O povo não é burro, nem merece Bolsonaro

imagemPresidente da República, Jair Bolsonaro, cumprimenta populares no Aeroporto Internacional Serra da Capivara de São Raimundo Nonato. (Foto: Alan Santos / PR)

O ganho de popularidade por Bolsonaro não existiria sem o grande deserto de alternativas por parte da oposição

Por Pedro Marin | Revista Opera

Jair Bolsonaro recupera sua popularidade. É o que aponta a última pesquisa Datafolha, que dá conta de um aumento de 5% nos que avaliam seu governo como ótimo ou bom e 4% que o consideram regular. O índice daqueles que consideravam sua gestão como ruim ou péssima desceu 10 pontos percentuais.

Impressionados, desesperados e indispostos, desprezando tudo o que cheira suor ou se pretendendo realistas quando são na verdade ingênuos que se tornam céticos quando deprimidos frente a sua desilusões, muitos começam a apontar o culpado: o povo, que é burro. “Merecem Bolsonaro”, decretam.

O povo não é burro; é pragmático. Quem vê nisso uma criminosa indisposição à luta deveria se perguntar o que a oposição tem feito desde janeiro de 2019. Constatará que, fora esperar uma bala de prata midiática contra o presidente, não tem feito nada. Os bravos lutadores que apontam que o auxílio emergencial foi conquistado no Congresso, como se isso fosse motivo de algum orgulho, devem se lembrar que uma considerável fração da esquerda considerava demasiadamente radical ir para as ruas se opor aos apoiadores do presidente e falar em “democracia” – alguns se excitando com tal “radicalidade”, outros a repreendendo. Impressionar-se com as cifras e dizer que “não adianta fazer nada” é constatar justamente que nada foi feito, e que algo deveria. Dado o recado contra a empáfia, passemos à análise.

Se confirmada, a razão fundamental desta recuperação de Bolsonaro é a crescente disponibilização do auxílio emergencial, somada ao deserto de alternativas tratado no último parágrafo. Apontar para uma todo-poderosa máquina de propaganda ou a uma ignorância popular quanto à saúde pública é ignorar que a tendência na popularidade presidencial até o momento vinha sendo de queda, e crer que tal máquina de propaganda estava inativa nos últimos meses.

As baixas e confusões no ministério da Economia no começo da semana não foram acasos – a tendência apontada pelo Datafolha provavelmente já havia chegado ao Planalto, e a decisão do presidente por seguir gastando decepciona Guedes e seus associados. A lição de Maquiavel, segundo a qual um príncipe não pode estar seguro tendo a inimizade dos homens do povo – que são muitos – mas pode se tiver a dos poderosos – que são poucos – enfim foi compreendida.

Ocupam lugar destacado nessas disputas quatro elementos: as privatizações, a reforma administrativa, a reforma tributária e o teto de gastos. O cálculo se estabelece assim entre garantir a amizade parcelada do povo e pagá-la em onerosas faturas junto aos poderosos. Bolsonaro sabe que não pode manter os gastos, nos termos atuais, por muito tempo, sem que perca o apoio fundamental da classe que representa. Mas sabe também que não precisa: como ocorre a todos os atores hoje, está de olho em novembro, mês que trará a saída de Celso de Mello do STF – Bolsonaro apontará seu sucessor, mas ele deve ser aprovado pelo Senado -, as eleições municipais – que definirão a infraestrutura e a máquina política de cada força dali para frente, especialmente para 2022 -, e as eleições para a presidência da Câmara e do Senado.

Além disso, o presidente calcula que, à medida que perde apoio, perde também legitimidade, se tornando mais vulnerável a ataques, impedimentos e manobras. Passadas as eleições municipais e as reconfigurações institucionais, terá mais condições de avançar com uma reforma tributária injusta e uma reforma administrativa que rebaixe os salários e destrua a máquina pública. Contanto que não ultrapasse continuamente o teto de gastos, poderá manter alguns “programas sociais” – custam muito menos, afinal, do que manter a máquina pública funcionando.

Essas manobras permitirão a Bolsonaro manter alguma popularidade momentânea, mas ela tende a se degradar à medida que a situação econômica piora – e o cenário para o pós-pandemia é péssimo. O presidente não expandiu suas bases, não se tornou popular – comprou tempo. Tempo que, ao fim, acabará por custar muito frente ao povo, e pouco frente aos poderosos. No entanto, uma vez feitas as reformas, enquanto os primeiros voltem a lhe punir nas taxas de aprovação, aos últimos o presidente se tornará descartável.

O Brasil não merece Bolsonaro, tampouco pretensos democratas que se creem merecedores de outro povo, ou ainda de povo algum. “No mundo, não existe senão a massa do povo”, anotara Maquiavel. Espero que o compreendamos também.

Pedro Marin

24 anos, é editor-chefe e fundador da Revista Opera. Foi correspondente na Venezuela pela mesma publicação, e articulista e correspondente internacional no Brasil pelo site Global Independent Analytics. É autor de “Golpe é Guerra – Teses para enterrar 2016” e co-autor de “Carta no Coturno – A volta do Partido Fardado no Brasil.

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