Pelo SUS público, gratuito e de qualidade!

imagemPor Rômulo Caires

Jornal O MOMENTO – PCB da Bahia

Muitas análises sobre o desempenho do governo Bolsonaro no cenário da pandemia de COVID-19 ressaltam seu aspecto negligente ou sua incompetência em gerir uma situação de crise. Tais análises cometem um erro comum aos pressupostos liberais: tomam os acontecimentos devastadores do capitalismo como meros “desvios” de um determinado ideal de sociedade harmonizada, e assim não são capazes de captar as determinações que propiciaram tais eventos.

Se após a eleição de Bolsonaro muitas das forças políticas que facilitaram a sua ascensão à presidência começaram a se afastar de suas propostas mais radicais, não foram poucos aqueles que aprovaram e ainda hoje aprovam o núcleo duro de sua política econômica para o país. Tal fato não pode ser esquecido ao analisar a atuação de Bolsonaro no período da pandemia. Os mortos que se empilham em escala geométrica são o resultado não apenas do governo Bolsonaro em si, mas de um longo processo de continuidades e descontinuidades que marcaram o capitalismo brasileiro nas últimas décadas.

No espaço dessa nota gostaríamos de avançar sobre dois aspectos diretamente relacionados à gravidade da pandemia em nosso país: o desmantelamento dos serviços públicos, especialmente os serviços de saúde, e o negacionismo que abrangeu amplos setores da população brasileira. Ainda que saibamos que, numa sociedade capitalista, as instituições operam nos marcos de uma sociabilidade regulada pela autovalorização do valor, dessa forma não podendo se destacar acima das contradições de classe inerentes a essa sociabilidade, as conquistas em matéria de direitos sociais no Brasil não se deram de forma automática e passiva. Em um país de capitalismo subordinado e origem colonial como o nosso, as garantias formais ou o incremento de direitos sociais nunca esteve na ordem do dia. A dita “modernização da sociedade brasileira” se deu pagando alto tributo, e assim, o aumento da produção da riqueza se seguiu à intensificação da exploração e degradação da força de trabalho. Os momentos de maior mobilização da classe trabalhadora e setores oprimidos foram capazes de impor algum freio nessa dialética perversa, e dentre os ganhos notáveis podemos colocar a constituição da seguridade social e do Sistema Único de Saúde (SUS).

O SUS foi elaborado no contexto das lutas pela reforma sanitária no fim dos anos 70 e decorrer da década de 80, intimamente ligadas a todo o processo de contestação da ditadura militar brasileira. Apesar da força dos movimentos em torno da reforma sanitária, o SUS nasceu e se estabeleceu abarcando amplas contradições, sendo constantemente atacado e fragilizado. Ele se formou em pleno avanço do neoliberalismo no mundo, e apesar das intenções mais progressistas, sempre esteve ameaçado. O subfinanciamento foi a tônica constante, e tentativas de conciliar o sistema com as demandas dos planos de saúde e das grandes empresas de tecnologia médica mostraram constantemente a impossibilidade de realização de um autêntico sistema universal sob o domínio do capital. Além disso, a precarização das relações trabalhistas a partir da terceirização de amplos setores da saúde e a adoção de mecanismos de gestão público-privados contribuíram para uma grande desmobilização dos setores mais combativos. Nesse sentido, o desinteresse em universalizar o SUS e fortalecer sua dinâmica em direção oposta à da mercantilização da saúde não se deu apenas na atual conjuntura, ainda que seja evidente a tentativa de radicalizar o seu desmonte.

Apesar da importância do repúdio gerado após a tentativa de o governo Bolsonaro terceirizar a Atenção Primária à Saúde (APS), não podemos nos esquecer que o modelo de gestão público-privada já estava inscrito nos governos anteriores. As Organizações Sociais (OSs) e fundações estatais de direito privado possuem históricos bastante fartos em incapacidade de oferecer bons serviços, múltiplos exemplos de corrupção e ainda a precarização extensiva das relações trabalhistas. Tais empreitadas, em conjunto com as demais “políticas de austeridade”, vêm criando há muitos anos amplo consenso na mídia hegemônica, que ao cabo de estarem lutando contra a “ineficácia dos serviços públicos” ou contra os “gastos excessivos do Estado”, estão na verdade contribuindo com o fim desses serviços e sua substituição pela pura lógica do lucro. Tal lógica é a mesma que impulsionou o governo Bolsonaro e seus diversos aliados pelo Brasil a boicotarem a maioria das medidas de combate ao COVID-19. Mesmo políticos que agora parecem representar a vanguarda contra o irracionalismo de Bolsonaro não abriram mão de priorizar a expansão do capital em prol da proteção das vidas.

Os números de mortes por coronavírus no Brasil refletem em sua mais profunda determinação o fato de que, para as classes dominantes, existe população em demasia no nosso país – aqueles que sequer são reconhecidos como seres humanos com direito à vida. O darwinismo social espontâneo das elites brasileiras repõe em nosso tempo a estrutura fundamental da constituição do capitalismo brasileiro, nascido da escravidão e desenvolvido a partir da subordinação dos setores mais oprimidos de nossa sociedade. O negacionismo em relação à gravidade da pandemia, a desvalorização da ciência a partir da proposta de tratamentos precoces não validados ou o boicote à busca por vacinas contra a COVID não são simples acidentes de percurso ou marca trágica da experiência brasileira. Tais fatos interagem com o momento de decomposição do capitalismo mundial e a necessidade cada vez maior de sustentar a barbárie como via de manutenção da ordem. O processo de fascistização da sociedade brasileira aponta para uma tendência geral do atual estágio de mundialização do capitalismo, em que mesmo os países desenvolvidos lidam com a imensa dificuldade de propor saídas críveis para a crise do sistema.

Diante de tal cenário, faz-se necessário reconstruir de forma cada vez mais ampla e radical as origens da atual situação brasileira. As tentativas mais recentes de domesticar o capitalismo devem pôr a nu a impossibilidade de racionalizar o que é irracional em sua essência. Este diagnóstico mais geral não pode, por outro lado, nos impedir de visualizar as mediações que apontem os caminhos para além da grave situação que vivenciamos. A luta pela expansão de um SUS 100% público, estatal, de qualidade e socialmente referenciado é uma importante arma para combater a pandemia de coronavírus e proteger a classe trabalhadora contra a lógica de extermínio inerente ao capitalismo brasileiro. A tragédia brasileira só não foi maior porque ainda temos uma estrutura nacional de saúde pública que pode garantir, entre outras coisas, o acesso aos postos de saúde, emergências e hospitais, ou ainda a operação das campanhas de vacinação necessárias ao enfrentamento da doença. As forças populares devem pressionar pela saída imediata de Bolsonaro, Mourão e aliados como um dos pressupostos indispensáveis à reorganização da classe trabalhadora no Brasil, assim como à garantia dos recursos para promover a vacinação de nosso povo.

Fora Bolsonaro e Mourão!
Vacina para todos já!
Pelo Poder Popular, no rumo ao Socialismo!

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