História e eleições do ANDES-SN: como avançar?

imagemPor Fran Rebelatto
Professora da UNILA
Sindicalizada da SESUNILA e do ANDES-SN
Militante da Unidade Classista e da Coordenação Nacional da UC

Começo este texto em primeira pessoa, mas não se trata de uma apresentação pessoal desvinculada de uma reflexão necessária sobre uma perspectiva coletiva de carreira docente, sobre a universidade pública brasileira, sobre os instrumentos de luta que organizam os/as trabalhadores/as. Esta apresentação em primeira pessoa pretende refletir e colaborar no sentido de encontrar uma coletividade composta por muitos/as professores/as de todo Brasil que se integram à carreira docente a partir das políticas de expansão do Reuni e com a interiorização das novas Universidades e Institutos Federais e CEFET. Sou professora da UNILA, uma professora que entra na universidade em 2013, ou seja, já com uma carreira docente fortemente atacada pela Reforma da Previdência de 2003 e que é pressionada todos os dias pelos governos de plantão a aderir ao FUNPRESP, por exemplo. Estou numa universidade do Reuni que ainda hoje sofre com sua incompleta implementação, com a falta de professores, de infraestrutura, de restaurante universitário e moradia estudantil, com a falta de recursos que permita a permanência de estudantes brasileiros e, no nosso caso, dos países da América Latina e do Caribe.

Sou uma jovem professora, que nasceu no ano de 1984, quando então a Associação Docente, a ANDES, recém criada, tinha seus três primeiros anos, mas já lutava bravamente pela anistia e pelo processo de redemocratização deste país. Quando eu tinha quatro anos, em 1988, com a Nova Constituição e o direito dos servidores públicos de se sindicalizar, a Andes dá lugar ao ANDES, O NOSSO SINDICATO NACIONAL. Mesmo não tendo vivido esse momento histórico desde a base do sindicato, não posso me furtar do direito e do dever de recorrer à história do ANDES-SN, articulando-a com a luta de classes no Brasil nessas quatro décadas de existência do sindicato. Pois é a partir desta perspectiva histórica, em articulação com todas as lutas pela universidade pública, pelos direitos sociais, da luta pela terra e da pela moradia, que tenho condições de me armar com uma consciência crítica para entender onde estamos e a partir de quais estratégias devemos organizar as lutas futuras.

Ao mesmo tempo, não negligencio a relação entre as pautas mais imediatas da nossa categoria docente, neste momento profundamente estafada com a imposição do ensino remoto, com as lutas necessárias contra a exploração e as opressões. Também não negligencio as mudanças no mundo do trabalho, o aprofundamento da precarização da vida humana, a uberização e o empreendedorismo, ditames da ideologia neoliberal, que cada vez mais afastam os/as trabalhadores/as dos instrumentos de luta historicamente construídos. Não negligencio, por fim, a importância de conhecer com profundidade e com atenção os princípios que orientam nosso sindicato, pois estes me permitem colaborar mais acertadamente na construção, pela base, desse instrumento.

Diante desse ensejo inicial de apresentação pessoal articulada com uma leitura de realidade guiada pela história, considero que tenho condições de apontar que o está em jogo nas eleições do ANDES-SN, entre outras questões, é, centralmente: i) A tentativa de uma falsificação histórica desses 40 anos do ANDES – o Sindicato Nacional; ii) o distanciamento dos princípios que orientam a organização do sindicato construído pela base, ou seja, pelo seu local de trabalho; iii) uma perspectiva imediatista de leitura da conjuntura, que não aponta para a necessária reorganização da classe trabalhadora e o fortalecimento dos nossos instrumentos de luta.

1) Por que para os ‘renovistas’ a história do ANDES-SN só pode ser discutida a partir de 2016?

Durante a campanha para as eleições do ANDES-SN, na qual se colocaram lado a lado dois projetos de sindicato – o da Chapa 1 – Unidade para Lutar e do Chapa 2 – Renova Andes -, tem sido muito difícil fazermos o debate sobre a história do ANDES-SN e sua relação com a luta de classes, sem cairmos nas escusas de que é necessário discutir somente o presente, que, por certo, está sob uma conjuntura muito dura, e claro, é fundamental discutirmos, nos organizarmos e fazermos os enfrentamentos necessários. Mas os/as companheiros/as ‘renovistas’, esquecem que para lutarmos melhor, é um erro negligenciar a história, pois isso pode nos levar aos mesmos equívocos do passado. Os ‘renovistas’ insistem em olhar para a história do ANDES apenas por duas perspectivas: ou para recuperar a concepção de uma associação docente anterior ao período da formação do Sindicato Nacional, ou então, a partir de 2016, após o Golpe que depôs a presidenta Dilma Rousseff. Para eles, inclusive, é apenas após 2016 que iniciam os ataques à educação pública no Brasil. Infelizmente eles esqueceram das políticas dos governos de conciliação de classe que destinaram uma parte significativa do nosso fundo público para os grandes conglomerados de educação ou para os juros e amortizações da dívida pública.

Os ‘renovistas’ abrem uma lacuna de três décadas da história do ANDES-SN por que se recusam a olhar para o passado, a refletirem sobre o esgotamento de uma estratégia que orientou a classe trabalhadora brasileira, ou seja, a estratégia democrático-popular, ao mesmo tempo, que se recusam a debater a transformação do Cutismo num sindicalismo de mercado, corroborando com o apassivamento da classe, e ainda se recusam a debater a criação de uma Federação que durante os governos de conciliação, infelizmente, dividiu a categoria docente, tentando ‘acabar’ com o ANDES, o que resultou na cassação da carta sindical do sindicato por anos. Federação essa que introduziu em várias seções sindicais métodos anti-democráticos e que impedem as/os professoras/es de fazer a luta concreta.

Diante dessas lacunas históricas que estão sendo provocadas pelos ‘renovistas’, nunca foi tão urgente e fundamental reconhecer o ofício dos/as historiadores/a que nos ajudam a evitar que as falsificações do passado prosperem para que essas não legitimem ações políticas do presente e, por certo, do futuro. A pergunta final deste primeiro ponto é: A qual projeto de sindicato serve negligenciarmos a história de quatro décadas de luta do ANDES-SN? E quais os interesses em resgatarmos a ANDES?

2) O que significa um sindicato organizado pela base, ou seja, pelo local de trabalho?

Outra questão que tem sido recorrente nos debates pelas eleições do ANDES-SN é a dificuldade, ou neste caso a escolha proposital, de compreender que o ANDES-SN é um sindicato que, ao final da década de 80, se conforma como um sindicato construído pela democracia de base. O ANDES-SN rompeu como uma perspectiva sindical implantada no Brasil ainda na década de 30 e se consolidou com a organização pelos locais de trabalho, ou seja, pelas seções sindicais que estão em cada universidade federal, estadual, municipal, instituto federal e CEFET. Em cada um desses locais de trabalho, as seções sindicais gozam de autonomia financeira, política, patrimonial e administrativa, e por isso podem e devem construir junto com a categoria suas pautas locais à luz de realidades específicas, levando ao conjunto geral da categoria posicionamentos e teses que corroborem na construção das políticas gerais do sindicato, que guiam nossos planos de lutas.

Numa organização sindical construída pela base, cabe à direção nacional, a partir das deliberações nas seções que se encontram nos espaços deliberativos nacionais (Conselhos e Congressos) levar a cabo o plano de lutas construído coletivamente. Explico melhor, desde a realidade da SESUNILA, que, assim como eu, é uma jovem seção sindical. A SESUNILA – que no dia 27 de novembro completa cinco anos -, nasceu orientada pela compreensão de um sindicato organizado pelo local de trabalho, por isso desde o início realizou vários esforços para levar ao conjunto da categoria pautas importantes que fazem o sindicato avançar, por exemplo, a ajuda para as novas seções sindicais que não tem as mesmas condições materiais das grandes seções, as especificidades das universidades que estão em territórios de fronteira e, ainda, reforça a necessária construção de espaços formativos no ANDES com perspectiva internacionalista junto a sindicatos da América Latina.

Como sindicato que faz suas discussões na base e que essas decisões são remetidas para o conjunto da categoria, nem sempre nossas teses são as que vencem no debate político, como é o caso, por exemplo, da discussão sobre as Centrais Sindicais. Nós da SESUNILA, em assembléia docente, a partir dos balanços apresentados no Caderno de teses do sindicato e pela leitura de realidade coletiva que realizamos, decidimos que era necessária a decisão de desfiliação da CSP e a construção de outros instrumentos de luta que possam ajudar no caminho da reorganização da classe trabalhadora brasileira. Pois bem, no congresso nacional do ANDES-SN de janeiro de 2020 – espaço que os/as delegados/as representantes devem levar às posições de suas bases-, nossa posição foi minoritária, visto que o conjunto das seções sindicais expressou que deveríamos seguir fazendo um ‘balanço’ sobre a possível desfiliação ou não da central sindical CSP-Conlutas.

Pois bem, os ‘renovistas’ insistem em responsabilizar a direção pelas decisões nos espaços deliberativos, mas, no entanto, negligenciam que são os/as sindicalizados/as das seções que deliberam sobre as pautas colocadas nas diferentes teses apresentadas ao conjunto dos/as sindicalizados/as por meio do Congresso nacional e/ou Conad. Então a pergunta que pode ser colocada ao final deste segundo ponto é: a que projeto de sindicato serve negligenciar os princípios históricos que orientam a organização do instrumento de luta? Não estariam os ‘renovistas’ propondo um projeto de sindicato que não se oriente pelas decisões da categoria?

3) Do presente, atenta ao passado, qual o futuro do ANDES? Por que é necessário lutar pela reorganização da classe trabalhadora e por um projeto de sindicato vinculado a um projeto de Universidade e a outro projeto societário?

Neste processo eleitoral temos reafirmado a necessidade de um sindicato classista, ou seja, um sindicato que não rebaixe suas pautas diante de uma possível regulamentação de condições precárias e desumanas de trabalho, como o Ensino Remoto Emergencial. Um sindicato que articule a compreensão dos ataques à categoria docente, o ataque à educação pública, com a realidade social e que se lance no desafio de avançar. Avançar, porque ao olharmos para o passado percebemos que as estratégias que apassivaram a classe e que não se impuseram diante do avanço das políticas neoliberais sobre os fundos públicos corroboram significativamente para uma carreira docente já bastante aviltada e também para a precarização do trabalho docente e das nossas universidades e as condições de ensino e aprendizado.

Por outra parte, é fundamental conseguirmos avançar na análise concreta da realidade a partir das profundas mudanças do mundo do trabalho, do avanço do capital e das suas formas de acumulação que hoje dependem dos fundos públicos e dependem que os direitos sociais, ao serem privatizados, se transformem em mercadorias. A partir de uma conjuntura em que os marcos ideológicos do neoliberalismo seguem bradando desde as concepções do empreendedorismo, o individualismo, a divisão dos/as trabalhadores e a deslegitimação dos nossos instrumentos de lutas.

É à luz destes desafios que temos que aprofundar o debate do possível afastamento dos/as professores/as do seu sindicato, não a partir de uma perspectiva reducionista que atribui a responsabilização a uma ou outra diretoria, mas a partir da discussão profunda do que significou as mudanças políticas, sociais e econômicas que marcaram essas últimas quatro décadas nas quais o ANDES-SN tem se consolidado como o legítimo representante das lutas das/os professoras/es e nunca se furtou de estar em todas as trincheiras.

E é por isso que tememos a perspectiva ‘renovista’ que apresenta fórmulas ‘mágicas’ para resolver o problema do afastamento das/os docentes, sem colocar essa questão à luz da história, da realidade concreta do mundo do trabalho e do avanço das políticas neoliberais.

Diante de todas essas preocupações que têm perpassado essa caminhada na campanha das eleições do ANDES-SN, me foi possível com maior tranqüilidade reafirmar que a professora que entrou em 2013 na universidade, se formou e se forjou nas lutas concretas da SESUNILA como base do ANDES-SN e em contínuo aprendizado, está atenta à história (mesmo não a tendo vivida), me dispondo a enfrentar o perverso presente, apontando ao futuro junto à tantos/as, reafirmando que precisamos lutar sim por um sindicato classista, por um projeto de universidade efetivamente referenciada nos interesses da classe trabalhadora e, por isso, popular, consciente de que é urgente bradarmos por um outro projeto societário.

Sem imediatismo, sem fake news, sem medo de discutir a história, vamos adelante camaradas, por um ANDES-SN classista, com unidade para lutar e avançar!

Foz do Iguaçu, dia 30 de outubro de 2020.