O Brasil é uma máquina de desigualdade social

imagemSindicato dos bancários de Vitória da Conquista e Região (BA)

Para analisar o projeto de reforma da Previdência Pública, aprovado na Câmara e encaminhado ao Senado, entrevistamos Vinícius Correia, doutor em Serviço Social pela UFRJ e Professor de Economia da Uesb.

Quais as principais mudanças na Previdência Social caso a reforma seja aprovada no Senado como saiu da Câmara?

Primeira constatação: a PEC 06/2019, da forma que foi aprovada na Câmara de Deputados, vai propor uma “nova” fórmula de cálculo para a aposentadoria e pensões concedidas pelos regimes de previdência do setor privado e do setor público federal, já que os servidores dos regimes próprios dos Estados e Municípios não foram incluídos pelo texto aprovado na Câmara, mas podem ser inclusos pelo Senado Federal.

Segunda constatação: essa fórmula vai reduzir o valor dos benefícios, inclusive de trabalhadores com salários mais baixos. Os defensores dessa reforma omitem isso e seguem argumentando que sua finalidade é eliminar os privilégios do sistema previdenciário. Terceira constatação: olhando os dados do próprio governo, no Regime Geral de Previdência Social administrado pelo INSS, 66,5% dos beneficiários recebem 1 salário mínimo; 83,4% recebem menos de 02 salários mínimos. Então, essas pessoas que recebem até 02 salários mínimos são os privilegiados?

Dessa forma, as principais mudanças são: 1) O cálculo da aposentadoria será com base na média de todos os salários de contribuição recolhidos desde 1994 ou posterior a esse ano, dado o momento em que o/a trabalhador/a tenha passado a contribuir. Na legislação vigente, não se leva em consideração os 20% menores salários de contribuição, o que faz elevar a média final da concessão da aposentadoria; 2) A equiparação do benefício de aposentadoria a 60% da média mais 2% por ano de contribuição que exceder a 20 anos, no caso do homem, ou a 15 anos, no caso da mulher, ou seja, para que se atinja aposentadoria integral será necessário que os homens contribuam por 40 anos e as mulheres, por 35 anos; 3) Só vai existir a aposentadoria por tempo de contribuição, extingue-se as outras formas. Os homens precisam ter no mínimo 65 anos de idade e 20 anos de contribuição, e mulheres, pelo menos, 62 anos de idade e 15 de contribuição; 4) Ao atingir o tempo mínimo de contribuição (20 anos para homens e 15 anos para mulheres do setor privado), os trabalhadores do regime geral terão direito a 60% do valor do benefício integral, com o percentual subindo dois pontos para cada ano a mais de contribuição. Ou seja, as mulheres terão direito a 100% do benefício quando somarem 35 anos de contribuição e os homens terão direito a 100% do benefício quando tiverem 40 anos de contribuição; 5) Por fim, é importante ressaltar que o arrocho no valor das aposentadorias se refletirá também nas pensões, que têm como referência o valor da aposentadoria que o segurado recebia – ou o que teria direito a receber, caso se aposentasse por invalidez no momento do falecimento. A PEC 06/2019 aprovada na Câmara de Deputados institui um sistema de cotas familiares e por dependente, que fraciona o valor do benefício. Assim, se o segurado deixar pensão para o(a) cônjuge, esse receberá a cota familiar de 50% e a cota de um dependente, de 10%, o que totaliza 60% do valor de referência. Portanto, essa reforma é um ataque e diminuição da renda para quem vive com até 2 salários mínimos.

É correto afirmar que o projeto acaba com a aposentadoria pública?

Ainda não, pois a capitalização da Previdência Pública não foi inclusa no texto da Câmara. Inclusive, após a aprovação do texto na Câmara dos Deputados, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a mudança para o sistema de capitalização poderia ser debatida pelo Senado Federal e incluída na PEC 06/2019[1]. Entretanto, se a capitalização for inclusa, a administração da Previdência será de competência das instituições financeiras, leia-se bancos, o que levará o fim da administração pública (INSS) da Previdência Social.

Qual a relação desse projeto com a dívida pública e a quem interessa a implementação do mesmo?

O argumento do governo Bolsonaro é que essa reforma irá gerar uma “economia” de, numa perspectiva de 10 anos, algo em torno de 01 trilhão de reais. Com essa “folga” financeira o “discurso” é que o governo teria mais dinheiro para investir na economia. Entretanto, embora seja um dinheiro que deixaria de ser “gasto”, sabemos que esse dinheiro irá para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, ou seja, para rentabilidade e aumento de lucros no sistema financeiro. A “PEC do Teto de Gastos” (Emenda Constitucional N.° 95) ordena que os gastos do governo só podem crescer de acordo com a inflação. Inflação essa altamente controlada, assim, os gastos não crescem nem mesmo se houver crescimento econômico com maior arrecadação. Portanto, nas condições atuais, não existirá a liberação de recursos para investir em outras áreas da economia se a reforma for aprovada. Como os gastos com juros e amortizações da dívida pública não estão inclusos na “PEC do Teto de Gastos”, essa “economia” na reforma da previdência irá alimentar os lucros no sistema financeiro.

Para os trabalhadores, o que representa a aprovação desta reforma em um momento de recessão econômica?

Estamos, no Brasil atual, em uma trajetória de semi-estagnação do PIB, ou seja, se não há crescimento econômico, aumentará o número de desempregados e das formas precárias de geração de renda (chamada pelos sociólogos de “Uberização” da economia). Lembrando que a Reforma Trabalhista do governo Temer não recuperou o emprego e a renda, acentuou ainda mais a precarização do trabalho. Nessa lógica, a redução dos empregos formais e a ausência de investimento em indústria e tecnologia vão rebater sobre a Previdência no sentido direto da redução progressiva na arrecadação previdenciária. Nesse contexto, em um futuro próximo, exigirá reformas e mais apertos. Essa lógica vigente levará a um círculo recessivo econômico.

A Seguridade Social como foi pensada na Constituição de 1988 que inclui a Previdência Social, serve como “estabilizador automático contra cíclicos recessivos”. Já que o mercado de trabalho formal, ao acionar mecanismos como as pensões e seguro-desemprego recebidas pelo trabalhador mesmo nos momentos em que o resto da família está desempregado, ajuda a combater a recessão econômica através de injeções de demanda efetiva, pois essas pessoas irão gastar essa renda em consumo de bens essenciais para sua sobrevivência. Logo, gerará um efeito de multiplicador na economia, fazendo com que ela não entre em recessão. Portanto, ao restringir acesso a renda devido à reforma da Previdência, aumenta-se ainda mais o quadro recessivo em que o Brasil se encontra, elevando o desemprego e a exclusão social.

Como construir um projeto de Previdência que atenda às necessidades da classe trabalhadora?

Primeiramente, precisamos barrar essa PEC para depois pensarmos em uma Previdência que realmente atenda às necessidades da classe trabalhadora. Essa previdência dos trabalhadores tem que ser regida pelo princípio da solidariedade, acabar com as isenções fiscais, criar alíquotas progressivas de contribuições previdências para altas pensões e aposentadorias, pensar uma reforma para os militares, legislativo e judiciário. Dessa forma, para resolver o problema da Previdência tem que se pensar um modelo econômico diferente do atual, aliado a uma reforma tributária no sentido de redistribuir a renda, lembrando que o Brasil ainda não instituiu os impostos sobre lucros e dividendos. Para finalizar, o Brasil é uma máquina de desigualdade social, então é pensar em outro modelo econômico inclusivo e socialmente justo.

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