NÃO à privatização da água!

imagemO que era ruim ficou ainda pior! Todos contra a privatização da água!

Eduardo Grandi, trabalhador em saneamento e militante do PCB

Nesta semana, o presidente Bolsonaro sancionou o novo marco do saneamento, a lei 14.026, que aponta no sentido da completa privatização das águas do Brasil. Um fato novo e muito grave é que, dentre os inúmeros trechos da nova lei que Bolsonaro vetou, está o artigo 16, que tornou o projeto ainda pior. De acordo com figuras “insuspeitas” como o senador coca-cola Tasso Jereissati (PSDB), o veto teria traído acordo feito por oposição e governadores com Bolsonaro, acordo que permitiu a própria aprovação da lei no Congresso, o que reforça a verdade historicamente comprovada de que não se deve negociar com fascistas.

O artigo 16 previa uma regra de transição ao novo marco, dando o prazo (já curto) de março de 2022 para as companhias estaduais renovarem ou assinarem contratos (chamados contratos de programa) diretamente com os municípios. Com o veto, a partir de agora todos os novos contratos terão de ser licitados, e não há regra de transição. Isso é grave porque era necessário um prazo mínimo para as estatais se adaptarem à nova regra. Antes de participar de qualquer licitação, as estatais precisam mudar todo seu sistema contábil, levantando ativos e registrando arrecadação e custos por município, enquanto o capital privado, já adaptado a esse sistema, fica em condição privilegiada de se apropriar das águas do país.

No fundo, o problema é que a nova lei é toda baseada num mito, vendido pelo capital privado através de seus representantes, o governo e a imprensa: o mito de que o antigo marco do saneamento privilegiava as companhias estaduais, e o novo viria para colocar empresas públicas e privadas em igualdade de condições para competir. Como se “competição” fosse solução, ainda mais num monopólio natural como o saneamento. Na lei antiga (11.445 de 2007), embora as estatais pudessem assinar contratos de programa diretamente com as cidades, tais contratos estabeleciam uma série de regras, como metas de ampliação da cobertura e redução de perdas, de forma que a sociedade só tinha a ganhar com eles. O problema é que a maioria das cidades simplesmente não quiseram assinar tais contratos! Sob a legislação anterior, o setor privado já tinha autorização de atuar no saneamento, e o fazia através de constantes campanhas de lobby junto a prefeitos e vereadores (frequentemente comprando-os junto com a mídia local) para licitar os serviços ao invés de assiná-los com as estatais.

Então já havia concorrência, ainda que desleal e corrupta. Já a nova lei beneficia abertamente o interesse privado. A maioria das estatais não tem como vencer licitações, pois têm o ônus de sustentar municípios pequenos e nada rentáveis, enquanto o capital privado só possui o filé, as cidades rentáveis. Além disso, a lei aprovada no Congresso ainda traz aberrações como o artigo 7º, que estabelece que os atuais contratos privados podem ser adequados às novas regras pelo aumento da tarifa (mas somente os privados!) e em outro trecho diz que o acesso a recursos federais fica condicionado a regras a serem definidas pelos ultraliberais de Brasília. Assim, sobrará ainda mais dinheiro público para empresas privadas, dinheiro que historicamente sempre sobrou nas privatizações, e faltará muito mais dinheiro público ao que restar das empresas públicas! Prova disso está na declaração de Gustavo Montezano, presidente do BNDES (principal agente de fomento federal), que afirmou em uma live que o Estado brasileiro “está comprado pela agenda” da privatização da água…

Agora, como se não bastasse, há também a abolição da regra de transição do artigo 16. Tal veto, mais do que nunca, deixa claro que o objetivo do novo marco nunca foi de resolver os problemas do saneamento, mas sim de acabar com as estatais, abrindo espaço a um assalto privado às águas jamais visto no mundo. Tudo isso baseado em uma visão ideológica de pretensa superioridade do privado, viés que não surge do nada, pois responde aos interesses poderosos do capital privado. Mas acabar com estatais é acabar com a transparência e o controle social num setor essencial à vida. Com isso, sofrem trabalhadores do setor (pela piora acentuada nas condições salariais e de trabalho), e sofre também a população, com perda do controle social e a quase certa disparada nas tarifas, tal como ocorreu com o setor elétrico nos anos 90, setor que guarda grande semelhança com o saneamento em termos de porte e de tempo de retorno dos investimentos.

Trata-se de verdadeiro crime de lesa-pátria entregar as águas brasileiras, que estão entre as maiores reservas do mundo, verdadeiro petróleo do século 21, para corporações privadas usarem ao seu bel-prazer.

Em suma, o povo tem muito a perder com a transformação em médio e longo prazo da água, um bem essencial à vida, numa mercadoria como outra qualquer, disponível somente a quem tem dinheiro. Por essa razão, é tarefa urgente pressionar deputados, senadores e governadores a derrubarem o veto presidencial ao artigo 16, única chance de o povo brasileiro sobreviver ao furacão privatista que pretende tirar para sempre as águas do país de suas mãos.