Os povos indígenas e as eleições

imagemAs eleições municipais 2020 e a participação dos povos indígenas

Grupo de Trabalho Indígena do Partido Comunista Brasileiro – PCB

É notório o crescimento da participação dos povos indígenas no processo eleitoral brasileiro, e os dados vêm crescendo, eleição pós eleição. Neste ano foram 2.216 a apresentar candidaturas – prefeita/o, vice e vereador/a, 29% a mais do que no pleito municipal passado; 0,34%, considerando o total de eleitas/os no país, foram indígenas, superior ao patamar de 0.26% da eleição pretérita. A Região Norte, com 927 candidaturas, liderou o lançamento; no Sudeste, a menor participação, 167 nomes se submeteram às urnas.

O aumento do número de indígenas no processo eleitoral pode indicar um fortalecimento dos movimentos indígenas, bem como uma análise da importância de se ocupar os espaços institucionais para dar visibilidade às demandas e reivindicações dos povos originários. Ao final, 237 foram eleitos/as, entre prefeitos/as, vices e vereadores/as. Houve um espalhamento de eleitos/as por todas as regiões do país.

Não é pouco, a considerar o massacre político, econômico, social e cultural a que estão submetidos até hoje os povos originários no Brasil (ao tempo em que se redige essa nota e à guisa de exemplo, nos deparamos com impugnações eleitorais de caráter racista e classista em face do cacique Marcos Xucuru, eleito prefeito de Pesqueira – PE, o que merece todo o nosso rechaço). Não é pouco, se considerarmos que temos cerca de um milhão de indígenas em todo o país, algo como pouco menos de meio por cento da população brasileira.

Visitando a filiação partidária das/os eleitos, verificamos que a imensa maioria, algo como 80%, estão afiliados a partidos do campo conservador, indo do centro, centro direita à direita, com predomínio do MDB – 28 eleitos; PSD e PP – 19; DEM e Republicanos – 15; Cidadania, PSDB e PL – 13; PSC e PROS – 8, seguindo-se outros menores. No chamado campo progressista, o PT surge com 26; PDT com 8 e PC do B com 5. Leitura fria e singela desses números indicariam que o movimento indígena brasileiro, ao menos sob a ótica eleitoral burguesa, estaria situado no espectro conservador e ultraconservador da nossa sociedade, alinhando-se, assim, a uma pauta contrária aos seus próprios interesses e direitos históricos, pois nesses segmentos sociais estão alocados latifundiários, industriais, financistas, terraplanistas, negacionistas, racistas, xenófobos, machistas etc.

Porém, nos parece que não é bem isso que ocorre ao menos em certa porção, uma vez que as lideranças indígenas parecem considerar, para o lançamento de candidaturas locais / municipais as chances reais do partido A, B ou C conquistarem postos no Executivo e sobretudo do Legislativo, desprezando, assim e aparentemente, forças mais à esquerda do universo político em prol da viabilidade real de se eleger um ou mais indígena. Ou seja, em uma primeira leitura, parece que o que vige é um critério bastante pragmático e funcional que se norteia por questões bastante objetivas e que estão próximas e/ou jungidas ao poder municipal, ainda que, de modo concorrente com as outras esferas da Federação, como a educação, a segurança alimentar e a saúde indígena.

Por outro turno, pode-se também ler essa grande frequência de indígenas eleitos por partidos da ordem como uma tentativa ou ação de captura de corações e mentes por parte desses agrupamentos conservadores, objetivando com isso neutralizar ou arrefecer a luta indígena em nível local / regional quanto à centralidade do dilema dos povos originários: a questão da terra e dos territórios, para que, ao menos nessas paragens algo mude para que tudo permaneça como sempre esteve, parafraseando Tomasi di Lampedusa em Il Gattopardo. Isto é, uma movimentação mais ou menos orquestrada por parte desses partidos da ordem para além de se vestirem com roupa (rota) da diversidade e pluralidade, agirem junto às bases do movimento e organizações indígenas para solaparem o que é a razão primeira da própria existência dos povos originários, na sempre atual leitura de J. C. Mariátegui: a terra e seu pleno domínio sobre ela.

É preciso, pois, atenção e cautela, nem ufanismo nem acachapamento desiludido diante do quadro numérico que se apresenta e, dada essa leitura, continuar o trabalho por autonomia e fortalecimento dos povos e organizações indígenas, com respeito à cosmovisão e diversidade de culturas e modus de vida dos povos originários, sabendo pautar e dosar a argamassa da luta institucional e da ação direta, sem deixar de ter piso da vida política social e o horizonte na libertação do jugo capitalista, a ruptura para a construção de um outro modelo de sociedade.

** Os dados numéricos desse texto foram obtidos junto às páginas na Internet do Instituto Socioambiental – ISA e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, podem apresentar alguma ou outra pequena imprecisão dado que haviam algumas (poucas) candidaturas sub judice.