“Março já vem”: Chile inicia ano histórico

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por Pedro Santander | CELAG – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera

Março começou no dia 23 de fevereiro no Chile. Essa peculiaridade ocorre porque o país andino está vivendo uma peculiaridade ainda maior: pela primeira vez existe a possibilidade de que a Constituição no país seja elaborada democraticamente.

O ciclo aberto pela explosão social no 18 de outubro do ano passado, única na história do país – tanto por sua massividade, intensidade e duração como também porque não foi controlada através de um massacre – culminará sua primeira etapa no 26 de abril. Nesse dia se realizará um plebiscito que perguntará aos chilenos e às chilenas se querem (ou não) uma nova Constituição, e mediante qual mecanismo: convenção mista ou convenção constitucional.

Desde 18 outubro até hoje aconteceram milhões de coisas, mas talvez o mais surpreendente é que a mobilização social tenha se mantido ativa, quente como brasa, durante o mês de fevereiro. Ocorre que, no Chile, fevereiro é o mês das férias, do fechamento das escolas, universidades, do Parlamento, da saída massiva de turistas de Santiago a outros destinos, etc., isto é, é a época do ano em que há menos atividade política. E, efetivamente, o establishment apostava que durante essas semanas de verão nos esqueceríamos das demandas e dos protestos. Não aconteceu. Em cada sexta-feira, nas principais cidades do país se realizaram importantes mobilizações de rua, os enfrentamentos com os Carabineros têm sido diários, assim como as violações aos Direitos Humanos. Hoje, já temos 445 pessoas com os olhos feridos (34 com perda total), 17 das quais foram atingidas só no mês de fevereiro, de acordo com as cifras oficiais do Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH).

O verão tem sido quente, vermelho, mais do que qualquer um, dadas as condições, poderia imaginar ou antecipar. De fato, os poucos eventos de massa que ocorreram foram marcados por protestos sociais. Por exemplo, a primeira divisão do futebol: eles tiveram de suspender várias partidas por conta dos protestos dos torcedores, que lembraram nestas semanas que dois torcedores do Colo Colo foram mortos, um atropelado por uma viatura policial e o outro com um tiro na cabeça quando protestava pela morte do primeiro. Também houve alguns festivais de verão nas cidades provinciais, e em todos eles ocorreram manifestações do público com demandas sociais e, sobretudo, cantos contra Piñera (irreproduzíveis neste escrito).

Mas agora, em 23 de fevereiro, o maior festival chega: o Festival Viña del Mar, que reúne anualmente milhares de pessoas na Quinta Vergara, gerando os mais altos índices de audiência televisiva, transmitidos ao mundo, e que reúne artistas de classe mundial. Será o bastão que medirá como o início do ano chegará. O público da Quinta – conhecido como El Monstruo – é um bom termômetro nesse sentido. E o establishment sabe disso. Por esse motivo, estão sendo tomadas medidas para lembrar as adotadas na ditadura: detectores de metal em vários pontos, revista de malas para os participantes, aumento de câmeras policiais e de vigilância, avisos explícitos aos comediantes para que não ultrapassem os limites, aplausos falsos para cobrir os gritos contra autoridades e, o mais incrível, a proibição do uso de banners feitos por pessoas.

Mas o El Monstruo não é fácil de controlar e intimidar, como já foi demonstrado nos anos 80, durante a ditadura. E agora tem uma aliada de nível mundial, a artista Mon Laferte, que denunciou ao mundo as violações de direitos humanos cometidas pelo governo de Piñera e que entra em palco nesta segunda-feira.

“Março já vem”, é a frase que hoje se escuta em muitos rincões do país, em referência à luta social. E março começa com o festival, segue com o 8 de março feminista que já no ano passado reuniu milhares de mulheres por todo o país, e continua com a volta às aulas de centenas de milhares de estudantes, culminando no Dia do Jovem Combatente, no dia 29 de março, em comemoração e homenagem a três jovens do MIR, Paulina Aguirre (19 anos), Eduardo Vergara (20) e Rafael Vergara (18), assassinados por agentes do Estado em 1985.

Março já vem, e será esse um mês decisivo para ver se o ciclo aberto no 18 de outubro pelo povo do Chile, que porá fim na transição, se encerrará num plebiscito à direita – com o “rechaço” – ou pelo lado popular – com a opção “aprovo” -, e, sobretudo, se triunfa o mecanismo de “convenção constitucional”.

Todos parecem se preparar para o que vem. Vejamos o que nos dirá março em fevereiro.

Pedro Marin
24 anos, é editor-chefe e fundador da Revista Opera. Foi correspondente na Venezuela pela mesma publicação, e articulista e correspondente internacional no Brasil pelo site Global Independent Analytics. Tem artigos publicados em sites como Truthout, Russia Insider, New Cold War, OffGuardian, Latin America Bureau, Konkret Media e Periferia Prensa. É autor de “Golpe é Guerra – Teses para enterrar 2016”.

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