Colômbia: um novo momento na luta de classes

imagemPor Aureliano Carbonell

Resumen Latinoamericano

Na Colômbia, neste 2021 e nos anos imediatamente seguintes, tende a se travar lutas sociais e políticas de maiores dimensões em relação às que se apresentaram nos últimos 12 anos, o que, recordemos, têm marcado desde 2008 um novo ascenso da mobilização social.

Dadas as características que estão se apresentando, sobretudo nos últimos três anos, os processos e lutas futuras, além de pressionar por reivindicações imediatas, tendem a incorporar demandas de maior transcendência política e por mudanças, tal como vem sendo a característica nos últimos tempos.

Independentemente da próxima conjuntura eleitoral, ou sem nos prendermos exclusivamente a ela, está claro que se configura nos anos recentes, como uma possibilidade real, a emergência de um novo governo que defenda a soberania e mudanças; um cenário provável, mas não inexorável.

Na conformação deste cenário incidem os problemas históricos acumulados e as lutas que vêm do passado, mas também questões mais recentes, como a ascensão de processos por exigências sociais e políticas em decorrência dos descumprimentos que se arrastam, do desgaste e das dificuldades crescentes que evidenciam a incapacidade do atual governo, com a intensidade que tende a cobrar no imediato e no novo contexto latinoamericano e mundial que se está se desenvolvendo, acelerado agora pela pandemia.

O vírus barrou temporariamente o ascenso da luta social, que em 2019 mostrou a maior força da última década. Não obstante esse parêntesis gerado pela pandemia, no segundo semestre de 2020 puderam se constatar expressões tão visíveis como as mobilizações de 9 e 10 de setembro, brutalmente reprimidas pela polícia.

Para este 2021 e para os anos imediatamente seguintes, se diagnosticam e se percebem novas e maiores lutas e mobilizações, assim como uma maior confrontação política. A pandemia impôs somente esse parêntesis, que soma razões às insatisfações causadas pela gestão tão péssima da mesma.

Novo momento na luta de classes

Se conseguimos ver para além do superficial e do dia a dia, nos daremos conta de que nos anos recentes se esteve perfilando no país um novo momento da luta de classes e das possibilidades de mudança, apesar da continuidade do terrorismo de estado, do paramilitarismo e do terrível e crescente assassinato de líderes sociales e ex-combatentes das FARC desmobilizadas [1].

Colômbia não está alheia ao que se apresentou no continente latinoamericano na primeira década deste século XXI, nem ao que tende a se reeditar na atualidade. Estamos diante de novas realidades, imperceptíveis em alguns casos, porém, reais e em desenvolvimento, o que demanda a quem está comprometido com as mudanças e com outro futuro para os colombianos, a reestabelecer e ajustar vários dos desenhos que havíamos construído para momentos e situações anteriores.

Neste 2021 e nos dois, três ou quatro próximos anos, tende a se acrescentar o repúdio ao atual governo ou a outro de caráter igualmente oligárquico e mafioso; tende igualmente, como já se tem colocado, a ampliar significativamente a luta social e política dos de baixo e dos setores médios, desatando-se conjunturas de crises de governabilidade, de maiores e melhores opções de mudança e de novo governo.

Tudo isso em razão das novas realidades em desenvolvimento no país, no continente e no contexto mundial, em especial, neste último caso, com a decadência e a progressiva perda de hegemonia dos Estados Unidos como centro imperialista, questão que se tem feito mais evidente nos últimos tempos.

Fatos relevantes

a. Em Colômbia, desde 2008, quando da Minga (protesto) indígena e popular de Cauca, assistimos a um novo ciclo de ascensão das lutas sociais e das lutas políticas de massas. Esse ascenso, apesar de ter sido irregular, se mantém e tem obtido cada vez maiores alcances.

b. São inéditos nos últimos 100 anos de nossa história, os resultados dos comícios presidenciais de 2018, marcando um novo momento na disputa institucional com as forças oligárquicas e do imperialismo. Recordemos que, nessas eleições, o candidato da oposição de centro esquerda conquistou 43% do total da votação.

c. O desgaste do atual governo, a crescente insatisfação da população e as dificuldades crescentes que estão se apresentando, junto com o debilitamento da hegemonia da ultradireita uribista.

d. Os efeitos e as tensões sociais que estão sendo geradas pela crise econômica, agudizada pela pandemia da Covid-19. Ao final de janeiro, já teremos ultrapassado os dois milhões de contágios e com cerca de 50.000 mortos; o crescimento do PIB na Colômbia, segundo a CEPAL, se fixou, no ano de 2020, em -8%, o que não se apresentava desde há muitas décadas; o desemprego no terceiro trimestre estava em torno de 14% e a informalidade chegou a 60%.

Historicamente, nos momentos de crise econômica, ocorrem grandes revoltas sociais, se multiplicam as lutas dos povos e se desatam situações de mudanças.

A situação atual é tão crítica que Antonio Guterres, Secretário Geral da ONU, advertiu que esta é a pior crise para a região nos últimos cento e vinte anos. Não é casual que a CEPAL advirta que “As cicatrices deixadas pela maior crise em décadas, com um aumento dos níveis de desemprego e pobreza, assim como da desigualdade, poderiam intensificar as tensões sociais latentes…” (El Mercurio. Chile. «La peor crisis económica de los últimos 120 años«. 16 de dezembro de 2020).

e. Na atualidade persistem as disputas interoligárquicas apresentadas nos últimos oito anos por diferentes razões, o que tem contribuído para reduzir o consenso com o setor oligárquico e político que predomina no atual governo, abrindo assim melhores espaços ao campo popular, à mobilização, à oposição política e às opções de mudança.

f. O desprestígio que no momento registram instituições como a Promotoria, o exército e a polícia, assim como outras encarregadas do controle social, é o maior nos últimos quarenta anos, segundo distintos analistas e pesquisas de opinião.

g. Nas mobilizações do ano passado, especialmente nas ocorridas no segundo semestre, ganhou força o grito que exigia a saída ou queda de Duque. Fica a questão de saber se essa reivindicação poderá seguir agora em 2021, se será ampliada e articulada com setores mais amplos da população e se ganhará mais força no país, dada a péssima gestão deste governo e o clima social de inconformismo que tem se manifestado desde os primeiros meses de sua posse, em agosto de 2018, ao que se somam as situações que estão gerando a agudização e o prolongamento da pandemia.

h. A situação do continente está mudando novamente de forma favorável para os povos. Em 2019, no Chile, Equador, Haiti e Colômbia, ocorreram os protestos e mobilizações sociais mais fortes e mais longos dos últimos anos em cada um desses países; no final de 2020, estourou a crise de governo e governabilidade no Peru e houve mobilizações sem precedentes na Costa Rica. No México e na Argentina, emergiram governos progressistas e, um ano após o golpe na Bolívia, o Movimento pelo Socialismo (MAS) ganhou as eleições e novamente assumiu o governo. Cuba continua a resistir e irradiar sua voz de encorajamento e a Venezuela sobrevive à feroz ofensiva norte-americana e europeia.

i. Um fator recente de grande relevância, que se soma aos anteriores para configurar um novo momento da luta de classes, advém das situações que estão ocorrendo nos Estados Unidos, como potência imperialista. Está perdendo sua primazia econômica frente à China; é o país mais afetado pela pandemia, com quase 25 milhões de infecções até o momento e mais de 400.000 mortes; estourou uma crise paradigma política, de legitimidade e de paradigma democrático, retratada nas mobilizações por ocasião do assassinato do afro-americano George Floyd e, especialmente, nos acontecimentos do 6 de janeiro passado no Congresso, verificadas as tensões sem precedentes em torno da transição presidencial.

Quando o Império central se enfraquece, quando seu declínio começa a se manifestar, quando sua crise se torna mais aguda, intensa e palpável, ampliam-se as possibilidades de emancipação dos povos. Recordemos a nossa própria história, quando da crise do império espanhol e as melhores condições que ela gerou para a luta pela independência do continente.

Possibilidade histórica

Embora nem todos os astros estejam alinhados, começa a se configurar um momento histórico favorável às lutas populares. Neste contexto, a clarividência, decisão, ação e oportunidade do componente subjetivo são vitais e decisivas e, portanto, é necessário o impulso das forças populares, progressistas, pelas mudanças e o futuro do País.

Estamos diante de uma possibilidade histórica que pode desaparecer mais uma vez, se não enfrentarmos juntos a situação, com lucidez, audácia e unidade, pensando além dos interesses particulares de cada corrente, força ou setor, com uma visão do país e de um contexto continental.

É preciso agir com maior protagonismo e incidência das lutas sociais, nas diferentes dinâmicas extra-institucionais e institucionais da luta política, na obrigação de avançar pela construção de um grande bloco popular e democrático, capaz de alimentar e promover as batalhas que aprofundem a crise governamental, contribuindo assim para a alternativa radical de mudança, que se inscreva em uma perspectiva de futuro.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Fonte: Rebelión