Turquia: quem será o alvo dos mísseis russos S-400?

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O Secretário Geral do Partido Comunista da Turquia, Kemal Okuyan, analisa a recente compra de mísseis russos pelo governo da Turquia, em artigo divulgado em 16 de julho pelo PCT.

Um governo pode desenvolver políticas domésticas de forma completamente diferente da direção de sua política externa? Pode um poder político que é hostil ao seu próprio povo defender os interesses dos oprimidos e os pobres na arena internacional e tomar uma posição contra as desigualdades no mundo?

Embora seguir um atalho possa levar a uma resposta falsa, podemos lembrar de proposições que se aplicam a quase todos os exemplos. Um governo não pode ser um lobisomem à noite e ser humano de manhã. A base de classe onde ele se apoia é a mesma dentro e fora. Portanto, só uma contaminação nacionalista pode atribuir virtude à política externa de um governo cuja política interna tenha sido negada quando olhada de dentro. Enfatizamos insistentemente a diferença entre nacionalismo e patriotismo: enquanto o nacionalismo diz “meu explorador, meu ladrão, meu tirano é bom”, o patriotismo atribui a vontade de expulsar os exploradores, ladrões e tiranos do país.

Como regra, nenhum governo pode desenvolver uma política externa exatamente oposta à prática da sua política interna, nem pode haver qualquer disjunção grave entre política interna e política externa. A política externa é uma extensão da política interna.

Mas…

Na política interna, existe apenas uma autoridade, um centro de poder, embora às vezes permaneça no papel. A política externa, por outro lado, é realizada em um ambiente onde a vontade de muitos atores é confrontada e cada uma dessas vontades obtém a fonte de legitimidade das leis internacionais em certa medida. Portanto, um governo não pode transferir sua política interna à política externa como ela é.

Sem dúvida, podemos falar de fatores sociais, políticos e ideológicos que restringem os governos na política interna, mas o caráter dessas restrições mudam na arena internacional. A política externa é perseguida em uma plataforma de dezenas ou até centenas de unidades, cada uma das quais detendo um monopólio de armas dentro de limites definidos e cuja legitimidade é reconhecida internacionalmente, exceto em certas circunstâncias e casos.

Esta plataforma tem uma hierarquia: os países imperialistas mais poderosos estão no topo da hierarquia, mas mesmo os mais fortes têm limites de autoridade ou poder. E nesta estrutura hierárquica, há uma ininterrupta competição que às vezes se transforma em conflito aberto.

Agora, com base nessas proposições, podemos avaliar o exemplo do AKP. É inconsistente apoiar o AKP na política externa e se opor a ele no plano interno. Além disso, sem levar em consideração a estrutura hierárquica na arena internacional e as contradições existentes dentro desta estrutura, é muitas vezes errado repetir a perspectiva da política interna no cenário da arena internacional.

Como exemplo, é claro que existem razões políticas e econômicas para a tentativa do AKP de se alinhar com alguns países progressistas na América Latina. Destacar estas razões de forma consistente e avisar a comunidade internacional dos interesses egoístas da burguesia turca não é suficiente. Não é suficiente porque os interesses do movimento revolucionário na arena internacional devem ser determinados pelo cálculo de equilíbrios muito diferentes, e não pelas necessidades da luta em um único país.

Em um país, o movimento revolucionário deve levar em conta os seguintes parâmetros ao avaliar os desenvolvimentos internacionais:

– Defender os interesses dos trabalhadores no país.

– Defender os interesses dos trabalhadores de outros países.

– Lutar para a restrição e a retirada da agressão imperialista, limitando a capacidade dos países e instituições imperialistas de intervir.

– Acirrar os conflitos dentro do sistema imperialista para criar oportunidades para enfraquecê-lo.

– Fortalecer o movimento revolucionário nos níveis nacional, regional e internacional.

Estas ações podem não levar sempre às mesmas direções, mas um movimento revolucionário deve avaliar esses parâmetros tanto quanto possível e observar a harmonia entre eles.

Como podemos avaliar a compra da S-400 pela Turquia depois de dizer tudo isso? Sem deixar de lado a luta contra o governo do AKP, sem negligenciar a necessidade de revelar a lógica de suas relações com a Rússia e sem viver uma ilusão sobre a classe e o caráter ideológico do poder de Putin na Rússia, deve ser dito que a compra da Turquia de S-400s pode ser interpretada como estando de acordo com os interesses do povo, uma vez que aprofunda as contradições internas da organização terrorista mais poderosa do mundo, a OTAN, na medida em que reduz a sua capacidade de intervenção e faz balançar a influência do imperialismo norte-americano na Turquia.

Eu não estou dizendo que é um desenvolvimento para o benefício do povo, mas um desenvolvimento que pode ser interpretado de acordo com os interesses do povo. Os trabalhadores na Turquia não podem fazer parte da competição no sistema imperialista. No entanto, todas as oportunidades devem ser tomadas para quebrar a influência e o intervencionismo dos países imperialistas ocidentais e das instituições como a OTAN e a União Europeia, que trabalham para aprofundar o atual sistema de exploração, injustiça e desigualdade. Neste sentido, os S-400 devem ser vistos como uma grande fenda no sistema imperialista e não apenas como um sistema de defesa aérea.

A retirada da Turquia da OTAN e o status de candidatura à União Europeia são as demandas pelas quais os comunistas gritam há muitos anos. Estas demandas ainda são reais e agora devemos gritar mais ainda por elas. A participação do governo do AKP no jogo dos S-400s, curvando-se diante dos monopólios estrangeiros presentes no país e não questionando a OTAN e a UE, pode resultar em um desastre que fortalece ainda mais a presença dos países imperialistas.

A maneira de combater este desastre é avançar a luta contra o imperialismo dos EUA e a OTAN. E essa luta nunca deve ser considerada em separado da luta contra a classe capitalista exploradora, que pilha todos os recursos do país, e contra os tiranos no poder que vêm alimentando a classe capitalista há anos.

Os S-400s não devem ser disparados contra a classe oprimida, mas deveriam explodir nas mãos dos opressores…

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Fonte: http://www.idcommunism.com/2019/07/kemal-okuyan-who-will-be-target-of-s400-missiles-purchashed-by-akp-government.html