Covid-19: hora de questionar o capitalismo

imagemCréditosAlberto Valdes / EPA

Duarte Caldeira – ABRIL ABRIL

Este é o momento para questionar o vírus do sistema capitalista que gera, por si só, as múltiplas pandemias que condenam ao confinamento social e econômico milhões de pessoas em todo o mundo.

A crise sanitária que Portugal e o mundo está a viver constitui um teste à nossa capacidade coletiva de aprendermos a enfrentar os riscos, bem como prepararmos os sistemas de resposta aos efeitos dos mesmos.

O novo coronavírus foi declarado uma «emergência de saúde pública de interesse internacional» pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no final de janeiro e, desde então, tem exposto todas as vulnerabilidades que, de uma forma geral, os estados possuem, quando confrontados com a imprevisibilidade de situações pouco comuns.

O desastre da Covid-19 é um exemplo dos muitos alertas que a comunidade científica internacional vem formulando há vários anos, quanto aos riscos sistêmicos a que as sociedades contemporâneas estão expostas.

O Relatório de Avaliação Global das Nações Unidas de 2019 sobre Redução de Riscos de Desastres (GAR2019) – elaborado com a participação de centenas de cientistas, nomeadamente da OMS – alertou especificamente para os riscos biológicos e a consequente ameaça de epidemias e pandemias.

Como se constata um pouco por todo o mundo, a Covid-19 é muito mais que uma emergência de saúde pública. A Covid-19 revela as contradições e vulnerabilidades em diversos sistemas (saúde pública, proteção social, segurança pública, proteção civil e outros) e expõe as condições de pobreza em que vivem milhões de pessoas, agravadas pela negligência de muitos estados na gestão da crise, criando condições para que um surto se torne numa epidemia e esta numa pandemia, dando origem a um desastre econômico e social global.

A situação gerada pela Covid-19 põe à prova a nossa capacidade de cooperar e de aprender, perante profundas incertezas e riscos.

Vivemos uma oportunidade para: questionar os governos relativamente ao modelo de governança vigente, gerador de injustiças e desigualdades; mudar as opções de investimento; aprofundar o nosso relacionamento com a natureza; colocar a redução de riscos no centro de uma nova política global.

Qualquer plano ou iniciativa de mitigação que procure responder aos danos socioeconômicos causados pela Covid-19, deve primeiro questionar o sistema político que tornou a pandemia um desastre global.

Deste modo é imperativo que se reivindique aos governantes que assumam políticas baseadas em evidências e em ações integradas nos domínios interconectados de redução de riscos de desastres, mudança climática e desenvolvimento sustentável.

À medida que os governos agirem para proteger as populações e resgatar a economia global, eles devem apoiar-se no conhecimento científico para garantir a eficácia das decisões de investimento e financiamento de emergência.

Importa também apelar à comunidade científica que trabalhe em conjunto, na dimensão multidisciplinar que a situação exige, ajudando a construir as interdependências entre sistemas e agentes dos mesmos.

Esta abordagem é fundamental para melhorar a nossa compreensão sobre os riscos, como eles se propagam em sistemas interconectados e como os seus impactos se refletem em cascata.

Ainda num quadro de muitas incertezas, mas identificando já com bastante nitidez as consequências e as vítimas da situação disruptiva que o sistema político global está a viver, este é o momento para questionar o vírus do sistema capitalista que gera, por si só, as múltiplas pandemias que condenam ao confinamento social e econômico, milhões de pessoas em todo o mundo, contrariando a tese de que há pandemias virtuosas e vírus democráticos.