Por que não precisamos ver o vídeo na integra

imagemPor Mauro Iasi

Enquanto se discute no STF se será ou não divulgado o vídeo da reunião presidencial, nos pomos a pensar: será que precisamos ver o vídeo?

Não me refiro ao problema jurídico ou à necessária transparência, mas às informações que viríamos a conhecer. Creio que neste sentido não precisamos ver o vídeo porque já sabemos bem o que nele estará, senão vejamos.

O vídeo é de uma reunião ministerial de um governo descontrolado liderado por uma pessoa de mau caráter, tosca e violentamente estúpido. Sabendo disso, é natural que ele se expresse na reunião ministerial sem que busque qualquer tipo de adequação da fala ao lugar e às circunstâncias, pois parece que a figura não tem esta capacidade instalada, de forma que o que veríamos no vídeo é o Presidente da República exalando estupidez, grosserias e palavrões, através de frases curtas e simples, preconceituosas, grosseiramente baseadas em um senso comum irracional, anticientífico, incivilizado, com preocupações centradas no imediato de sua pessoa e sua família.

Seus ministros são pessoas que aceitaram participar de um governo de extrema direita liderado por um insano, portanto, são tão desclassificados como seu chefe, uns tentando se mostrar à altura da indignidade e estupidez fariam piadas inadequadas, expressariam juízos brutais, distorceriam a verdade para agradar ao chefe como bons subalternos submissos. Outros, não por caráter, pois os que têm não aceitariam ir a um governo desta natureza, mas por incômodo de ter que se submeter a alguém cuja capacidade rasteja ao rés do chão, ficariam incomodados, mas calados e cúmplices como estão desde o início do desgoverno em que participam.

Weintraub na reunião pronunciará uma ou duas bobagens, sabemos pelo fato de que este ser desprezível só fala bobagens. Damares pronunciará um delírio qualquer como quem anuncia uma profecia, ou prega no deserto. Araújo balançará a cabeça em sinal de concordância enquanto sua mente doentia divaga sobre suas últimas leituras de Olavo de Carvalho, o globalismo, o complô comunista mundial e quando despertar o presidente terá terminado uma frase com a expressão “talquei” e ele esboçara um sorriso demente para não transparecer que discorda do messias. Provavelmente o ministro do meio ambiente passará a reunião queimando coisas no cinzeiro à sua frente enquanto o astronauta cochilará porque dormiu mal por conta de um travesseiro horrível que é obrigado a usar por força de um contrato publicitário.

O ministro da economia, talvez o único de máscara, terá cabeça baixa e viajaria no éter de seu pensamento em contas e projeções de uma suposta retomada de um crescimento da economia, não no sentido de salvar o país de uma catástrofe iminente, mas no quanto a catástrofe poderia render para suas aplicações.

Os militares, com rostos severos e carcomidos por fantasmas, olham com desprezo para a triste figura que pronuncia impropérios e pensam em como acobertar a próxima presepada para fazer de conta de que tudo vai bem enquanto pensam em planos de contingência para quando tudo der muito mal.

O vídeo da reunião trará informações, mas creio que elas dizem respeito a fatos que já conhecemos: os ministros e o presidente não tratam em suas reuniões de questões relevantes para o país mergulhado em uma pandemia que já matou mais de dez mil pessoas, o Presidente da República está preocupado em proteger seus filhos de investigações que podem revelar seus vínculos com atividades criminosas (rachadinha, Queiroz, cheque da Michele, escritório do crime, assassinato de Marielle, esquemas de divulgação de fake News, etc.), o presidente estava preocupado com o comando da PF e a superintendência do Rio de Janeiro, descontente com o Ministro da Justiça, convencido que a cloroquina é eficiente, que é um exagero o distanciamento social e ninguém, fora ele, percebe a necessidade de proteger a economia e voltar ao trabalho, que os governadores estão armando um complô contra ele comandado pelo Dória.

Provavelmente a reunião foi encerrada com alguma afirmação autoritária do Presidente, do tipo “que manda aqui sou eu” ou “eu coloquei eu posso tirar”, “tem que estar afinado comigo, talquei, tem que mudar isso aí “, ou outra ameaça qualquer. Vai se levantar fazendo uma piada qualquer de mau gosto, provavelmente machista e homofóbica, se der tempo, xenófoba, que despertará risos e concordância por parte de Weitraub e Araújo.

Não, não precisamos ver a fita inteira, não precisamos deste governo, deste presidente e destes ministros. Precisamos nos levantar no meio da sessão, jogar pipoca na tela, exigir o dinheiro de volta… mas não podemos sair do cinema, estamos no filme, como figurantes que vão à praia, ver o prefeito discutir com o delegado se deve ou não liberar o mar para nadar, entrar correndo na água, alegremente pulando as ondas segurando a mão de nossos avós e filhos pequenos enquanto os acordes de uma música de suspense anuncia a enorme barbatana que se aproxima da orla.

Mauro Iasi é educador popular do NEP 13 de Maio, professor Associado da Escola de Serviço Social da UFRJ e pesquisador do NEPEM. É membro do Comitê Central do PCB.

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