O desastre econômico da administração de Paulo Guedes

imagemEdmilson Costa*

Os últimos números anunciados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, no segundo trimestre deste ano, representam a maior tragédia da economia brasileira desde que esses dados começaram a ser apurados pela instituição. O PIB apresentou uma queda de -9,7%, a maior da história econômica moderna do País. Do ponto de vista setorial, essa queda se torna mais grave se observarmos que a indústria em geral despencou para -12,9%, sendo que a indústria de transformação, o coração da cadeia de criação de valor, registrou uma queda de -17,5%. Os serviços caíram também -9,7% e somente o setor agropecuário teve um desempenho positivo de 0,4%.

Se observarmos outros dados relevantes para a conjuntura econômica, poderemos constatar a gravidade da situação econômica: o consumo das famílias, importante indicador para o desempenho do PIB, caiu para –12,5%, mesmo com o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso, e as despesas do governo com consumo foram reduzidas para -8,8%. Um indicador ainda mais alarmante é a performance do investimento (Formação Bruta de Capital Fixo), que retroagiu para -15,4%. Com esses resultados a economia brasileira regrediu aos patamares de 2009. Isso significa que, mesmo que em algum momento se retome o crescimento econômico, levaremos muitos anos para recuperarmos o tombo registrado nos últimos tempos e, particularmente, neste ano de 2020.

Não se pode esquecer que o desempenho da economia ocorre num ambiente de dura realidade sócio-econômica do País: redução da massa de salários, crise sanitária que já vitimou mais de 123 mil brasileiros e contaminou cerca de quatro milhões, desemprego generalizado (se somarmos os desempregados e desalentados, se aproxima de 20 milhões de trabalhadores), além de termos ainda 34 milhões na informalidade e outros tantos milhões na miséria absoluta. Numa situação dessa ordem somente o fanatismo ideológico do ministro Paulo Guedes pode acreditar no conto de fadas de uma retomada do crescimento econômico a partir do setor privado.

Como se sabe em qualquer manual de economia, o investimento é o principal fator de crescimento da economia, porque investir significa comprar máquinas e equipamentos, matérias-primas, contratar pessoas, entre outros itens. Quando o investimento apresenta uma queda dessa magnitude é porque a economia está em uma situação muito difícil. Mais grave ainda: mesmo com as taxas de juros baixas, os empresários deixaram de investir porque sabem que, numa conjuntura de recessão, desemprego e crise econômica, tanto nacional, quanto internacional, se investirem na produção, não terão para quem vender seus produtos. Por isso se tornam inteiramente bizarras as afirmações do ministro da economia no sentido de que a retomada do crescimento econômico deve ser realizada pelo setor privado.

Ao contrário do discurso otimista que os adoradores do mercado e os porta-vozes governamentais vinham afirmando, o Brasil enfrenta a pior recessão de sua história econômica moderna, com o agravante de que o País já tinha registrado uma grande recessão entre 2014 e 2016, no período de Dilma Rousseff e, posteriormente, uma continuada estagnação econômica, com crescimento pífio pouco acima de 1% nos anos posteriores. Portanto, os resultados desse último trimestre vêm apenas demonstrar que, se Paulo Guedes continuar com essa política de terra arrasada, a economia brasileira permanecerá por um largo tempo nesse processo de estagnação.

As mentiras de Paulo Guedes

O ministro Paulo Guedes é uma mistura de criminoso social, mentiroso contumaz e manipulador de dados, destacando-se ainda que está em guerra permanente contra os trabalhadores. Ao assumir o ministério prometeu uma espécie de paraíso para a sociedade brasileira: se as reformas fossem implantadas, o Brasil retomaria o crescimento econômico, criaria milhões de empregos, reduziria os privilégios e melhoraria a vida do povo brasileiro. O que se pode constatar nesse período de governo é um fracasso retumbante na área da economia e um desastre social, com aumento da concentração de renda, do desemprego e da miséria absoluta em todo o território nacional.

Guedes tem sido, tal qual Bolsonaro, um mensageiro do caos. Ele está colocando uma granada não apenas no bolso do funcionalismo público, mas dos trabalhadores e da população brasileira em geral. A política desenvolvida pelo Ministério da Economia tem um risco calculado: da mesma forma que o presidente, ele quer impor o caos porque acredita que só num ambiente desestabilizado, com todos desesperados diante de falsificações e fanfarronices, será capaz de emplacar sua agenda neoliberal. Ele sabe que medidas de tamanha brutalidade só podem ser implementadas numa ditadura. Como não tem força para realizar esse desejo, como na ditadura de Pinochet, a quem serviu, a tática é o caos, a intimidação, a mentira e a manipulação. Só numa conjuntura dessa ordem pode atingir seus objetivos.

Ao impor a reforma trabalhista, Guedes disse que esta reforma iria criar milhões de empregos porque desburocratizaria as relações de trabalho. Mentira: a reforma trabalhista devastou os salários e direitos dos trabalhadores e não criou nenhum emprego. Pelo contrário, aumentou o desemprego, precarizou a vida dos trabalhadores e permitiu que os empresários pudessem demitir em plena pandemia. Na verdade, com a desregulamentação do trabalho, o objetivo de Guedes é avançar com a barbárie: cerca de 50% dos assalariados brasileiros se transformariam em horistas, ganhando por hora trabalhada e não mais por salário mensal, sem direitos a descanso semanal remunerado, férias, 13º salário e outros direitos. Esse é o mundo ideal de Guedes.

Outra de suas grandes mentiras é recitar, como se fosse um mantra, que o governo está quebrado, que não pode gastar, que se gastar a inflação explode. Por isso, seria necessária a reforma da previdência, a partir da qual o País economizaria em 10 anos cerca de R$ 1 trilhão. Com esse discursinho raso emplacou a reforma e deixou as gerações futuras desamparadas, sem perspectiva de aposentadoria, a não ser que realizem um plano de previdência privada junto aos amigos de Guedes no sistema financeiro.

É também com esse discurso mentiroso que está tentando aprovar a reforma administrativa. Diz que a máquina pública precisa ser enxuta, que os servidores são parasitas que sugam o Estado como se este fosse um hospedeiro generoso, que o governo gasta 90% da receita com funcionários, que esses trabalhadores tiveram aumento de 50% acima da inflação, que é necessário acabar com a estabilidade no emprego e reduzir os salários. Mentira: na verdade, os gastos com funcionários públicos é de cerca de 20% da receita e, como percentual do PIB, inferior ao que se gastava em 2002. Mas Guedes aposta na desinformação e na prática de repetir a mentira até que esta se torne uma verdade.

É importante destacar essa questão da estabilidade no emprego: o que Guedes quer mesmo é retroagir à condição do funcionalismo público na década de 20 do século passado, onde sequer existia concurso público para as funções do Estado. Ele quer desmontar o pouco que resta de direitos dos trabalhadores e abrir as portas para o clientelismo, o coronelismo, retirando dos trabalhadores qualquer tipo de garantia e autonomia para investigar os dirigentes políticos de plantão. Como é que um funcionário público, sem estabilidade, vai redigir um parecer contra um prefeito, um governador, um parlamentar ou membro do Executivo federal?

A quebra da estabilidade abre as porteiras para o assédio moral, para chantagens e para demissões. Ao acabar com os concursos públicos, quer ampliar o domínio das oligarquias no interior do Estado, como na República Velha, onde os “coronéis” e governadores eram os que indicavam os funcionários de acordo com seus interesses. No caso particular do Brasil atual, se não existisse concurso público, Fabrício Queiroz e vários milicianos com certeza estariam em um cargo de confiança no governo.

Como manipulador de dados estatísticos, Guedes sempre costuma apresentar dados falsificados para justificar suas políticas neoliberais. Recentemente, para justificar o fim da destinação obrigatória de verbas para os gastos sociais, como saúde e educação, garantidos pela Constituição, ele inventou a lorota do descontrole das finanças públicas. Mas habilmente escondeu que, se existe problemas com as finanças públicas, é exatamente porque o governo paga anualmente mais de R$ 350 bilhões por conta da dívida interna. Aí está o principal elemento de desorganização das finanças públicas no Brasil.

Um agente dos banqueiros

Na verdade, o Brasil não tem um ministro da economia, tem um agente dos banqueiros que quer implantar a ferro e fogo a agenda neoliberal para servir aos interesses da oligarquia financeira nacional e internacional. Há dois episódios muito representativos de quais interesses comandam a economia brasileira atualmente. Logo no começo da pandemia, começou-se a discutir a necessidade de um auxílio emergencial paras as pessoas que ficaram desempregadas ou sem atividade econômica em função da doença. Guedes queria no início aprovar apenas R$ 200 para cada pessoa. Depois de muito debate e pressão da sociedade, visto que R$ 200 era uma quantia ridícula, o Congresso aprovou a quantia de R$ 600.

No entanto, no mesmo período as autoridades econômicas aprovaram repassar para os bancos R$ 1,2 trilhão, de forma a que o sistema financeiro facilitasse o sistema de crédito para as empresas em dificuldades em consequência da pandemia. Os banqueiros não utilizaram esse dinheiro para irrigar o crédito, mas para especular na Bolsa de Valores, que passou a bater recordes de alta, ou para depositar o próprio dinheiro, como sobras de caixa, no Banco Central e receber juros sobre esses depósitos. Agora mesmo, o Conselho Monetário Nacional autorizou o repasse de R$ 325 bilhões para o Tesouro Nacional, resultado dos ganhos contábeis com as reservas cambiais em função da desvalorização do real. Mas esses recursos serão destinados exclusivamente ao pagamento da dívida interna.

Enquanto isso, o governo reduziu o auxílio emergencial para os 67 milhões de pessoas (de R$ 600 para R$ 300), o que significa cortar pela metade a comida na mesa dessas 67 milhões de famílias. Ou seja, em plena pandemia, a prioridade desse governo, e de Paulo Guedes em especial, que afinal queria uma quantia ainda menor, é favorecer os interesses dos banqueiros (e que se dane a população brasileira!), uma vez que os recursos repassados ao Tesouro dariam para bancar com folga o auxílio emergencial de no mínimo R$ 600 pelos próximos sete meses.

Aliás, o conjunto de meias verdades e mentiras completas do ministro Paulo Guedes ficou completamente desmoralizado nessa crise: o discurso da austeridade, da responsabilidade fiscal, do corte dos gastos, das privatizações não era nada mais nada menos do que pretextos para destruir direitos, garantias e salários dos trabalhadores, transferir o patrimônio público para o setor privado e avançar despudoradamente sobre o fundo público. Num passe de mágica, surgiu dinheiro para repassar aos bancos, para cobrir o auxílio emergencial e para transferir recursos ao Tesouro para pagar a dívida interna.

A ofensiva da burguesia e a alternativa classista

Agora as classes dominantes e seu principal porta-voz, a Rede Globo, ensaiam novamente o discurso do teto dos gastos, da responsabilidade fiscal e da austeridade. A próxima ofensiva ideológica para os pós-pandemia já se pode prever: o governo vai argumentar no sentido de que o Estado gastou muito com a pandemia e que é necessário apertar o cinto para pôr as contas em ordem. Mas esse discurso vai encontrar enorme resistência: primeiro, porque em várias partes do mundo essa é uma narrativa que está sendo posta de lado. Muitos governos conservadores, diante da necessidade objetiva de responder à questão do emprego e da retomada da economia, estão colocando em marcha planos heterodoxos na área econômica. Aqui mesmo no Brasil, inclusive no interior do governo, já há um debate sobre os caminhos a serem seguidos para retomar a economia.

Mas, independentemente das contradições entre as frações das classes dominantes, tanto nacionais quanto internacionais, todos são ferrenhos defensores do capital, da ofensiva contra os trabalhadores, das privatizações e do assalto ao fundo público. Não se pode ter nenhuma ilusão: quem tiver vai pagar um alto preço político. A propósito, todos estão de olho nas privatizações que o governo está anunciando: entre as empresas estão os Correios, a Eletrobrás, o Pré-Sal, além do desmembramento por dentro da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e da Petrobrás. Assaltar o patrimônio nacional e o fundo público está na ordem do dia das classes dominantes.

Por isso, as forças classistas não podem cair na ilusão de alianças com o inimigo. É necessário pensar estrategicamente. Não dá para pensar apenas no varejo. As medidas antipopulares, o desemprego e a miséria vão acirrar a luta de classes, e os comunistas, em particular, devem estar preparados para qualquer cenário. É fundamental disputar o momento pós-pandemia tanto com a burguesia quanto com aqueles que se iludem com a conciliação de classes. Ao mesmo tempo em que devemos defender a unidade de ação com todos que estejam contra esse governo e sua política de terra arrasada, é fundamental construir uma sólida unidade das forças classistas, de forma a que se apresentem para a sociedade como uma alternativa à barbárie que a burguesia quer impor aos trabalhadores, à juventude e ao povo pobre das periferias.

Devemos nesse processo construir um programa estratégico que possa combinar dialeticamente medidas objetivas para resolver os problemas concretos, imediatos e cotidianos da população, com uma plataforma alternativa anticapitalista para o nosso País. Só armados com esse programa para atuar na conjuntura que se abrirá no pós-pandemia é que teremos condições de influir com protagonismo no próximo período. A conjuntura está favorável para um discurso que desmoralize a política neoliberal, a falência dos serviços privados, o ataque contra os trabalhadores e a juventude e o povo pobre e que vincule esses problemas com as classes dominantes e o sistema capitalista. A hora é de ousadia e luta!

Edmilson Costa é secretário-geral do PCB, doutor em economia pela Unicamp, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É autor, entre outros, de Reflexões sobre a crise Brasileira (edições Revolucionárias, 20220), A crise econômica mundial, a globalização e o Brasil (Edições ICP, 20013) e A globalização e o capitalismo contemporâneo (Expressão Popular, 2008), além de vários ensaios em revistes e sites nacionais e internacionais.