EUA: essência e aparência da luta antirracista

imagemUm policial branco reconhecidamente racista e supremacista executou George Floyd, negro de 46 anos / Nicholas Pfosi Reuters

Eduardo Serra – Secretário de Relações Internacionais do PCB

A intensa onda de protestos antirracistas gerada a partir do assassinato de George Floyd, em Minneapolis, que varre os Estados Unidos de costa a costa, destampa uma panela de ódios históricos e reflete a dura realidade em que vivem dezenas de milhões trabalhadores norte-americanos.

Não é de menor importância o fato de que Floyd foi morto por asfixia, de forma deliberada e cruel, pelo policial branco Derek Chauvin, que tinha sido seu colega de trabalho anteriormente, em uma empresa de segurança. Tampouco tem menor relevância o fato de que as manifestações se mantenham fortes, mesmo diante da violência policial ocorrida em muitas cidades e das ameaças do presidente Donald Trump de pôr o exército na rua para impedir a sua realização.

O ódio racial se mantém vivo nos EUA, principalmente nos Estados do sul, onde a defesa da permanência da escravidão para a manutenção dos lucros dos grandes proprietários de terra com a produção de algodão para o mercado interno e para a exportação levou à formação dos Estados Confederados e à guerra civil contra o governo da União, apoiado pelos estados mais industrializados do norte, que precisavam de mais assalariados para fazer girar a roda da economia e fazer avançar o processo de acumulação capitalista.

A derrota na guerra civil não eliminou a exploração do trabalho e sua intensa precarização, no sul e também no norte do país, para onde milhares de ex-escravos migraram, em busca de trabalho, tendo recebido, em muitos casos, não apenas o desprezo da maioria branca – negros eram considerados seres inferiores e não tinham alma, era o que se ouvia na escola – mas também a violência organizada por instituições e grupos sociais organizados. Os novos “trabalhadores livres” herdaram a desigualdade, a exclusão e a miséria, elementos que se mantêm em grande escala, até os dias de hoje, na população negra.

Essa condição se mantém viva, principalmente nos estados do sul, onde polícia e entidades como a odiosa Ku-Klux-Kan permanece ativa, pregando o ódio racial e agindo de forma violenta contra os negros (e outros grupos minoritários, como os judeus e os homossexuais) e incentivando a disseminação de ideias como a da “supremacia branca”. Essa é a razão pela qual o policial branco assassinou o ex-colega negro.

A revolta contra o assassinato despertou a revolta de milhões de trabalhadores – negros e brancos, nativos e imigrantes, homens e mulheres – cansados das condições de desemprego ou emprego precarizado e informal em que vivem, mobilizou cidadãos e cidadãs que vieram às ruas se manifestar contra o ódio racial e contra a falta de saúde pública, de seguridade social, deixada evidente pela incapacidade do governo em fazer frente à pandemia do Coronavírus, que já deixou mais de cem mil mortos no país, que tem, como pano de fundo, as características do sistema capitalista, como a geração de desigualdade e da exclusão, com seu agravamento sob a hegemonia liberal. A revolta se deu também pela absurda falta de empregos e de respeito aos direitos mais fundamentais da cidadania, como o de livre expressão e em oposição às posturas declaradamente fascistas de Trump.

Como em outras ocasiões semelhantes, as grandes manifestações de rua, em geral pacíficas – são enfrentadas com violência pelo aparato policial. Mas o movimento despertado pelo assassinato vem tomando proporções cada vez maiores, que derrotaram as ações repressivas da polícia e mesmo o toque de recolher decretado em algumas cidades.

Essa movimentação antirracista e antifascista bate de frente com o governo Trump, eleito com o apoio de setores do grande capital e também de grupos supremacistas brancos e grupos fascistas que se sustentam no racismo, machismo, homofobia, combate a imigrantes e na defesa da repressão explícita contra esses setores e contra a classe trabalhadora e suas representações políticas e sindicais. Acuado, desmoralizado pelo fracasso dos Estados Unidos no combate à pandemia do Coronavírus, perdedor no comércio mundial e no terreno político internacional, Trump apela para o uso da força no plano interno, assim como faz no plano internacional.

O objetivo das manifestações é protestar contra o racismo e exigir uma mudança nas relações sociais e na ação do Estado que avance no sentido da superação do ódio racial. No entanto, as manifestações fazem surgir e crescer a consciência quanto às causas profundas não apenas do racismo mas também do desemprego e da precariedade em que vivem dezenas de milhões de trabalhadores nos EUA. Cresce a percepção da necessidade de mudanças na forma como se estrutura o sistema de representação política e do próprio Estado americano, dedicados à defesa dos interesses dos ricos e para a manutenção das ações imperialistas, voltadas a arrancar riquezas de outros países e explorar outros povos.

Se nesse momento a revolução não se apresenta como provável, crescem os movimentos de cunho socialista e acirra-se a luta de classes!