Um governo em duas horas – parte 2/3

imagemHenrique Suricatto*

As reações e os dias seguintes….

Como esperado do maior e mais icônico telejornal da TV Brasileira, o Jornal Nacional de 22 de maio de 2020 abriu com um ar de fabulosidade de um grande acontecimento na conjuntura, e de fato é. A euforia na redação dos principais veículos de comunicação burguesa precisava ser mediado com um fato tão grande quanto a crise política e que deveria ser a prioridade máxima dos brasileiros: o Combate ao Coronavírus. Menos de uma semana depois da divulgação do vídeo (30.05), atingimos 27 mil mortos, 450 mil infectados e qualquer indivíduo sensato sabe da enorme subnotificação existente. A nossa classe trabalhadora precisa descer os caixões lacrados de seus mortos pelas vielas das nossas periferias sem direito a velório enquanto a fome e o desemprego chegam com a violência característica de uma crise. Esta é a barbárie e este monstro precisa ser encarado frente a frente, não importando o estado em que nos encontramos diante da fera. Os eventos ocorreram entre 22 e 31 de maio.

I – A imprensa.

Assim como apenas três agências de noticias são responsáveis pela grande massa de conteúdo jornalístico e influência de opinião produzido no planeta (AP, Reuters e AFP), no Brasil, tanto a massa de conteúdo produzido quanto a opinião da imprensa tem a centralidade em três redações, as paulistanas Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo (Estadão) e a poderosa carioca O Globo. No caso da Globo, o aparato midiático pesa muito mais que o seu jornal impresso/digital em si.

Entretanto, diante de um governo que as toma como inimigas, com direito a exposição de manchetes da Folha sobre as investigações contra a base política bolsonarista, outros grupos de comunicação merecem destaque, não pelo seu tamanho em si, mas por conter a síntese do pensamento de determinados agentes na conjuntura. O “Pró” e o “Contra”.

A expectativa maior do vídeo para a imprensa era saber se conseguiriam obter provas da interferência na Polícia Federal, que a insistência da troca de Valeixo por Ramagem era claramente para favorecer Flávio Bolsonaro nas investigações sobre os esquemas de corrupção operados por este quando era deputado estadual, em 2018. Sérgio Moro viu neste movimento a “gota d’água” para sair do Ministério da Justiça.

Filmar uma reunião do alto escalão que trata de assuntos delicados e onde questões chave da condução de um governo são discutidos sem rodeios é, no mínimo, estúpido, qualquer estado sabe disso desde Watergate. E claro, geraria suspeitas sobre o óbvio sendo exposto.

A Folha de São Paulo, em sua redação do dia seguinte, logo estava enxurrada de artigos de opinião, praticamente todos os seus colunistas queriam dar um pitaco sobre este fato histórico. No dia seguinte escreveu:

“evidencia-se, nos termos chulos, nos rompantes autoritários e nas exibições de incapacidade gerencial diante de uma crise monstruosa, que Jair Bolsonaro aviltou e avilta a Presidência da República, colocada pelos constituintes de 1988 no pináculo do edifício democrático. A democracia que o elegeu é a mesma que tem sido vilipendiada por seus atos e por suas falas” 23.05 – “Bolsonaro mente”

Sobre Ricardo Salles, nosso ministro do desmatamento…quer dizer, do meio ambiente, as suas falas sobre “passar a Boiada” não foram nada bem vistas, e não é para menos, este que leva a fama de fazer pouco caso com a histórica série de queimadas do segundo semestre de 2019, cuja fuligem da fumaça chegou até São Paulo. O mesmo sujeito que consegue a proeza de ser expulso do liberal Partido Novo compartilhando de todos os seus ideais, foi vulgar demais em suas posições.

Weintraub é a síntese da total falta de decoro compatível com o cargo. O mínimo de retórica verbal que a burguesia pede para o planalto não existe no Governo Bolsonaro, e talvez seja isso que tanto os incomoda, pois as primeiras reações foram concentradas, sobretudo, no uso de termos chulos para tratar de questões tão cruciais para a sociedade brasileira. Imaginaram, por um momento, os tempos de Temer, cuja picaretagem era disfarçada com a mais refinada retórica de um advogado de cadeia, mesmo nos dias pós-Joesley, em que o 18 de maio de 2017 nos cortejou com aquelas gravações.

Paulo Guedes e sua firme posição em defesa de seu programa econômico, além de receber a defesa de Bolsonaro, foi motivo de análise cuidadosa da revista Veja, o motivo da reunião era discutir o programa Pró-Brasil proposto pela cúpula militar do Governo, e os atritos de Rogério Marinho e Braga Neto parecem ser uma sinalização da divergência entre a ala militar e a ala econômica.

Sobre as provas em si – as tais provas – a mídia fez o seu esforço para demonstrar aos seus leitores as tais evidências que Moro citou como provas de interferência na Polícia Federal. Realizaram uma edição com base nas posições em que cada um estava sentado na reunião ministerial, e Moro se encontrava na mesma mesa de Bolsonaro, Mourão, Braga Neto e Ernesto Araújo. No momento em que nosso presidente diz que vai intervir sim, numa tônica firme, o mesmo vira e olha para a direção de Moro, sem cerimônias.

Da forma que foi dita pelo ex-ministro, esperávamos provas tão fortes quanto aquelas que hackers expuseram pelo The Intercept Brasil provando a sua total parcialidade acerca dos julgamentos da Operação Lava a Jato.

Dois pesos, medidas diferentes. A mídia, já ciente do papel depreciativo que Moro ganhara desde aqueles fatos não estava mais o tratando com a aura de herói do antipetismo que foi lhe pintado entre as eleições de 2014 até a prisão de Lula. O Lavajatismo tinha sofrido um golpe forte e o seu fenômeno social de mobilização das classes médias esclarecidas foi enfraquecido à medida que o Lavajatismo e o Bolsonarismo se fundiram, para este último lhe sugar as sua principal pauta.

Ao mesmo tempo, pesquisas de opinião avaliaram que o vazamento fornece uma enorme gama de argumentos em defesa de Bolsonaro, cuja claque e sua base de militantes foram atiçados com a autenticidade de seu líder em se posicionar diante da conjuntura, mesmo numa formal reunião ministerial interna. Estão fechados com Bolsonaro, votaram neste projeto e esperam dele o esmagamento de tudo aquilo que minimamente coloque as classes mais exploradas em movimento, não interessando se é o Bolsonaro ou um gorila. O projeto de abertura/encerramento num novo ciclo exige o operador ideal para esmagar a classe trabalhadora e sua vanguarda.

II – O Congresso e suas bancadas, o STF, os demais políticos e as instituições da sociedade civil.

Duas Figuras.

Ciro Gomes, apologista do Brizolismo tardio, em entrevista ao canal CNN Brasil, defende que os democratas conseqüentes precisam se unir para combater Jair Bolsonaro(JB), usando termos fortes para atacar o Presidente e, ao mesmo tempo, os lulistas. Assim, reproduz senso comum em cima de senso comum, com uma articulação retórica típica de um eleitoreiro, esperando colher em 2022, sendo a “terceira via” ao Bolsonarismo e ao Lulopetismo, demonstrado quando não decidiu apoiar Haddad no segundo turno das eleições de 2018 e, assim, começando a sua campanha para 2022.

Falta perguntar aos “russos” se irão mesmo aguardar 2022 e a legalidade do processo eleitoral para resolver os impasses que a luta de classes impõe aos agentes desta conjuntura altamente tensionada.

Fernando Henrique Cardoso, o FHC, traz consigo a síntese do pensamento intelectual “progressista” dos principais veículos de comunicação brasileiros – se comportando como verdadeiros Órgãos Centrais do PSDB. Ele se concentra no “palavreado chulo da reunião ministerial”, diz que o Brasil não merece ser governado por um presidente que trata os assuntos da nação de maneira tão baixa. Ora, meu caro ex-presidente, mas é justamente por ser assim que Bolsonaro é legitimado por uma parcela bem sólida e expressiva da população. Assim como Temer, o nosso sociólogo valia de uma rebuscada retórica de intelectual acadêmico, para justificar a implementação de um programa econômico neoliberal (a quem o mercado deve muito) em que privatizações foram tocadas a rodo e a repressão típica da ditadura militar era executada nas refinarias e nas ocupações de terra. A diferença é que JB não esconde e sequer faz uma mediação em seu desejo de reprimir os trabalhadores.

Os políticos mais autênticos na defesa do neoliberalismo à moda Reagan e Thatcher, como Amoedo, do Partido “Novo”, demonstram um incômodo com a forma que JB dirige a reunião ministerial, constatam o “retrato de uma personalidade autoritária”. Entretanto, foca mais nas senhas dadas por Paulo Guedes e, como homem de mercado que é, procura interpretar o que pode ocorrer no mercado financeiro e quais devem ser os rumos nas próximas semanas.

O Congresso.

Rodrigo Maia, presidente da câmara dos deputados e um grande funcionário a serviço da classe dirigente, não se surpreendeu com as abordagens e com os assuntos tratados. Com suas constantes bilateral que deve realizar com seus assessores ou mesmo com os envolvidos naquela reunião, o mesmo pode se dizer estar calejado. Entretanto, soube explorar algumas vacilações de seus adversários presentes (Weintraub) para o atacar e levar a discussão sobre o adiamento do ENEM ao plenário da câmara, que certamente seria aprovado e traria mais uma derrota ao Governo e um fortalecimento da casa. Ao mesmo tempo, Maia sente o peso dos pedidos de impeachment acumulados em sua mesa, vindo dos mais diversos campos políticos atuantes no Congresso e da dita sociedade civil, um deles produzido pela esquerda, foi entregue na manhã daquele mesmo 22 de maio. Apenas mais uma observação: as condições políticas para levar a cabo um processo de impeachment de JB já estão dadas há mais de um ano, a questão que gira em torno de Maia é o fato de estes pedidos não terem sido levado a plenário para abrir o processo. Os motivos refletem a gravidade da conjuntura e a corda bamba da nossa burguesia diante do seu próprio poder de decisão.

Davi Alcolumbre, Presidente do Senado, na tentativa de pacificar as relações de JB com o Supremo Tribunal Federal (STF), se reúne com o Presidente, procurando realizar as mediações necessárias para concretizar a estabilidade governamental e o equilíbrio dos três poderes, cessando a crise pelas vias democráticas, um bombeiro pronto a apagar as chamas da luta intra burguesa, que sujeito republicano meus senhores!

A nossa classe política dirigente, habitante natural do Congresso e compromissada apenas com os seus próprios interesses, se cala diante da gravação. Não é por menos, o Centrão procura analisar, por um lado, até onde vai a barganha do governo em oferecer cargos e verbas em troca de uma maioria parlamentar, por outro lado, até onde vai o STF nas investigações sobre o financiamento de Fake News nas eleições de 2018, na interferência na Polícia Federal do RJ e nas investigações sobre o esquema de corrupção tocado por Flávio Bolsonaro – o filho 01 – na ALERJ. Enfim, avalia se o desgaste será grande demais para se aliar a um governo queimado, aqui a balança do pragmatismo funciona bem – Dilma que o diga.

O STF.

O responsável pela análise e liberação do vídeo, Celso de Mello, sabia da expectativa enorme da liberação integral do vídeo, saberia que uma hora ou outra, o mesmo poderia ser vazado – com os trechos sobre a China sendo mostrados a todo o mundo e condenando a nossa economia a uma depressão.

O maior ofendido nesta reunião, por Weintraub e até por nossa senhora Damares, não iria deixar por menos. De imediato, os decanos condenaram em coro as falas dos ministros que atacaram um sólido princípio de nossa constituição.

A retórica de condenação era esperado, as curtas notas de repúdio chegam a ser demasiado protocolares, e não acrescentam no acúmulo da compreensão da conjuntura. O mais a importante a ser analisado por parte do STF não é o que ele diz horas depois da divulgação do vídeo, pois quase todos ali viram a gravação e prepararam o terreno para os dias seguintes, para intervirem e dar seus blefes, o não dito foi mais importante.

A Nulidade de Moro.

Como antes tinham sido liberados trechos da gravação onde tratavam o assunto da Polícia Federal (PF), a expectativa seria o que a gravação poderia oferecer a mais, o contexto que era cobrado por todos os lados. O que se viu foi em tudo esperado? De certa forma sim. Mas em relação às acusações de interferência na PF do Rio de Janeiro? Nenhuma prova a acrescentar, se Moro provou estar certo a respeito da interferência, isso ninguém tem dúvidas, mas é apenas isso. O Lavajatismo esperava provas maiores, aquelas que merecem páginas inteiras na revista Veja, que merecem tomar meia hora do noticiário, mas o que se viu foi o ofuscamento diante de questões maiores e mais urgentes reveladas. E, quando este esperava um afago na sua imagem, a entrevista concedida a revista concedida ao Fantástico em 24 de maio não ajudou nem um pouco. Logo da TV Globo, que um dia o tornou herói nacional, onde esperava continuar em evidência política. Moro, por enquanto, foi reduzido a coadjuvante e aguarda ser acionado pelo STF ou por uma reabilitação do Lavajatismo.

Como dito antes, o Lavajatismo foi engolido por Bolsonaro. E Moro foi um bispo necessário a sacrificar no xadrez do planalto. Ficar calado, na posição dele, é uma forma de se omitir, e em política, a omissão costuma cobrar mais caro.

III – O Mercado.

A reação positiva, a privatização é garantida.

A bolsa de Valores pode ser irracional, mas uma coisa que ela não é, falsa. Ela não consegue esconder o que sente, quando Guedes se opõe ao desenvolvimentismo de Braga Neto, sabe endurecer no Keynes, mas sem perder o Friedmann (um esquisito neoliberalismo keynesiano) – tem um Banco do Brasil pronto para privatizar. Antes da divulgação, coloca uma granada no bolso do funcionalismo público, arquiteta as condições de ajuda financeira aos estados e ao mesmo tempo consegue jogar os servidores públicos contra a população.

O resultado? No início da semana, a bolsa dispara, o dólar cai e as ações do Banco do Brasil tem uma enorme valorização em relação a última semana, a empolgação toma conta das corretoras de investimento. O sinal dado, tanto por Guedes quanto por JB, é o prosseguimento da agenda econômica, mesmo que a conjuntura não ajude, haverá um esforço real da equipe econômica em garantir as reformas cobradas.

Mas a realidade volta à sala e trata de esbofetear a face de nossos “jovens” economistas, quando o anúncio do PIB do primeiro trimestre de 2020 (com apenas duas semanas de quarentena), e sua queda de 1,5%, é o prenúncio da tragédia. Em Julho ou Agosto, quando os resultados do segundo trimestre forem divulgados, teremos uma ideia da profundidade da crise econômica a ser encarada.

O conflito Guedes x Militares acende o sinal amarelo, a China também…

Mas a euforia tem um pouco de cautela, a estabilidade política pauta a agenda atual do governo, o centrão dá as cartas e os militares querem dar a linha na agenda econômica, o programa Pró-Brasil é uma evidência forte da divergência de Guedes com os Militares.

O Ministério da Economia e sua agenda são o reflexo da burguesia que sustenta JB com base nos seus pragmáticos interesses econômicos e os militares brasileiros – pelo menos sua maioria – ainda não se convenceram a prestar um papel de Pinochet, de permitirem o livre mercado sem ver esses “investimentos” serem revertidos materialmente nos seus quartéis. A tão aclamada modernização do inventário das forças armadas é até aqui tímida em comparação com a tendência geral do planeta é uma reivindicação antiga. Mas, na lógica financeira de nossos Chicago boys, investir nas forças armadas é gasto. E é melhor que revejam isso logo, se querem permanecer no governo, pois os militares têm um poder de coesão extremamente importante para a sobrevivência do governo JB: a estabilidade, e nada é mais desejado pela burguesia que a estabilidade política. Os prejuízos econômicos depois são recuperados, quando tem um proletariado contido pela repressão, pelos detentores do monopólio da violência – como diz Mourão – e não há profissionais melhores que as Forças Armadas Brasileiras, modelo invejável para toda a América Latina!

Nos bastidores, os militares se aprontam a dialogar com representantes do governo chinês, para manterem os laços e não azedar as relações comerciais, no momento de escalada das tensões EUA/China, com a submissão quase total do governo Bolsonaro a Trump e este último disposto a encarar uma reviravolta na cadeia produtiva do capitalismo mundial, arriscar jogar um século de relações diplomáticas “neutras” na lata do lixo neste momento é suicídio político/econômico do Estado Brasileiro, e ninguém pensa melhor o Estado brasileiro que as forças Armadas e seus intelectuais/generais, a tutela e reafirmada.

O Valor Econômico da sangria.

O que dá confiança ao projeto econômico durante e depois da pandemia são os mecanismos até aqui adotados pelo governo, de um lado, formalizando a redução de jornada de trabalho e salários, represando as estatísticas de desemprego, dando tempo às empresas para planejar melhor a reestruturação dos seus quadros de funcionários e aprontar ajustes na futura minirreforma trabalhista. E por outro lado, a injeção de 1,2 trilhão de reais para dar liquidez aos bancos. De uma só tacada, toda a suposta economia esperada com a reforma da previdência foi entregue em uma canetada aos nossos agiotas profissionais.

O auxílio emergencial de 600 reais entra neste cálculo de segurar a massa, a renda básica universal volta a ser proposta com seriedade, mas é sempre bom os revolucionários estarem atentos, pois são todas medidas para ganhar tempo, nos bastidores, a repressão está sendo preparada, e é isso que vamos debruçar mais a frente.

IV – A Esquerda

O PT, anúncio de uma derrota?

Não poderíamos deixar de analisar o nosso próprio campo do espectro político burguês, a nossa esquerda, os partidos dos trabalhadores e operários – queiram ou não – capazes de levarem as ruas bases e mais bases organizadas de trabalhadores e setores médios da sociedade.

O PDT parece que está recuperando esta tradição trabalhista de ruas, o Ciro Gomes personifica esse partido, ora Bresser-Pereira, ora Tábata Amaral, ora Carlos Lupi (contém ironia). Mas é o PT o principal partido, e a sua derrota histórica fica mais evidente neste momento. Em notas, o PT entrega a reafirmação de sua estratégia democrática popular, derrotada no impeachment e esmagada nas eleições de 2018. São notas que reproduzem o senso comum de esquerda, alimentam a expectativa no funcionamento das instituições e este é o “papel histórico do campo progressista”, ao convocar a frentes amplas de ação em combate ao fascismo.

É o que temos para hoje, destas notas, que pouco diferenciam de colunas progressistas da Folha, não dá pra tirar muita coisa, é manjado, esta é a estratégia petista e do PDT: apostar ainda mais no funcionamento pleno das instituições, não acreditam nem nas próprias forças que restaram. Isso tem reflexos imediatos nos locais onde seus militantes e parlamentares do baixo clero (leiam-se: deputados estaduais e vereadores) fazem em seus locais de trabalho e de moradia, segurando o desenvolvimento da auto-organização dos trabalhadores e reafirmando a crença nas instituições, na confiança de nossos “representantes do povo”, os nossos mandatos populares. Se é importante ter esse suporte material e conseguir apertar o estado a fazer aquilo que seria a sua obrigação, isso todo comunista deveria saber, no uso tático das instituições, mas esperar que somente nelas haverá a emancipação da classe, e logo isso vindo de um partido que foi expulso destas mesmas (e sem levar a estratégia as últimas consequências!) é um ato de desespero, mostra que está perdido na conjuntura, porque ela foge do que estava planejado, pautaram toda sua estratégia nas eleições e agora se perguntam se haverá eleições.

Suas figuras públicas expõem melhor o pensamento petista. Haddad, em coluna na Folha e em sua página pessoal no Twitter, se limita a realizar uma análise mais moralista da conjuntura, como se estivesse com a constituição de 1988 o tempo todo na mão, parece fazer um exercício de abri-la, consultar o parágrafo, pegar o “infrator” e dizer: está errado! Não propõe nada a não ser um apelo a um moralismo formal, e pensar que este era nosso grande candidato capaz de rivalizar com Bolsonaro!

Agora Lula, que levou uma prensada para a ação de nada mais e nada menos que o Deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), que cutucou:

“Para acordar a esquerda foi preciso o Lula voltar ao QG. Daqui a pouco Lula estará no front para mostrar o caminho. Tenho minhas divergências com ele mais estamos em Guerra”

É isso, até ontem era bolsonarista e viu-se traído, voltou suas armas contra o governo e a direita anti bolsonarista realmente espera alguma coisa do PT para pelo menos dar mais massa ao movimento. Lula aparenta apelar (ao partido) a movimentar-se mais organicamente em prol do impeachment, mas na prática, tanto ele quanto o partido estão receosos em fazer qualquer coisa. Em Live divulgada pelo Brasil 247, existe um apelo geral à sociedade para uma agenda política ampla, mas depois diz que o não é “Maria que vai com as outras”, isola o partido e ataca quem dentro do partido se aproxima dos movimentos em defesa da democracia. O protagonismo de Lula e do PT está com os dias contatos?

A síntese de uma esquerda inteira: o PSOL e a conjuntura. (o petismo não morreu, e nem o leninismo….)

Quando falamos do Partido Socialismo e Liberdade, devemos ter em mente que não se trata exatamente de um partido, mas de uma frente de partidos menores de esquerda agrupados. O que é coerente entre eles é o fato de se posicionarem firme no impeachment de Bolsonaro como forma de acirrar a conjuntura e forçar a saída mais viável para a burguesia de tirar o aspirante a ditador do planalto. Mas as divergências entram como? De um lado temos setores que se limitam a pedir o impeachment, abrindo a possibilidade de ter Mourão como vice, situação muito cogitada por alguns burgueses. Estes esquecem de um fato: os militares brasileiros não são muito tolerantes com a esquerda, e se esta esquerda tem posição de destaque no parlamento, o mínimo que pode acontecer é uma perseguição cada vez mais forte sobre o seu partido, tratado de maneira pejorativa nos círculos militares. Seus setores ditos mais radicais (isto é, mais leninistas) querem a cassação da chapa como um todo e entendem isso com uma pressão de massas organizadas em prol desta bandeira, posição compartilhada por partidos como a UP e o PSTU, com diferenças de conclusões, mas com a mesma meta.

O PSOL hoje é a síntese de nossa esquerda atual: dividida, confusa, divergente entre si e altamente sectária, flerta com o petismo por um lado e procura querer cumprir o papel que este não foi capaz de levar até as últimas consequências (por seus setores mais à direita); por outro, crítica duramente o petismo, precisa negá-lo na prática para superar seus vícios teóricos e organizativos, a concepção de partido revolucionário do novo tipo, o leninista. Esses setores mais à esquerda verão que este parto difícil será melhor feito se somando aos partidos revolucionários do que disputar uma estrutura já superada pela história. Veremos.

V – O menos notado.

General Heleno seria nosso milico olavista?

No dia 24 de maio, um grupo de militares manifestaram apoio ao General Heleno e aos seus pronunciamentos anteriores de afronta ao STF, quando incita afirmando que a Corte esteja extrapolado a independências dos poderes republicanos, intervindo demais onde não deveria. A carta foi assinada por diversos militares do exército inseridos nas mais diversas competências e ofícios. Os pronunciamentos recentes deste general emancipado sobre o governo Lula e por cima de cadáveres haitianos vai de encontro cada vez mais com as vulgaridades básicas dos olavistas. Talvez seja um sinal de que o pensamento olavista tenha já penetrado no alto escalão das FFAA, e tem setores sólidos desta interpretação ideológica nova no baixo oficialato e nos praças, porém, ainda é minoritário.

Heleno, nesta última semana desconversou sobre qualquer possibilidade de golpe e intervenção militar à luz do século XXI. Claro, há de se duvidar sempre, o não dito é o mais importante aqui, os militares, seja qual for a manobra que irão realizar em unidade, não sairão detalhando seus planos e expondo suas pretensões nas próximas semanas, tudo vai depender da conjuntura.

O truco da semana seguinte: Investigação da PF, Bolsonaro pede truco para cima de Witzel, STF pede 6 com a CPI das Fake News, “03” sussurra o 9 e o STF acha que é blefe.

Bolsonaro pede truco.

Na segunda, dia 25, uma operação da Polícia Federal é deflagrada, a operação placebo tinha como objetivo realizar busca e apreensão sobre os investigados nos esquemas de corrupção que envolvem superfaturamento de equipamentos hospitalares destinados ao combate da Covid-19. O alvo principal: o governador do Rio de janeiro, Wilson Witzel e sua esposa. A corrupção não acabou e isso sabemos, cada gestor do estado burguês participa, conhece ou tolera, esquemas de corrupção existentes em sua gestão, mas o fato de imediatamente após a divulgação do vídeo da reunião ministerial, onde críticas duras a Witzel foram ditas, e depois o governador fluminense ter duramente contra-atacado Bolsonaro, não foi somente suspeito, foi um sinal de alerta acendido nas sedes estaduais de governos Brasil afora, com alarme soando maior no Palácio dos Bandeirantes. Dória, outro grande opositor de Bolsonaro e igualmente criticado, se encontra entre a cruz e a espada na avaliação de sua gestão, precisa enfrentar JB de maneira mais consequente, ser mais tucano e menos empresário, mas ao mesmo tempo, precisa ceder ao empresariado paulista e pró-bolsonarista, reabre a economia sem que São Paulo, líder no ranking de infecções e mortes pelo coronavírus, sequer tenha atingido o pico da pandemia, não tendo testes em massa que sequer sirvam para fazer uma propaganda bonita na TV.

STF pede 6.

Todo mundo tem algo de podre a esconder, os parlamentares, ativistas (militantes) e influenciadores digitais bolsonaristas saíram comemorando as batidas da PF do RJ na casa de seus inimigos, parecem sinal dos novos tempos? No dia seguinte, o tucano Alexandre de Moraes, ministro do STF deflagrou outra operação, agora sobre o inquérito das Fake News. As viaturas da PF agora freqüentaram outros locais, as casas e os escritórios dos ativistas e dos influenciadores digitais bolsonaristas, parlamentares sentiram o frio na barriga acerca da possibilidade de suas falcatruas, de seus bots, de suas redes de desinformação e milícias digitais ruírem diante da firme decisão do STF em prosseguir na sua ofensiva contra o bolsonarismo. O STF não toma estas decisões firmes à toa, sente que seja qual for a manobra de Bolsonaro, eles serão os alvos imediatos, as leis que legitimam a constituição serão defendidas pela própria sobrevivência institucional daquela corte e de toda uma estrutura no judiciário que está seriamente ameaçada. O bajulador geral….digo, Procurador Geral da República (PGR) Augusto Aras, procura armar a defesa civil do governo, blinda os ministros com um Habeas Corpus preventivo, articula o máximo possível para evitar um desgaste jurídico ainda maior de seu superior.

Eduardo Bolsonaro, se fosse militar numa guerra, seria aquele praça tonto que sempre quebra a linha de formação, se antecipa ao combate e entrega a tática do pelotão, condenando a si e aos demais a previsibilidade, um estúpido no sentido cru da palavra. Numa entrevista, demonstra todo seu desequilíbrio emocional, sempre adiantando as pretensões do bolsonarismo da maneira mais vulgar possível – e por parte dele, parece que pensar antes de falar está fora de cogitação. Afirma que a situação não é se vai haver ruptura mas quando vai haver ruptura. Diante do exposto anteriormente sabemos de que ruptura estão falando, o deputado pede 9!

O STF não deixou barato, Celso de Mello fala abertamente no combate ao fascismo, a Corte parece convocar as demais forças democráticas para o enfrentamento final ao bolsonarismo, e a sorte está nos militares, nos bastidores, Toffoli avalia se o blefe tem correspondência ou não passa de joguete. Os militares são novamente consultados, as instituições sabem quem tem o quatro de paus.

O Astrólogo fala à BBC.

Nada passou mais despercebido que a entrevista de Olavo de Carvalho dada a BBC Brasil, uma entrevista muito boa, uma perfeita introdução a este indivíduo, extremamente influente na “formação teórica” de nossos bolsonaristas. O sujeito demonstrou estar ciente de todas as movimentações políticas da conjuntura brasileira, percebe a influência ideológica que exerce sobre os membros do governo, e por mais tosca e desonesta venha a ser o olavismo, Carvalho nunca negou a Bolsonaro a necessidade de tomar o poder depois de tomar o governo.

Ideias idiotas não fazem delas menos perigosas, as ideias são perigosas à medida que você compromete a defendê-las a qualquer custo. O balaio que é o olavismo, seu conflito com o partido fardado tem como pressuposto a obrigação de remover os obstáculos a sua consolidação nos termos que Olavo imaginou. Bolsonaro, seus filhos e os governantes bolsonaristas sabem que sua tarefa atual é tomar o poder, é fazer valer o seu projeto de poder, é fechar o regime, é governar o país autocraticamente, é tornar a constituição de 1988 peso para os papéis de seus decretos. E, sim, os setores mais sólidos do bolsonarismo estão trabalhando para esta empreitada fascista, a questão é: quem de fato vai exercer o poder? Os olavistas, bolsonaristas (JB e seus Filhos) ou serão fantoches de fácil descarte diante dos militares?

Encaminhando para a conclusão, levando em conta as observações do artigo anterior (1/3) e do atual, faço o prognóstico da segunda opção. E por quê?

Porque os bolsonaristas, por mais que demonstram um culto a personalidade de Bolsonaro, são muito mais fiéis a um projeto autoritário que dê a solução final a instabilidade política dominante na conjuntura brasileira desde junho de 2013, procuraram este sujeito em Aécio em 2014, na Lava a Jato mostraram a que veio e 2016 foi a sua puberdade, em Moro, e agora estão com Bolsonaro, este último, conseguiu trazer para si todo o antipetismo organizado da direita, mas lhe falta o elemento da repressão sistemática, lhe falta um papel de autêntico fascista. Incompetente demais em converter suas guerrilhas virtuais em milícias fascistas, em organizar o próprio partido, em ser o Luís Bonaparte tão pedido pela classe dominante que não aguenta mais esse terror sem fim.

A única instituição dotada de toda a estabilidade e coesão interna necessárias para esmagar qualquer revolta social e cessar de uma vez por todas 2013 são aqueles que pensam o Brasil, pensam o Estado brasileiro, trouxeram para si a tarefa histórica de ser a mente pensante do Estado. Somente as Forças Armadas, na história, se prestam a este trabalho, e dotam da ideologia, do programa – economicamente questionável pela burguesia – e do poder necessário para dar um basta a esta “balbúrdia” manifestada desde 2013, a luta de classes. A contrarrevolução preventiva é calculada com os militares sendo a Ultima Ratio (E pobre de uma certa esquerda que achava que este último argumento fosse….Lula!).

O último argumento sempre foi das forças armadas: proclamação da república em 1889, movimento tenentista dos anos 1920, revolução de 1930, intentona de 1935, estado novo de 1937, constituinte de 1945, crise de 1954, a batalha pela legalidade de 1961, o espetacular ano de 1964 e, finalmente, os acordos da redemocratização. A história já provou a competência do partido fardado, o fundador da República Federativa do Brasil.

Os bolsonaristas imediatamente esquecerão de seu mito quando os fuzis desfilarem sobre a sede de sindicatos, entidades estudantis e partidos políticos, quando reprimirem manifestações de rua e tolerarem que “milicianos” incendeiem redações de jornais, cacem comunistas nas ruas e promovam barbaridades semelhantes aquelas testemunhadas no 11 de setembro chileno e nos dias seguintes.

A violência já promovida pelo Estado nas periferias contra a população pobre e periférica atingirá com violência igual a “nossa” classe média esclarecida da esquerda petista. Pois o ódio a classe trabalhadora e a sua vanguarda foi fermentado ao longo de todos estes anos, foi tolerado demais pelo partido alvo desse ódio e o PT, na sua fé inabalável nas instituições burguesas, no estado democrático de direito e na sua generosa contrapartida de ter segurado por décadas a revolta social e colaborar com a despolitização, desorganização e desmobilização da classe trabalhadora, continuou rezando diante da santa quando a casa apenas estava com um cômodo pegando fogo. Quando derrubaram Dilma, colocaram na cadeia o Lula, não conseguiam colocar na rua nada mais que a esquerda organizada, o PT é um ex-partido em atividade.

A contrarrevolução preventiva precisa de um respaldo na sociedade, este respaldo foi criado e alimentado primeiramente no antipetismo reacionário. A fera que devora pobres e o seu dono precisava de um braço forte para segurar a coleira e soltar quando dia chegasse. Esse braço forte ainda há de se confirmar, se será somente o braço dos militares ou o braço deste junto com Bolsonaro e suas milícias legalizadas e prontas a realizar o trabalho sujo de reprimir a classe, de esmagar suas vanguardas e promover uma rápida e intensa violência, sem nenhum peso moral em suas almas.

VI – Conclusão?

“As instituições funcionam?”

Um camarada meu, advogado, em seus estudos iniciais na faculdade sobre a crítica marxista do direito (Pachukanis), a grosso modo, me disse que o direito nada mais é que um monte de leis criadas pela burguesia para legitimar o seu poder sobre outras classes, mas quando esta última usava estas mesmas leis para reivindicar melhorias nas condições de vida, estas leis não serviam para nada e o que de fato legitimava o poder de uma classe sobre a outra é o poder de repressão e do monopólio da violência, numa palavra, no emprego das armas para valer os seus interesses.

Os lutadores do campo sabem bem disso, o MST todo trimestre precisa enterrar seus mortos vítima do conflito de terra, outros movimentos de luta nos sertões do Brasil como o Movimento por Atingidos por Barragens (MAB) e grupos que reivindicam a terra de menor tamanho também precisam enterrar seus mortos.

O chão de fábrica pode ser o lugar onde a classe é mais explorada, mas tem muito mais lugares onde ela é bem mais oprimida, e seu local de moradia é um deles. A violência nunca deixou de acontecer nestes lugares, é banal nascer e ser criado sobre esta ameaça constante, elevada de acordo com sua renda, classe, sexo ou orientação sexual. O Estado aparece com (a viatura policial) o giroflex apagado, a lanterna ligada e a pistola apontada pro seu peito. Ou seja, para fazer aquilo pelo que realmente ele existe, reivindicar a dominação de uma classe sobre a outra (Engels e seu poder de síntese).

Às vezes entendo os petistas, foi sob seus governos que o estado democrático de direito funcionou em seu vigor máximo, quase idealmente, as leis e a constituição foram cumpridos à risca, foi quando greves mal aconteciam, ocupações de terra também não, as Forças Armadas não foram punidas pelo seus crimes na ditadura, a lei da anistia de 1979 não foi revista, nem mesmo depois da Comissão Nacional da Verdade e com uma Presidente torturada por militares. As instituições funcionavam, realmente funcionavam, o PT realmente fez muito por merecer sofrer o golpe que sofreu.

A geração do Riocentro (em referência ao atentado de 1981, contra um ato de 1º de Maio organizado por entidades que lutavam contra a ditadura e de que Bolsonaro é um entusiasta) foi tolerada e nunca foi combatida em sua raiz. Um dia a sua vingança seria colocada em prática.

Tem algo que não me entra na cabeça. O processo de redemocratização, as lutas no ABC paulista no final dos anos 1970 e o surgimento do PT me fazem crer que, para se tornar o partido hegemônico na esquerda brasileira na redemocratização, foi coagido a acordar com os generais que nunca iria disputar as forças armadas, pois somente esta hipótese pode ser plausível para nunca ter disputado em 40 anos de existência uma inserção consequente nas FFAA. A emenda 142 na Constituição parece ser a garantia da vigilância dos militares sobre o movimento operário brasileiro e a sua principal vanguarda. As demais experiências de governos progressistas na América Latina não ignoraram – por mais rebaixados fossem seus programas – a necessidade de disputar as FFAA nacionais, e isso explica muito porque a Venezuela ainda não caiu – e porque resta aos EUA somente a resposta bélica para derrotar o bolivarianismo.

Voltando ao presente, o nosso STF usa as armas que a constituição lhe concedeu, a imprensa e os democratas se escondem por trás da estátua da justiça, o congresso testa os limites das suas escolhas, sabem que estão numa espécie de truco e xadrez, onde precisam prever a exaustão os movimentos futuros que irão tomar, e jogar com cada peça, usar o melhor blefe para não precisar sempre usar a melhor carta.

Viktor Orbán aproveitou a pandemia do coronavírus e a quarentena para aprovar uma série de decretos, fortalecendo o executivo e dando lhes os poderes supremos sobre a imprensa e sobre as entidades dos trabalhadores, um Fujimori húngaro.

A legalidade pode ainda sobreviver no papel, mas será letra morta. Sob os militares (Mourão e Braga neto como operadores) o mais provável, permanecem no poder até promover novas eleições para 2022, até lá já teriam esmagado a esquerda e qualquer coisa que entendam como tal, mas sobre Bolsonaro, por vaidade vai redigir uma nova constituição, a sua imagem e semelhança, um misto de Bíblia Sagrada protestante com os livros de Olavo de Carvalho. Ministro Barroso, empossado na presidência do Tribunal Superior Eleitoral nesta mesma semana quente, dará prioridade nas análises do processo sobre a cassação da chapa Bolsonaro/Mourão.

A carta no coturno tem a manilha, quando vão pedir o 12?

A dialética do poder tem por trás o cálculo do desgaste político, uma instituição que não se renova, podendo o máximo confiar a direção as outra forças políticas que lhe convém, e este parece ser o comportamento de tutela de nossos militares ao longo da história do Brasil, a ditadura demorou 21 anos, pois ainda não tinha cumprido a sua tarefa histórica de limpar o terreno (fechamento das entidades estudantis e das centrais sindicais, liquidação das guerrilhas urbanas, AI-5 e censura dos democratas radicais, queda do CC do PCB em 1974, queda da guerrilha do Araguaia em 1975, massacre da Lapa e a liquidação do CC do PCdoB em 1976), e somente depois, com o fortalecimento da “oposição democrática” a abertura foi tocada de fato, em seus termos sob seu controle, ameaçada somente em 1979/80.

O que passa na cabeça dos militares do governo Bolsonaro é a justeza de suas futuras decisões, seja fechando com ele, seja tomando o destino da nação para si e descartando o Jair. A disciplina militar e a hierarquia serão suficientes para segurar a caserna e os praças influenciados por opiniões de direitas tão dispersas? Será que mesmo os nossos generais convergem com os rumos que querem dar depois da ruptura, seja lá qual vai ser a natureza desta ruptura? Milícias bolsonaristas dispersas e indisciplinadas ou infantaria leve? Guerra híbrida ou conflito aberto? Ou, o menos plausível, mas provável, um recuo tático, queda da chapa Bolsonaro/Mourão (vide Barroso, sacando a conjuntura), e Maia cria um governo de transição? O último blefe não é o blefe, a carta que vai resolver todo o jogo está escondida no coturno, será levada a mesa uma hora e será neste dia – se permitimos – o desfecho deste período histórico do fim da redemocratização e da terceira república.

…mas tem sempre a toupeira que vira a mesa, os “russos” da conjuntura, a aceleração da crise e a revolta do proletariado.

Mas esqueceram de combinar com os russos, no final das contas, estamos na maior crise sanitária em 100 anos, milhares de mortos todos os dias, a maioria pobres. As contradições sobre a precariedade das condições de vida estão mais do que claras e a sobrevivência dos trabalhadores em todos os espaços está ameaçada.

O ódio de classe é alimentado pelo medo de permanecer numa existência miserável e ter uma morte precoce e igualmente miserável, e o medo ajuda a ser racional, a calcular as probabilidades e organizar coletivamente a sociedade, seja para auto organizar seus bairros, locais de trabalho em prol do auxilio emergencial de alimentos, produtos de higiene e limpeza e toda esta ajuda feita através da solidariedade, seja para reivindicar a própria existência frente a barbárie. A barbárie se manifesta numa péssima política de quarentena, sem garantias de seguridade social, forçando bairros inteiros nas principais cidades chilenas a protestarem – novamente – contra o governo, a barbárie se manifesta quando um policial branco se ajoelha sobre um pescoço de um homem negro e o mata com total indiferença, gerando uma revolta colossal no coração do império do capital.

Quando comunidades enfrentam a policia contra ações de despejo em plena pandemia.

E sobretudo, quando os lutadores sentem a necessidade de enfrentar abertamente o bolsonarismo nas ruas e tudo aquilo que venha a lhe defender. A luta de classes pede passagem e a velha toupeira parece surgir de novo.

Tarefas históricas são colocadas diante de nós, tarefas urgentes, e precisamos estar à altura de cumpri-las, de encarar a realidade de frente, e os eventos ocorridos no último domingo, 31 de maio, são uma senha de algumas das tarefas colocadas aos comunistas e aos revolucionários na presente conjuntura.

* Militante da UJC SP e do PCB SP.

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