Crime de lesa-humanidade

imagemBRASIL: ENTRE O ISOLAMENTO SOCIAL E O CRIME DE LESA-HUMANIDADE

Hiran Roedel – membro do Comitê Central do PCB

O passado escravista brasileiro continua assombrando a força motriz da economia. Para melhor situar o leitor, o trabalhador, naquele regime, era despossuído de humanidade, visto apenas como uma ferramenta para produzir e gerar lucro, com uma vida útil de exploração calculada para que fosse capaz de repor o capital investido. Sua qualificação era desprezada e seu estado de saúde deveria atender apenas aos interesses de seus possuidores: ou seja, a garantia de restituir o capital adiantado. Nesse sentido, as condições de saúde, de trabalho e de moradia não eram preocupação, ficando longe de atender as premissas mínimas destinadas aos seres humanos.

Hoje, 122 anos após o término legal do regime da escravidão, no Brasil, a elite dominante mantém a mesma lógica dos antigos escravocratas. Isto é, o trabalhador permanece entendido como mero reprodutor e ampliador do capital investido.

Observemos os próprios dados oficiais para melhor analisar. Existem no Brasil, aproximadamente, 6,5 mil favelas, onde vivem cerca de 11,5 milhões pessoas, ou 6% da população. A característica principal dessas comunidades, devido à falta de saneamento e ao alto grau de densidade populacional por metro quadrado, é a insalubridade.

Geograficamente, a região Sudeste é a que concentra o maior número de favelas, com 49,8% do total no país, liderados pelos estados de São Paulo (23,2%) e Rio de Janeiro (19,1%). O Nordeste concentra 28,7%, o Norte 14,4%, o Sul 5,3%, e o Centro-Oeste com 1,8%.

Acrescentemos a esse cenário os dados de acesso ao saneamento básico, em que 31,1 milhões de brasileiros (16% da população) não dispõem de água encanada e 74,2 milhões (37%) moram em áreas onde não existe coleta de esgoto. E que, também, 11,6 milhões de brasileiros (5,6%) vivem em habitações com mais de 3 moradores por dormitório, além de que outros 5,8 milhões não têm, sequer, banheiro em casa.

Essa situação se torna mais grave quando observamos os seguintes dados: no país, 10,4 milhões de brasileiros (5% da população) sobrevivem com 51 reais mensais, 13,5 milhões vivem na pobreza extrema, com até 145 reais por mês. E, ainda, a metade da população, aproximadamente 104 milhões, ganha em média 413 reais mensais, enquanto que, por outro lado, dentre os que recebem 15 salários mínimos, 9% população, contabilizam quase 40 vezes mais que esses mais pobres. Situação que se agrava quando observamos que somente cerca de 75 mil pessoas têm patrimônio superior a 1,5 bilhões de reais.

Podemos afirmar, diante disso, que a elite dominante brasileira permanece concebendo politicamente a sociedade a partir do pensar de que os oprimidos são meras ferramentas de reprodução e ampliação do capital investido. E, por extensão, as condições de vida desses últimos não são prioridades políticas.

Atrelados a essa concepção, não podemos nos esquecer, estão as medidas de redução das verbas nas áreas sociais ocorrida no governo Temer, em 2018, cujo objetivo era gerar economia em torno de 3,4 bilhões. Mas, na prática, essa política buscava facilitar a expansão do capital privado dos planos de saúde, por exemplo.

Na mesma linha seguiu o governo Bolsonaro, ao aprofundar a política de redução das verbas para as áreas sociais. No seu primeiro ano de governo (2019) a área da Saúde perdeu 20 bilhões de seu orçamento e, em 2020, encolheu ainda mais, perdendo outros 4,3%.

Com a Educação não foi diferente. Esta teve um corte de 19,8 bilhões (16%), comprometendo o desenvolvimento de pesquisas em ciências e a formação de profissionais em todas as áreas.

Sim, diante desse quadro, podemos afirmar que o Covid-19 tem um potencial de atingir a todos, porém, se considerarmos o cenário socioambiental em que vive a maioria, mais a permanente redução orçamentária das áreas sociais, temos de acrescentar que não atingirá a todos nas mesmas condições. Afinal, as circunstâncias para a mutação e proliferação do vírus estão diretamente relacionadas ao ambiente mais favorável. Nesse caso, a falta de saneamento associado à precarização das condições da saúde pública interferem de forma mais perigosa para os oprimidos. Por isso, o isolamento social, nesse momento, é uma alternativa para minimizar as consequências da epidemia.

Se, no início, a expansão do coronavírus teve o corte de classe, pois foi trazido por pessoas em viagem no exterior que têm recursos de atendimento pelos planos de saúde privados, hoje não são mais esses suas únicas vítimas. O aumento de casos tende a afetar de forma mais perversa a classe popular, tendo em vista as condições sociais a que estão submetidos.

Diante disso, propor a livre circulação de pessoas, tal qual defende de forma irresponsável o presidente Bolsonaro, resultará no fato de que as principais vítimas serão, justamente, os oprimidos, pois são eles que dependem do precário sistema público de saúde.

Mais que irresponsabilidade, é crime contra a população, ou seja: é uma conduta de lesa-humanidade. É a afirmação da velha ideia das elites: o trabalhador é apenas uma mera ferramenta para reproduzir e ampliar o capital investido, nada mais!

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