Isolamento, irracionalismo e a contradição principal

imagemFoto de Euzivaldo Queiroz, do site www.acritica.com

Por Caio Andrade*

Não se deve subestimar a estupidez de Bolsonaro, mas seu ativismo contra o isolamento não decorre de uma simples falta de conhecimento. Por mais distante que seja sua relação com a ciência, a essa altura dos acontecimentos ele e todos os governantes do mundo têm plena consciência de que o descumprimento das orientações da OMS multiplicará o número de mortes.
Assim sendo, a real explicação sobre a atitude do capitão é simples: ele não se importa nem um pouco com as vidas das pessoas. Está muito mais preocupado com “a economia”, ou seja, com os interesses capitalistas. Sua visão de mundo é baseada no mais grosseiro darwinismo social, isto é, deixem o vírus se propagar de uma vez, os mais frágeis morrerão, os mais aptos sobreviverão e então tudo estará resolvido. Há um método na aparente loucura.

Mas a questão vai muito além do abominável presidente da república. Não nos esqueçamos das declarações de figuras como Roberto Justus, Luciano Hang, Alexandre Guerra e Junior Dursky: é preferível sacrificar milhares de vidas do que prejudicar “a economia”, ou seja, do que arranhar seus monstruosos lucros.

Isso explica, por exemplo, por que o governo federal tem feito de tudo para dificultar o acesso dos trabalhadores à renda básica emergencial. Quanto mais desespero, maiores são as chances de recrutar adeptos na campanha pelo fim do isolamento sanitário, evitando qualquer distribuição de renda e retomando rapidamente os negócios.

Nesse contexto, a demissão de Mandetta do Ministério da Saúde alimenta uma certa polarização entre ciência e terraplanismo que seduz boa parte da esquerda. Todavia, resumir todo o debate à polêmica sobre o isolamento e flertar com uma burguesia supostamente racional, que defende as recomendações médicas, é jogar água no moinho dos liberais.

Não se pode jamais esquecer que os liberais têm mais semelhanças do que diferenças entre si. Todo liberal, de uma forma ou de outra, defende que o ônus da crise em que o mundo está mergulhado seja assumido pela classe trabalhadora. Uns pregam abertamente a morte de milhares de pessoas. Outros retiram direitos dos trabalhadores enquanto preparam mais contrarreformas e ajustes fiscais, destruindo, inclusive, o Sistema Único de Saúde.

O mesmo Mandetta, que agora veste colete do SUS, votou a favor do teto de gastos que retirou 9 bilhões da saúde pública. Os mesmos parlamentares que encenam oposição ao governo aprovaram a Medida Provisória 905 – o chamado Programa Verde e Amarelo. O STF, por sua vez, fortalece a MP 936, dispensando o aval dos sindicatos para os “acordos” individuais entre patrões e empregados durante a pandemia.

Portanto, qualquer ação política para subsumir a classe trabalhadora às disputas entre Bolsonaro e Mandetta, Rodrigo Maia, STF ou governadores deve ser caracterizada, no mínimo, como um equívoco monumental ou, pior, como puro oportunismo.

Não cabe aos trabalhadores escolher entre morrer com coronavírus, perder o emprego, morrer de fome ou perder direitos. A fortuna acumulada nas mãos dos capitalistas é mais do que suficiente para financiar o isolamento sanitário e o sistema de saúde sem precisar de demissões ou redução de salários. Sabemos quem produziu essa riqueza. Sabemos também que a burguesia não vai abrir mão dela, a menos que seja forçada a isso. Não existe trégua na luta de classes.

* Professor de Geografia, diretor do SEPE de Duque de Caxias/RJ e membro do Comitê Central do PCB

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