Pela legalização do aborto

imagemNÃO à criminalização das mulheres!

28 DE SETEMBRO – DIA LATINO AMERICANO E CARIBENHO DE LUTA PELA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO

Mercedes Lima – membra do Comitê Central do PCB e do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro

As origens

O primeiro Encontro Feminista da América Latina e Caribe aconteceu em 1981, Bogotá, Colômbia. O segundo realizou-se em 1983, Lima, Peru. O Brasil (Bertioga) sediou o terceiro em 1985; em 1987 foi a vez do México. Na Argentina (San Bernardo, 1990), San Salvador ( Costa del Sol, 1993) no Chile (1996), enfim, os encontros prosseguem. A força das mulheres transforma esses encontros em verdadeiros marcos de conquistas para elas.

Assim foi no Congresso de 1990 na Argentina, no qual restou estabelecido o dia 28 de Setembro, historicamente construído como o Dia de Luta pela Legalização do Aborto na América Latina e no Caribe. Nessa data, anualmente, as mulheres saímos às ruas para defender o direito de decisão sobre nossos corpos e contra o patriarcado capitalista, nos integrando numa rede tecida pelas feministas da região, construindo esse espaço de lutas de compartilhamento de ideias, propostas, experiências, problemas e, claro, sonhos também.

Sem prisões, sem mortes

Contrariando todas as pesquisas nas quais a maioria da população brasileira é contrária à prisão da mulher por ter feito aborto, estamos vivendo um momento de regressão e de perda de direitos nesse campo. Diversos são os projetos no Legislativo, apresentados pelos parlamentares conservadores, como o do Estatuto do Nascituro que proíbe o aborto até mesmo nos casos de estupro e risco de vida para as mulheres (atualmente permitidos), proibição de discussão e apreciação de ações judiciais protetoras dos direitos das mulheres no STF, proibições de inclusão da questão de gênero nas escolas e outras medidas ultraconservadoras. Recentemente, aventou-se até mesmo a hipótese de garantir aos violentadores a formalização da paternidade.

No governo Bolsonaro, aqueles que defendem o processo de criminalização são os mesmos (conservadores e fundamentalistas) que impedem as iniciativas de educação sexual para adolescentes e que as questões de gênero sejam ventiladas nas escolas, que lutam contra a distribuição e venda de contraceptivos de emergência, que impedem as mulheres de terem acesso às informações seguras sobre métodos de aborto, que limita os recursos na área da saúde.

Nossa Saúde e o controle sobre nossos corpos

Em 1968 a ONU reconheceu o direito de todas as pessoas a escolher livre e responsavelmente sobre o número de filhos que desejam, no entanto, no Brasil não há planejamento familiar e sim a eterna tentativa de controlar o corpo da mulher. Os contraceptivos continuam não acessíveis a todas as mulheres, não há conexão entre saúde e educação, são limitados os recursos para o PAISM – Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher.

Na década de 1970, o Movimento Feminista e de Mulheres que atuavam na área da saúde, criticando a atuação das clínicas privadas de planejamento familiar, vão, juntamente com médicos (as) e sanitaristas, discutir e propor a criação de um Sistema Único de Saúde ( o SUS ) para garantir acesso igualitário e universal aos serviços como é até hoje ( agora sendo lentamente sucateado para a volta das clínicas privadas novamente…). Tempos depois advém a Previdência Social com uma inovação: a de ter, além de uma legislação pertinente, um corpo teórico próprio depois abarcado pelo mundo acadêmico ( uma inovação do professor e jurista Aníbal Fernandes ). A preocupação com a saúde da mulher não pode ser apenas no momento da gravidez ou do parto, daí também se cria o PAISM – Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher. (1)

O certo é que o PAISM, revolucionariamente, rompe com a visão restritiva da saúde da mulher atrelada ao ciclo da gravidez. Afinal, prevenir gestações não desejadas reduz o recurso ao aborto, e este, enquanto não for descriminalizado, gerará mortes das mulheres, especialmente as mais pobres, as jovens e as negras, para as quais, segundo o Ministério da Saúde, o risco de morte por aborto inseguro é 2.5 vezes maior do que para as mulheres brancas.

Daí a grita das mulheres por justiça reprodutiva, isto é, o direito humano a não ter filhos, a ter filhos, o direito à livre expressão de sua sexualidade, à autonomia do próprio corpo. Políticas públicas voltadas para o controle de epidemias, infecções sexualmente transmissíveis, saúde reprodutiva, enfim, à saúde integral das mulheres é que lhes trazem segurança. Políticas públicas para uma vida digna das mulheres focadas na superação da violência, dos preconceitos e, obviamente, na ampliação da rede de serviços para atender as demandas das mulheres: trabalho, creches, atendimento humanizado ( além do parto, antes e depois dele ).

Não há parto humanizado desvinculado do acompanhamento à saúde integral da mulher

A violência contra as mulheres gestantes, chamada pelos movimentos sociais de “violência obstétrica”, é caracterizada pela recusa de atendimento, pela não oitiva das mulheres, por agressões verbais e psicológicas e procedimentos médicos desnecessários nas fases do pré-natal, no parto e no pós-parto. O estímulo ao parto cesariano guarda relação direta com as regras do capitalismo ( parto menos demorado, menor tempo de atendimento e ainda propiciador de realização de laqueaduras). O Governo de Bolsonaro – contra as mulheres – exigiu que, oficialmente, o Ministério da Saúde retirasse a expressão nominal “violência obstétrica” dos seus documentos, portanto, negando o problema que afeta milhões de mulheres. Os governos estaduais (como o de Dória, em São Paulo, através da Lei 435/2019) estão incentivando as cesáreas.

O aborto na sociedade de classes

Numa sociedade de classes, criminalizar o aborto é criminalizar a pobreza, já que as mulheres ricas são atendidas em clínicas, ainda que ilegais, com bons profissionais, bem aparelhadas, seguras e obviamente caras, situações não acessíveis às mulheres pobres, às trabalhadoras, para as quais resta a gravidez indesejada, com todas as suas consequências e sequelas, a prisão e, muitas vezes, a insegurança e a morte. Por medo de ser denunciada, a mulher realiza o procedimento no ambiente doméstico, sem proteção, o que, quase sempre, a leva, ironicamente, para realização de curetagem (retirada do material placentário) no SUS, onde, aliás, com frequência, a mulher acaba sendo atendida com discriminação, em função da tentativa frustrada de aborto. Nessa sociedade de classes, a reprodução assistida, por exemplo, é apenas para as mulheres da burguesia, já que o SUS nega, em geral, esse tipo de assistência. Assim, o capital sacraliza a vida, mas não apoia a mulher trabalhadora quando esta quer gerar uma vida!

Nenhuma mulher deseja o aborto, mas, no estado burguês, há quase que uma impossibilidade social de controle da própria sexualidade, na medida em que a gravidez indesejada é resultante de situações sociais estruturais no capitalismo: violência sexual, recusa de uso de métodos contraceptivos por parte dos homens, falhas nos métodos, limites aos acessos à informação, aos métodos, desemprego etc.

A “escolha” da mulher no capitalismo ocorre em um contexto da economia de mercado, em que é comercializada. A tomada de decisões reprodutivas não está isenta desta influência: reprodução e economia se imbricam na base material: o aborto, o parto, a criação e educação de crianças têm um custo real.

As mulheres temos que continuar lutando contra a posição política de tratar o aborto como assunto penal ou de polícia, devendo o mesmo ser trazido para o campo da política pública de saúde integral à mulher, apontando, portanto, para a legalização do aborto como uma forma de respeito à decisão soberana das mulheres sobre suas vidas, seus corpos e sua sexualidade, sem a exploração no trabalho, a escravização moral e sexual a que estão ideologicamente sujeitas as mulheres no patriarcado, no capitalismo. A sociedade socialista facilitaria essa perspectiva!

(1) Luta que tem à frente as (os) comunistas do PCB – Partido Comunista Brasileiro – assim como na Previdência, também do PCB, o professor e jurista previdenciário Aníbal Fernandes.