insuficiente para algum salto de qualidade em se tratando da questão racial, mesmo quando focamos na educação, é fato que o governo Bolsonaro avança sobre conquistas obtidas através da luta do movimento negro e dos setores progressistas. O bloqueio de verbas para os institutos federais não é algo feito aleatoriamente, mas parte de um projeto de governo.

Hoje, como sempre, se faz necessária a nossa luta contra a progressão desse desmonte, para que, cada vez mais, nossa classe (de maioria negra e periférica) acesse o ambiente universitário e obtenha condições objetivas para uma melhor situação econômica e de desenvolvimento intelectual. Nesse sentido, é imprescindível a luta por uma universidade popular, que não seja apenas pública, mas que seja controlada pelos trabalhadores e garanta a plena democratização, e o trabalho científico esteja alinhado com as demandas da população em geral e não do grande capital como é feito hoje. Somente com uma universidade de fato popular teremos a população negra acessando de maneira plena os espaços da universidade, seja como estudante e pesquisador, ou usufruindo dos seus serviços, que terão a qualidade necessária.

O momento é de defesa contra os ataques do governo que querem tirar as conquistas que obtivemos com muita luta. Os atos dos dias 15/05 e 30/05 demonstraram que a esquerda e setores mais progressistas não deixarão que acabem com nossa educação pública: haverá resistência. Nesse sentido, os milhares que saíram às ruas colocaram a esquerda novamente no tabuleiro político. O saldo positivo dos atos vai para além da pauta da educação em específico, já que a justiça burguesa já começa a se mexer em favor das revindicações[7]. Foi um passo importante rumo à greve geral do dia 14/06, já que não devemos desvincular o ataque à educação da totalidade. A união dos estudantes com os trabalhadores e demais camadas populares é crucial para o enfrentamento a esse governo reacionário.

Contra os cortes na educação e sobre qualquer direito da classe trabalhadora! Contra o avanço racista do governo reacionário de Bolsonaro!

RUMO À GREVE GERAL DO DIA 14/06!

Comissão Nacional Coletivo Negro Minervino de Oliveira

[1]​

13 de maio: a história dos vencedores e o apagamento da resistência negra

[2]​
http://ujc.org.br/a-destruicao-da-ciencia-e-tecnologia-no-brasil-e-a-necessidade-de-um-pr ojeto-de-educacao-popular-e-socialista/

[3]​https://pcb.org.br/portal2/23276/educacao-ciencia-e-tecnologia-para-que-projeto-de-nacao/

[4]​https://politica.estadao.com.br/blogs/eleicao-mais-educacao/brasil-investe-porcentagem-a lta-do-pib-em-educacao-mas-pouco-por-aluno-diz-ocde/

[5]​
http://www.uff.br/?q=noticias/30-04-2019/nota-oficial-da-uff-comunidade-sobre-corte-de-v erbas-do-orcamento

[6]​https://exame.abril.com.br/brasil/maior-parte-dos-estudantes-de-universidades-federais-e- de-baixa-renda/

[7]​
https://epoca.globo.com/guilherme-amado/justica-manda-mec-suspender-cortes-em-universidades-federais-23726329