Crítica do trabalho de base dos aeroviários

imagemSalão nobre do sindicato nacional dos aeroviários 1962, assinatura da lei dos aeroviários com o presidente João Goulart

Por Marcelo Schmidt e Nelsides Diniz

É muito difícil falar da derrota da aviação brasileira, principalmente quando ela se mistura com a vida dos narradores, mas é muito necessário falar da organização dos trabalhadores aeroviários dentro da desorganização atual da aviação brasileira; porque a falta de uma correta organização é parte da derrota dos trabalhadores e da aviação brasileira nos últimos 40 anos e falar de organização significa investigar o problema da derrota da classe trabalhadora nos últimos 40 anos. É impossível separar a atual situação da aviação brasileira da atual situação da classe aeroviária, estratégica e trabalhadora.

Esta derrota começa a se desenhar no final da década de 70, atravessa a década de 80 e se intensifica a partir da década de 90, e a vemos como um filme de derrota. Uma derrota da estratégia e do processo da organização e do trabalho de base revolucionário dos trabalhadores, substituído pelo novo sindicalismo dito puro, democrático, de base, mas que negava o acúmulo da luta de classes de todo o século XX, exaltava a democracia burguesa, universal, declarava que a revolução fica para depois, talvez, pela via pacífica. Mas para quem não desejou disputar o poder de Estado e construir o poder revolucionário, aprendeu que até o menor direito mais específico lhe seria arrancado.

Ao falar da situação da classe aeroviária é preciso falar também da situação da aviação brasileira, e comparar o período pré 1964 com o período pós 1979; demonstrar que a aviação hoje no princípio de 2021 é a continuidade do período de desmonte da indústria brasileira fortalecido na abertura e na nova república. Este período é marcado por um embate feito pelo neoliberalismo e o processo de desindustrialização da aviação, do afastamento da gerência civil militar na formação dos aeroviários e da estratégia da aviação civil; com a destruição das quatro bases da estratégia soberana da aviação brasileira, algo que não pode ser feito pelo projeto dos governos da burguesia no poder. Na estratégia do capital, primeiro se destrói o poder do trabalhador e depois a aviação.

As quatro bases de compreensão da estratégia soberana da aviação civil brasileira são: a estratégia de inserção no mundo no contexto da integração regional, nacional e latino-americana por via aérea de cargas e de passageiros; uma empresa pública nacional de bandeira para fabricar e operar aeronaves, treinar pessoal a partir de um fundo administrado pelos trabalhadores, pelo Estado e pelas forças armadas, e implementar esta estratégia de inserção mundial; o combate permanente à política de ‘céus-abertos’ dos grandes tubarões da aviação mundial representado ‘pelas três alianças’: Sky Team, Oneworld, Star Aliance’; uma empresa pública de administração de aeroportos para incentivar e implementar uma política de aeroportos públicos, com portos secos ao redor. Estas estratégias somente podem ser concretizadas pela classe aeroviária.

O Brasil é um país continental inserido em um continente político-civilizacional com cultura, história e geografia próprias chamado: América Latina e Caribe. Neste sentido, a principal forma de ligação entre os países que vão do Rio Grande na fronteira do México com os EUA, até a Patagônia Chilena e Argentina na divisa com a Antártica é a aviação civil e militar. Esta aviação civil militar para este continente somente pode ser plenamente construída e desenvolvida na sua plenitude com planejamento, com planificação combinada, com uma administração pública e estratégia aérea que cuidaria da integração regional, nacional, e local latino-americana, e da construção de Hubs (centros de entroncamento da aviação e desta com outros modais de transportes) conectando a aviação nacional e latino-americana com a aviação do mundo.

O ‘mercado’ através da estratégia de integração privada não integrou, mas precarizou, ou destruiu ou impediu quaisquer das políticas citadas acima. Portanto, impediu qualquer possibilidade estratégica no continente, dos países e dos trabalhadores, impedindo a geração de trabalho qualificado e de controle dos trabalhadores sobre a produção de aeronaves civis, sobre a operação de cargas ‘just in time’ ou rápidas ao destino, ou sobre o transporte de passageiros. A burguesia nacional servil, imperial, dependente não possui um projeto de desenvolvimento para a aviação civil nos três patamares: local, nacional, regional, de inserção internacional para o continente. Não é à toa que em 2021 inaugura-se o maior terminal do mundo em Pequim, na China, e ao mesmo tempo, no Brasil, o aeroporto do Rio de Janeiro está completamente vazio. O capitalismo dependente brasileiro é deficiente de estratégias de ponta, e ser periférico é parte disso.

Os últimos vinte anos assistiram ao ataque implacável das políticas neoliberais na aviação. As políticas da burguesia de desmonte das políticas de aviação, subservientes ao livre mercado chegaram ao ano de 2021 reduzindo pela metade a aviação que existia no ano de 2020; que já havia ‘concentrado o mercado da aviação’, diminuindo o tamanho da aviação desde o final dos anos 70 para a segunda década do século XXI; de uma aviação de integração nacional para uma aviação de mercado, e finalmente no governo Bolsonaro, para uma aviação exclusivamente voltada para a elite brasileira.

A diminuição das frequências da malha aérea determinou a demissão em massa de aeroviários, e o fim de uma estratégia para a aviação também determinou o quase fim da construção e reparo de aeronaves no território nacional. O quadro que se coloca no ano da maior pandemia do último século é arrasador, mas 2021 se torna ainda pior por causa da política inexistente de salvaguardas para a indústria e para os trabalhadores no Brasil.

Os representantes da burguesia na aviação sabem perfeitamente o seu lugar na linha de comando: são os operadores da política mundial do mercado de aviação nacional, onde a aviação brasileira e latino-americana ocupa junto com a África os lugares mais periféricos do mundo. A aviação brasileira tem lugar marcado e estrutural na dependência brasileira e latino-americana. Os trabalhadores brasileiros nas décadas de 70 e 80 resistiram, mas não conseguiram formular e desenvolver qualquer estratégia de defesa dos pontos enumerados acima; o que era ruim fica pior, no pós década de 80, pois se resume a ‘lutar no salve-se quem puder’ da aviação brasileira no século XXI.

Os líderes dos trabalhadores não conseguiram criar uma efetiva estratégia de defesa dos trabalhadores; eles foram e são inversamente proporcionais aos desafios colocados, não formulam, não elaboram a estratégia do poder dos trabalhadores para a aviação, por isso não existe uma estratégia de poder popular na aviação, e quanto menor o sindicato e o projeto menores são as expectativas de mudança. Apesar de termos iniciativas interessantes em alguns Estados, na maioria existem chefetes com cabeça semifeudal cuidando dos seus servos aeroviários reduzidos à escravidão no contexto da exploração da mais valia capitalista, inseridos no meio do jogo global pela porta dos fundos.

Não existe limite para o recuo das lideranças social-democratas, a traição das lideranças pelegas, e através delas para o recuo da classe aeroviária, 50% da categoria destruída, os outros 50% com medo e paralisados. Como fazer com que exista força? Mostrando e apontando a superação, caminhando junto para construir esta superação. Construindo a imagem da aviação como forma digna de trabalho. Como profissão. Como vida. Alegria. Trabalho. A sensação de fundo do poço que vive a classe hoje não foi um dia nem foi uma noite, foram muitos anos de acumuladas derrotas. Agora os trabalhadores da aviação necessitam acumular pequenas vitórias que objetivam superar tudo isso.

A pandemia não é a crise, ela é apenas uma foto inserida em um documentário de derrotas e de medo. Existe medo e uma atmosfera de medo. Derrota e desalento. Existe o vazio da liderança. Existe o individualismo, extremado, cultivado. A questão que se coloca é como desenvolver e voltar ao trabalho de construção do poder dos trabalhadores. Construir comissões? Lideranças? Educação? Tudo parece pouco quando o muito precisa ser feito. No espaço comum da morte por covid 19, a grande façanha pode ser a de descobrir a exata posição do aeroviário no tabuleiro do conflito de classes.

De acordo com o camarada Diniz, que também contribui para este breve relato sobre a aviação, ex-secretário geral dos aeroviários no SNA Sindicato nacional dos aeroviários: “Com a pandemia do Covid 19, além da agenda neoliberal de Paulo Guedes, toda a classe trabalhadora do país vem sofrendo as consequências pela opção genocida feita pelo governo Bolsonaro com o negacionismo da ciência e o desprezo da vida humana. Os postos de trabalho estão se reduzindo, o desemprego acelerando, a miséria cada vez mais presente nos guetos e favelas, e a economia caminhando para um longo período de recessão, pois o que já era um “pibinho”, agora será um PIB negativo que trará consequências sem precedentes para a classe operária. Os trabalhadores da aviação não são exceção a esse cenário, pelo contrário, é uma das categorias que mais está sofrendo na atual crise econômica, social, política e de saúde. Com a diminuição dos voos e consequentemente com a diminuição do lucro, os empresários do setor aéreo fazem aquilo que manda a cartilha do capitalismo: demitir para não perder a mais valia, sem se importar como isso prejudicará muitas famílias de aeroviários, mandando-os para a rua. A Latam anunciou o corte de 2000 funcionários, Gol e Azul também falam na reestruturação, empresas terceirizadas fazem acordo para diminuição de salário, mas o que nenhuma delas apresenta é o lucro que tiveram nos anos anteriores, mesmo do início do ano de 2020, antes da pandemia, e agora jogam toda a dificuldade forçada pela Covid 19 nas costas dos trabalhadores”.

Enquanto isso, o que não era pouco torna-se ainda mais forte por causa de lideranças despreparadas e traidoras que fazem a tragédia do aeroviário se transformar em suspensão do contrato de trabalho sem remuneração, em redução de salário e em demissão. Muitos aeroviários, infelizmente, inclusive são demitidos sem conseguir a almejada aposentadoria especial, depois de terem trabalhado muitos anos em condições insalubres. Isso tudo vem acontecendo nas barbas dos sindicalistas burocratas, que dividiram a categoria sem um projeto de unificação permanente porque não compreendem a necessidade de um sindicalismo unitário, classista, combativo e internacionalista, ou porque são contra este projeto. Mas estes não podem impedir este avião de decolar, deixar para trás estes anos que deveriam ser apagados, ou lembrados como uma advertência de que o aeroviário não pode abrir mão do seu poder.

A verdade é que estes burocratas não encontram um caminho para a luta, ou não querem encontrar. Esses diretores que deveriam ser a vanguarda do movimento, apenas brigam pela sua perpetuação nos sindicatos ou seus projetos políticos pessoais, fazendo dos sindicatos um lugar particular, que distancia ainda mais a categoria da luta organizada pelo poder popular. Os sindicatos da aviação, ao contrário de se tornarem ‘a cavalaria móvel e blindada’ da classe trabalhadora organizando a massa para enfrentar o capital, funcionam contra a combatividade destas estruturas. Na presença dos patrões tiram as balas e desarmam os trabalhadores, chegam ao ponto de ‘atirar contra os trabalhadores’ como é o caso da atual direção do sindicato dos aeroviários do Rio de Janeiro que garante ‘estabilidades’ aos seus, mas não defende a classe fazendo assembleias nos aeroportos, que estão abertos, que não faz protestos, atos políticos ou greves.

Os aeroviários, desde a fundação do SNA (Sindicato Nacional Aeroviário) em 1942, estiveram sempre presentes nas lutas e conquistas dos trabalhadores. Participaram dessas lutas muitos camaradas e companheiros que fizeram parte da história não só dos aeroviários, mas também da resistência ao golpe militar e ao imperialismo/capitalismo. Temos como exemplos o camarada Odilon Miranda, o Mirandinha, que participou do Levante Comunista de 1935: militante do PCB – Partido Comunista Brasileiro -, foi preso e torturado por três anos, expulso do Exército e, depois que entra para a categoria aeroviária, contribui ativamente para a criação da FNTTA (Federação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aéreos).

O companheiro Otto Canhedo Lopes, militante trabalhista, em cujo mandato como presidente do SNA, em 1962, foi assinada, dentro da sede do sindicato, pelo então Ministro do Trabalho João Goulart, a Regulamentação Profissional dos Aeroviários, uma das maiores conquistas da categoria, e que em 1964, junto a outro presidente, Juraci de Camargo, frente ao golpe empresarial/militar, se entrincheirou de armas em punho ao lado de toda a diretoria na sede da entidade, para defender o governo legítimo de Jango. A coalizão de comunistas e trabalhistas foi muito importante para a classe aeroviária no ascenso dos anos 50 e 60. Existia uma excelência organizativa que se somava a outras para reivindicar conquistas concretas imediatas, mas também históricas. Neste período houve uma excelência organizativa conectada à dos trabalhadores aeronautas, dos portuários, dos marítimos e dos ferroviários.

O conjunto dos trabalhadores dos transportes e sua conexão com os trabalhadores estratégicos, principalmente na criação e fortalecimento da campanha do petróleo e da criação da Petrobrás, se ligava à criação da Aerobrás, o fortalecimento do Lloyd marítimo brasileiro, da luta por uma companhia Docas, de um porto público sob controle dos trabalhadores e de uma estratégia nacional de estradas e caminhos de ferros com planejamento, construção e logística nacional sob o controle da classe trabalhadora. Admitindo inclusive a formação de um trabalho estratégico no batalhão de engenharia ferroviária e no próprio exército brasileiro no conjunto da organização dos trabalhadores estratégicos nos anos 60, incluindo os trabalhadores dos setores de transportes, de energia e de soldados, selava a construção do projeto da revolução. Havia também os institutos que garantiam ao trabalhador, habitação, saúde, educação, e ajuda mútua.

Neste mesmo período de ascenso o grande ferroviário Rafael Martinelli, comunista, presidente do CGT, em visita à URSS, de um lado testemunhava que a União soviética tinha um país de ferrovias onde o controle direto era exercido por trabalhadores ferroviários e soldados, e por outro se reportava em seus pensamentos aos seus pares aeroviários quando em 1959 voou de Estocolmo até Leningrado no avião de passageiros moderno, rápido, fabricado e pilotado por trabalhadores conscientes disso. Neste processo a consciência do controle da produção e do transportes era uma realidade. “Sobrevoava os dourados campos do país dos sovietes, a bordo de um TU-114 versão civil do TU – 95, desenvolvido para rotas de longo alcance em alta velocidade. Seus grandes motores Kunetsov de hélice dupla levavam o avião a mais de 850 quilômetros por hora – naquele tempo era a aeronave civil à hélice mais rápida do mundo”.

Mas houve o golpe da burguesia através dos militares. Durante a ditadura, houve a intervenção militar nos sindicatos, que vai de 1964 a 1974. Depois da intervenção, em 1982, há nova eleição no SNA e é criado o MANO (Movimento Aeroviário Nacional de Oposição), formado por companheiros que vinham da luta contra a ditadura, dentro dos movimentos sociais e de base, e que militavam no PCB, no recém criado PT, no PDT, além de companheiros que começavam suas caminhadas no movimento sindical. Esse movimento foi derrotado em 1982, pois ainda estávamos na ditadura, e a máquina do governo foi usada para ajudar a candidatura pelega, assim como a ameaça das empresas com represálias para quem apoiasse o movimento. Nestas adversidades, o MANO se fortaleceu e em 1985 ganhou a eleição e retirou do sindicato os pelegos, alguns deles ainda nomeados pelo regime militar. Ressalta-se que foi a união das forças políticas progressistas comprometidas com a luta que possibilitou esta vitória.

Ainda segundo o testemunho histórico ocular do camarada Diniz: “Essa nova diretoria compromissada com a categoria, dentre muitos valorosos companheiros tinha como presidente o companheiro Roberto Dantas, além dos camaradas Ismael Amud, Sidney Schwartz, José Nobre, companheiros, José Dantas, Goulart, Nedmar, Norival e Míriam no RJ, Chiquinho (BH), Eduardo (SSA), José Rafael (POA) e a camarada Fátima (BSB). Essa diretoria logo no seu primeiro ano de mandato, com um trabalho de base muito agressivo, subiu o quadro de associados de 4.000 para incríveis 22.000 sócios, fazendo da categoria aeroviária uma das mais participativas e atuantes no movimento sindical brasileiro”.

No primeiro mandato da MANO, nota-se que houve um salto de qualidade fundamental para a categoria retomar o enfrentamento com a classe patronal. Este seria o segundo grande momento da classe aeroviária, o do pós 1964. A categoria aeroviária navegava em céus de brigadeiro onde várias conquistas foram obtidas, mas para isso houve uma coordenação eficiente entre diretoria e categoria para as lutas que viriam como as greves de 1987 e 1988. Com esses movimentos, a categoria conquistou, além dos reajustes de salários com ganhos reais, 50% de adicional noturno, 100% nas horas extras de segunda a sábado e 150% nos domingos e feriados, pagamento em dobro de domingo e feriado, auxílio creche, folga agrupada, anuênio e estabilidade de emprego às vésperas da aposentadoria. Essas conquistas inclusive balizaram o Congresso Nacional para a criação ‘da nova CLT’ ou do capítulo dos direitos sociais para os trabalhadores na Constituinte de 1986/88, pois a Convenção Coletiva dos Aeroviários foi considerada uma das mais progressistas de toda classe trabalhadora brasileira.

Os aeroviários estavam orgulhosos em fazer parte da categoria. Na greve de 1987, foram mais de 5.000 trabalhadores na quadra da Portuguesa, na Ilha do Governador. Nesse movimento, o “corujão” da Varig do SDU aeroporto Santos Dumont parou atrasando toda a Ponte Aérea, e foram cancelados ou atrasados voos que sairiam do GIG aeroporto do Galeão. Nesse período a categoria tinha confiança na diretoria que se fazia presente e atuante na base, com diretores e delegados trabalhando juntos com a categoria. Em 1995, os mecânicos da Varig pararam por seis dias a manutenção da Área Industrial. Essa paralisação ficou conhecida como a greve “dos ninjas”. Nesta greve foi conquistada a cesta básica, que depois é ampliada para toda a categoria, (mas somente seria equalizada recentemente pela ação da FNTTA).

Com o avanço do neoliberalismo, a década de 1990 é marcada pela terceirização e pelo início da privatização. A introdução dessa mentalidade ideológica provocará mudanças cada vez maiores nas atitudes da classe trabalhadora. A relação capital versus trabalho é minimizada pelas empresas, que convocam os trabalhadores para uma “parceria”, através de uma “gestão participativa”, onde o prejuízo só cairá nas costas dos trabalhadores, com demissões, arrocho salarial e fim dos ganhos conquistados, enquanto o lucro fica todo ele para o patrão. É importante ressaltar que na social-democracia tardia brasileira as sementes da conciliação de classes estavam presentes nos anos 70 e 80, mas só germinam com força nos anos 90. Existem muitos que se surpreendem porque os combativos de antes conciliavam agora, porque a política desarmou a classe.

Mesmo com todo cenário desfavorável, ainda em 1994 é idealizada a Campanha Salarial Unificada entre todos os trabalhadores da aviação, aeroviários e aeronautas, pois era necessário apostar na retomada das lutas. Junto com a Campanha Unificada, outra ideia é apresentada, mas que não era nova: da criação do Sindicato Único. Essa tentativa de unificação dos trabalhadores da aviação não foi adiante, pelo contrário, foram criados vários outros sindicatos, dividindo ainda mais a categoria aeroviária. Este processo infelizmente continuou. Nos anos seguintes o que vimos foi a tomada dos sindicatos por diretores que usaram os sindicatos como um ‘feudo’, espaço privado onde o que menos importava era a luta de classe, mas sim seus interesses e perpetuação no poder da máquina sindical. No início do século XXI o que germinou nos 90 ganhou força, mais do que a conciliação, o programa do desarme passava a ser integral e geral.

Não podemos dizer que a luta dos aeroviários parou, mas houve um descenso muito rápido e considerável a partir dos anos 2000, a marca mais expressiva é a perda do “anuênio” ou para cada ano trabalhado o acréscimo automático de 1% de aumento no salário até o limite de 20 anos ou de um acréscimo de 20% de salário. Houve luta, muita luta. Mas esta luta foi desordenada, ou melhor, dizendo, desorganizada, despreparada e desarmando a classe, completamente alheia ao combate nos aeroportos dentro de uma formação voltada para a luta de classes. Gostaria de destacar a greve que resistiu ao fim da Sata em 2005/6, a primeira greve da Swissport em Brasília em 2012, as grandes mobilizações feitas em conjunto com os petroleiros do Rio Sindipetro RJ com o MST e nas ocupações dos aeroportos no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e em João Pessoa a partir de 2010, principalmente em 2012 até o ano de 2017.

Antes, durante e depois do período de ascenso popular entre 2012-2017 cabe ressaltar um importante depoimento em 2014 de Selma Balbino que foi uma importante líder sindical do novo sindicalismo cutista para o MPT o ministério público do trabalho, “A equação é perversa: passagens caras e mão de obra barata. Assim, as empresas diminuem o salário do trabalhador, precarizam as condições de trabalho, pois não têm subsídio do governo para o querosene. Então, damos a bola para os estrangeiros de bandeja. São anos de descaso. Em 1995, a folha de pagamento, com encargos, estava na ordem de 32% dos custos das empresas. Hoje, é de 18%. Diminuíram os salários. Não tem mais previdência complementar. Não há mais adicional de antiguidade. Diminuíram o número de trabalhadores. Terceirizaram grande parte das funções e os terceirizados ganham menos que os celetistas. A empresa terceirizada não paga direito. Demite por qualquer coisa. Não paga periculosidade. Não faz CAT (comunicação de acidentes de trabalho). Faz CIPA (comissão interna de prevenção de acidentes de trabalho) fraudulenta somente de fachada. As empresas buscam tirar a diferença em cima do trabalhador. É mais fácil cortar o salário do trabalhador, omitir hora extra. Quando você vai cobrar um direito sofre assédio. É um ambiente de trabalho ruim”.

Selma, presidente do SNA (Sindicato Nacional dos Aeroviários) por muitos anos, faz parte do ascenso das lutas dos anos 80 / 90 quando ela assume o poder no final da década de 90, que marca o forte decréscimo da participação dos aeroviários de manutenção de aeronaves nas greves e na política sindical, e a maior participação de trabalhadores de rampa / handling ou da estiva aérea, cuja característica maior foi uma grande falta ou despreparo destes trabalhadores para liderar os trabalhadores nacionalmente e derrotar a burguesia do setor que trabalha para a burguesia internacional. Podemos afirmar que a falta de uma correta política de quadros no setor para a revolução brasileira cobrou um alto preço para a luta da classe aeroviária e brasileira.

Uma consequência do ascenso das lutas populares entre 2012-2017 é que a luta aeroviária se torna a luta da classe trabalhadora mais uma vez, continuando a história da classe aeroviária como classe trabalhadora. O último sopro destas lutas foi a paralisação do “corujão” da Gol linhas aéreas no SDU aeroporto Santos Dumont, que de certa forma substituiu a logística de malha da Varig e que por isso paralisou toda a aviação na parte da manhã do dia 28 de abril de 2017, dia da greve geral. Esta história significou o último suspiro do ascenso de 2012-2017 que não se transformou em vitória, mas em derrota. Compreender as razões disso precisa ser o objetivo de cada quadro aeroviário. É preciso transitar de um grupo seleto, para um grupo de massa. A greve geral não foi uma greve de muitos quadros e de massa, mas foi a última ação de luta do sindicato local do Rio de Janeiro. É preciso ter consciência de que ações localizadas e fragmentadas são impotentes na aviação, elas não vencem disputas contra o sistema. Ou se para o sistema com uma estratégia nacional ou não se consegue nada.

Não negamos a importância de um grupo pequeno de qualidade, antes da quantidade é preciso ter a qualidade, um grupo pequeno de qualidade para intervir e se inserir na quantidade; mas esta transição da vanguarda para a massa é a verdadeira ação que objetiva o trabalho de base crítico. A recuperação ou otimização da ferramenta sindical. A educação do grupo organizado até que ele se torne diferenciado e seja percebido como tal na base. A formação de grupos, comissões de trabalhadores para proteger direitos. Até que amadureçam pensamentos mais profundos e se desenvolvam em conselhos, e ir além. O principal fator do poder aeroviário e aeronauta é a conectividade da quantidade de trabalhadores envolvidos na operação em terra e no ar. Se isso for feito associando a qualidade da intervenção de quadros e a quantidade de massa e impacto seu efeito será imenso. Os aeroviários são trabalhadores que têm a possibilidade de parar uma manhã inteira do sistema que funciona à sua pressa.

Parar por completo um aeroporto é um ato de poder político; e fazer ele funcionar todo dia também. Existe algo mais do que a recuperação da ferramenta, a educação, a escolha do grupo, é necessário completar o percurso e integrar estes trabalhadores como trabalhadores em um propósito maior do que o deles mesmos. O da classe. Contar o ascenso aeroviário da greve da Swissport e da visita do Papa em 2013 até a greve geral de 2017. É preciso contar a história recente do poder aeroviário e associar isso com toda sua história e projeto histórico. Não se pode parar nas derrotas dos últimos anos, nas derrotas históricas, tudo deve servir ao debate, as pequenas e grandes derrotas e vitórias pertencem à crítica da classe aeroviária no contexto da classe estratégica e trabalhadora.

O Salve Tubiacanga, uma associação do sindicalismo classista e da comunidade do entorno do aeroporto, significou a ocupação da pista de acesso ao aeroporto na visita do Papa ao Rio de Janeiro em 2013 e ao parar a ‘reta’ do aeroporto, a Ilha do Governador, a principal via expressa da cidade a ‘linha vermelha’, isso afetou a logística da cidade. E, portanto, derrota por completo o projeto de construção da terceira pista e de remoção dos mais de 5 mil moradores que se envolveram. Cada comunidade do entorno do aeroporto precisa compreender que está na área do porto seco, não para ser removida, mas para participar do aeroporto e nos projetos de desenvolvimento. A organização do aeroporto na forma clássica / fábrica, a classe precária e periférica, e a crítica do trabalho de base. Uma correta política de quadros, uma prioridade organizativa no local de trabalho e de moradia, ferramentas sindicais guarda chuva para operar junto com movimentos populares, juventude, tudo isso pode ser política da classe aeroviária.

O nosso objetivo aqui é analisar como fazer para que um grupo seleto de trabalhadores possa parar localmente o sistema capitalista global, os trabalhadores aeroviários são peça chave deste processo. A constituição de uma frente de trabalhadores insurgentes e operativos da revolução brasileira através da construção da greve geral na aviação como greve política nasce nos anos 60, ou bem antes, mas nunca foi tão necessária hoje no descenso das lutas. Para desenvolver uma defesa organizada, um contra-ataque eficiente, de massa, o trabalho de base precisa ser feito criticamente analisando os últimos 40 anos olhando a relação desarme x armas críticas. Associando a aviação ao projeto da classe, tudo que discutimos acima, a negociação aeroviária necessita ser feita com a arma da crítica e a crítica da práxis; a arma aeroviária é estar bem colocada na área do gol.

O aeroviário Fabrício Miranda, líder histórico dos trabalhadores de rampa do Rio de Janeiro, é o exemplo desta situação: em 2013/2014 ele lidera greves históricas no setor, e pudemos testemunhar, desta forma, o auge da luta dos trabalhadores de rampa / handing, a estiva aeroviária entre 2012-2017; neste período houve dias que toda a aviação do aeroporto do Galeão foi afetada. Estava claro que os aeroviários haviam vencido batalhas, foram construídas sete greves, inclusive uma só de mulheres. Por outro lado, no ano de 2020 o mesmo Fabrício, que um dia fora vitorioso filma consternado o vestiário dos trabalhadores da Swissport, mostrando que a destruição da rampa ou estiva da Swissport no seu poder foi completa. Não existia naquele vestiário abandonado um único armário que não estivesse quebrado, lixo por toda parte e canos quebrados, algo que para quem chega cansado e precisa tomar banho depois de 6 horas de pesado trabalho é inimaginável. A Swissport não faliu, o que desapareceu foi a força dos trabalhadores da rampa e da classe aeroviária. Somente lideranças ignorantes e canalhas culparam os trabalhadores e não a si mesmas por isso hoje.

A mesma classe que parou completamente o Rio de Janeiro dentro de sete greves na empresa entre 2013/2014 agora estava imobilizada, prostrada, jogada no chão em 2020. A mesma que tinha colocado a Gol Linhas Aéreas de joelhos com um aeroporto completamente vazio com todos os aviões da empresa parados no chão, ali no pátio pela força da greve, agora estava completamente aniquilada. Os aeroviários do Rio de Janeiro não foram aniquilados pela pandemia, eles foram massacrados pelo sistema, pelo projeto do sistema, um projeto histórico; mas é preciso somar outros fatores para esta derrota. Eles foram massacrados pela combinação das políticas neoliberais adotadas no Brasil e pelo desarme dos trabalhadores nos últimos 40 anos. Um desarme que se acentua tanto mais o ataque do sistema se faz mais forte e a resistência mais fraca.

O sistema capitalista precisa amansar e retirar o poder dos aeroviários e do conjunto dos trabalhadores do setor aéreo no Brasil, no contexto da América Latina e do mundo. A maneira de fazer isso é através de um ataque completo na forma de um assalto direto aos trabalhadores para a sua submissão. A razão disso é que os capitalistas viajam de avião, seja da forma mais corriqueira pelas companhias aéreas, dos táxis aéreos e ou seus aviões particulares, mas que principalmente os seus gerentes do sistema viajam mundialmente desta forma. A outra razão, ainda importante é econômica, a forma prevalente do capitalismo mundial nos últimos 40 anos precisa da rapidez para o transporte de cargas. Como já foi dito acima, o capitalismo precisa de um transporte “just in time” à hora, rápido local, regional, nacional e principalmente mundial. Neste sentido, os ‘homens e mulheres boi’ da aviação amansada, domada, automatizada, sem qualquer perspectiva de exercício de poder para se encaixarem perfeitamente neste programa político da burguesia mundial são ‘operados’ pela burguesia local e nacional.

O sistema que enfrentou o ascenso popular de 2012-2017 é a mesma força política que destrói a força de greve dos trabalhadores da aviação. Cooptando de um lado e esmagando do outro. As razões foram explicitadas: o sistema não pode esperar três semanas para uma mercadoria ou gerente chegar ao porto de Dubai, e precisa fazer isso chegando ao aeroporto em menos de 24 horas. O sistema não pode deixar de transportar, segundo seus interesses, a vacina que vai combater a pandemia global de covid 19 sem utilizar as redes globais das três alianças globais da aviação: “One World, Star Alliance e Sky Team” são seus operadores. As vacinas precisam seguir a rede dominada pelo mercado e seguir também a lógica dos grupos farmacêuticos. A lógica global do transporte mundial, regional e local aéreo repousa totalmente na lógica do capital globalizado, apesar das formas resistentes. É preciso construir a luta cientes disso.

Por isso o sistema capitalista precisa retirar qualquer possibilidade de controle e de poder dos trabalhadores do setor aéreo e em especial da massa aeroviária, responsável pelo transporte, embarque e desembarque de passageiros, da carga e descarga das bagagens, da carga e da descarga dos bens e mercadorias transportados, e da manutenção das aeronaves nos hangares e na pista. Por isso o sistema precisa separá-los em caixas insalubres chamadas aeroportos e impedi-los de conhecer o mundo. A lógica global do sistema tem como objetivo retirar o poder estratégico dos trabalhadores aeroviários. Todos eles precisam ser reduzidos à mais completa servidão e precarização capitalista, além da exploração existente, é preciso operar a completa dominação. Este processo de impedir os aeroviários de conhecer o mundo se acentua e tem uma razão.

Os aeroviários precisam ser dominados pela cabeça, esterilizados da luta e saber, para terem seus corpos cansados e estressados continuamente explorados, completamente dominados e anulados para qualquer forma de participação política da classe aeroviária e da classe trabalhadora. O processo de individualização precisa ser completo para anular o pensamento político e crítico do aeroviário por completo. Desta forma é quase impossível que o trabalhador aeroviário pense no seu poder. A atomização e a exploração e a dominação na aviação civil precisa ser levada ao lugar mais distante do projeto. Mas nem tudo está perdido para a luta dos trabalhadores: quando eles sabem da sua derrota, podem começar a pensar na sua defesa; do outro lado de sucessivas derrotas, existe a possibilidade de construção do projeto dos trabalhadores aeroviários, que significa conectar o mundo a partir de trabalhadores explorados, roubados da sua mais valia e do seu poder. Conectar histórias de derrota, mas também de possibilidades de vitória poderá significar um terceiro momento de vitórias baseado em 2012-2017.

A resposta fica clara na inversa e proporcional capacidade destes trabalhadores de parar o sistema global localmente. Quando o trabalhador começa a estudar e a estudar o seu poder ele se torna capaz de ler a sua grande missão de conectar os trabalhadores brasileiros com o mundo. Uma forma de educação pedagógica para conectar o mundo e para o socialismo. O sistema capitalista não tem futuro para o aeroviário, somente existe o hoje e o amanhã imediatos. Este eterno hoje que não ensina o aeroviário e que o demite sem que ele tenha aprendido nada poderoso precisa ser substituído pelo sistema de excelência do trabalho. Ao invés de colocar outro trabalhador para moer na turbina capitalista, o aeroviário precisa se tornar senhor da sua profissão e conectar o mundo. Mas a realidade coloca aeroviários entrando na turbina, com dinheiro e sangue saindo do outro, através de um boletim a Latam foi denunciada desta forma: isso precisa parar!

Torna-se necessário educar para educar para uma estratégia de futuro, uma política de integração do Brasil com o mundo, explicar o mundo na forma que as conexões sejam feitas mais concretamente e pacientemente; o aeroviário do futuro necessita ser o elo da política de desenvolvimento do Brasil. Através do seu preparo e das suas viagens programadas para aprendizado. Pode existir toda uma operação que proporcione que o aeroviário possa ir, ver, retornar, e territorializar o aprendizado para a construção do poder aeroviário que se reverta no poder da classe trabalhadora. A construção da estratégia popular insere o aeroviário estrategicamente: ir até o outro lado do mundo, conectar-se na práxis para que este conhecimento possa ser transformado na realidade concreta da luta de classes no Brasil. Assimilar a realidade transformada em capacidade de interferência nesta realidade, na realidade da revolução brasileira. Isso que se propõe é revolucionário e somente pode ser feito em uma revolução contra este sistema.

Mas quem são os aeroviários? Pela lei 1232/62 aeroviário é todo aquele que trabalha na aviação, mas não é aeronauta; pode ser dito que aeroviário é todo aquele que trabalha na aviação no solo. Na realidade, técnicos e atendentes de balcão de venda e embarque e desembarque de passageiros, de cargas, da estiva aérea, operação de pátio, da segurança, da manutenção de aeronaves, da prevenção de acidentes em toda a cadeia dos transportes até a entrada na aeronave e a partir da saída dela. Se o aeroporto fosse um grande porto no século XIX e no início do século XX, seria fácil mostrar como os países foram conectados pelas suas mãos no século XX, como eles interagem entre si no século XXI: velocidade e conectividade. Compreender, portanto, os aeroportos no século XXI como casas da conexão mundial, do transporte rápido de mercadorias e trabalhadores no mundo é fundamental para compreender as possibilidades de poder.

Qual a conexão da história da luta popular no Brasil no contexto da história da aviação no Brasil e na América latina? Poucos trabalhadores sabem que os primeiros trabalhadores a gozar férias de trinta dias já nos anos 60 foram aeroviários, que a partir da greve da paridade equipararam seus salários não ao salário mínimo, mas aos salários dos militares, que participaram da primeira greve geral em 1962 e influenciaram as leis que inclusive inspiraram a Constituição de 1988, que todas as categorias se basearam nos excelentes acordos coletivos dos aeroviários na década de 80, que participaram da última greve geral em 2017. É importante perguntar: como foi o auge na participação dos aeroviários no CGT comando geral dos trabalhadores até 1964? Nas greves dos anos 40, 50, 60 e como pioneiros das lutas, construíram um novo ciclo de lutas nos anos 80 e 90, entre 2012-2017 e, portanto, podem construir um novo ciclo no século XXI, com acúmulo das lutas dos trabalhadores. Compreender a luta dos aeroviários no passado ajuda a luta da classe trabalhadora no presente e futuro.

Pois bem, já dissemos que os acúmulos que chegaram aos anos 60 desembocaram no esmagamento dos militares ‘à bala’ da luta aeroviária na sede dos aeroviários no Rio de Janeiro. A reação acabou com a resistência ou projeto de poder e transformou a representação aeroviária que discutia o destino da aviação brasileira ensaiando todas as propostas que encabeçam este trabalho, em sindicatos pelegos distribuindo prêmios e canecas de chope, torneios de futebol e toda forma de assistencialismo. A representação da classe que recebia presidentes da república para pressioná-los para trabalhar para a classe aeroviária e trabalhadora nos seus sindicatos agora dorme nas garras dos seus algozes, tutelada, obediente e castrada de poder. Estas marcas dos embates e das conciliações do passado ainda prevalecem. A quebra desta realidade é um trabalho da massa aeroviária, mas principalmente de quadros capacitados para exercer tal tarefa.

O acúmulo de lutas influenciou as leis da Constituição Federal de 1988? Sim, mas quando o novo sindicalismo substitui o velho sem reconhecer o acúmulo, chega amansado do projeto de poder da classe, do projeto da revolução brasileira, para concentrar-se apenas na conquista dos direitos dos trabalhadores aeroviários. Houve por bem desistir do ‘sonho da Aerobrás’, do controle operário nos hangares, do ascenso revolucionário e insurrecional nas greves. Nunca mais um presidente da república colocaria os pés no sindicato, ainda que as assembleias lotassem o campo da Portuguesa na Ilha do Governador, com milhares de trabalhadores. Seus gritos contra a carestia seriam materializados em conquistas corporativas vociferadas pela base sem que a vanguarda revolucionária pudesse apontar um caminho superior ou exercitar qualquer outro caminho que não fosse o imediato. Podemos discutir tudo isso tomando cerveja, mas somente uma estratégia revolucionária séria de vanguarda pode assumir tal tarefa.

O ocaso da aviação civil já se evidenciava na virada do século, especialmente depois do evento de 11 de setembro de 2001 nos EUA que toca fortemente a aviação mundial. Neste sentido, TODAS as economias mundiais de ponta investiram pesadamente na retomada das suas companhias nacionais de bandeira. O Brasil fez o contrário, VARIG, VASP e Transbrasil faliram na primeira década do século. Os trabalhadores acostumados a pensar o trabalho de forma corporativa e alienados da formulação da luta de classes não compreenderam que a aviação brasileira literalmente ‘caiu na cabeceira da pista’. Os seus líderes atuaram como os mais despreparados possíveis. O obreirismo, o basismo, a falta de uma vanguarda preparada cobrou um peso altíssimo no momento em que se deveria apresentar e cobrar, e pressionar um projeto para a aviação que não dependesse da burguesia. Veja bem, as lideranças sindicais dos anos 70 e 80 começam muito combativas, mas nos anos 90 e no início do século, ou são cooptadas, ou massacradas, ou levadas ao governo, com um terrível resultado para a luta de classes. O novo sindicalismo desarmou o trabalhador na aviação, mas foi um sindicalismo combativo nos anos 80 e início de 90, contradição? Não. Lênin já nos adverte da natureza do trade unionismo, mesmo de ponta, bem sucedido, que ensina o trabalhador a lutar pela conquista imediata, mas que não prepara suas ferramentas de poder político.

Enquanto os ferroviários, marítimos e portuários foram esmagados pela mão pesada dos militares, ou pelo peleguismo imposto, os aeroviários ficaram dóceis pelas mãos da social-democracia petista e cutista; ou pelo pior, da Força sindical. Foram anos e anos domesticando, no fim a única contradição é a democracia burguesa rala versus peleguismo. Os direitos e o trabalho versus assistencialismo, quando não combinados dançando no abismo da aviação brasileira. Os líderes sindicais da social-democracia não são líderes ruins na acepção moral ou desonestos, disso não se pode acusá-los, mas eram, são despreparados para enfrentar um inimigo global, nacional e local imensamente superior, por isso foram engolidos pelo projeto capitalista, esmagados pela turbina do capital.

O exemplo mais simbólico desta derrota está por ironia no ocaso do projeto nacional, que hoje sabemos que nunca seria levado a cabo pela burguesia. Varig x Aerolineas Argentinas. O poder direto de administração e controle obreiro argentino x o PRESA (programa de recuperação da Varig). Para falar do exercício dos trabalhadores argentinos é preciso antes dizer que através do BNDES o governo Lula tinha um projeto de estatização para a VARIG que começa desde o dia 1º a fazer água por causa da aliança policlassista do governo Lula que evidenciava a primazia do mercado sobre a solução de Estado para a aviação brasileira. Ricardo Ponzi, líder da CONTTMAF, a confederação histórica do setor afirma que ouviu do então ministro Carlos Lessa que este fez um plano completo de recuperação estatal da empresa, mas que este plano foi derrotado no próprio governo Lula, nas entranhas deste governo, pelos quadros do PT.

Na realidade, o projeto correto que salvaria a empresa foi derrotado por falta da pressão organizada dos trabalhadores levados pelas suas péssimas lideranças despreparadas que olhavam para o governo de um lado com ar servil, e do outro para ‘investidores’ privados caídos do inferno liberal. O governo brasileiro desenvolve a estratégia externa de destruição da aviação brasileira onde os trabalhadores são apenas os espectadores, comparativamente muito mais espectadores hoje do que nos anos 70, 80, 90.

O olhar ‘de cachorro de açougue’ de parte das maiores lideranças aeroviárias do Brasil, foi acompanhado do despreparo dos novos guerreiros na base forjados sem a teoria revolucionária, sem qualquer elo com a questão da revolução brasileira e do poder popular na década de 1990, e na virada do século. Houve também por parte da governança aeroviária do SNA nos anos 90 um esforço de ‘colocar para fora’ do sindicato qualquer possibilidade de ‘debater a aviação brasileira’ a partir da visão estratégica revolucionária. Nos anos 90 ‘toda política sai do sindicato’ e com ela saem os comunistas e os socialistas. Ironicamente, aqueles que ajudaram a tomar o sindicato dos pelegos, agora eram ‘personas non gratas’. O empobrecimento da ‘palavra de ordem’, somente defender salários e direitos se mostrou resistência rala e fraca.

Os argentinos derrotaram um presidente da república e sua agenda neoliberal para derrotar os capitalistas, isso nunca esteve no menu brasileiro, porque não se poderia ‘fazer mal ao governo Lula’. Fazer mal à social-democracia era um pecado capital para estes trabalhadores na liderança dos aeroviários. Os trabalhadores argentinos ocuparam os aeroportos, ganharam a sociedade argentina para proteger sua companhia aérea de bandeira ‘aerolineas es Argentina’. Os trabalhadores líderes brasileiros aeroviários não souberam ou puderam acreditar nisso, acreditaram no governo, nos investidores, até mais do que no seu próprio plano, em tudo que não fosse o poder dos trabalhadores. Resultado: a ‘aerolineas’ foi estatizada, o governo que não quis fazer isso caiu, o novo governo executou, os trabalhadores tinham inclusive a escolha de exercer o ‘controle obrero’, mesmo que não o fizessem. A Varig, ao contrário, foi ao enterro com honras de Estado pelo governo popular. O projeto policlassista da social democracia petista não apenas desarmou os trabalhadores, mas também operou a estratégia do capital, nunca teve um plano para a aviação brasileira, ele enterrou a Varig e privatizou aeroportos.

Outro exemplo absurdo de luta de ponta da classe trabalhadora através da classe aeroviária foi a preparação da greve internacional da classe em 2014. O ano da Copa do Mundo seria vitrine no Brasil para uma greve internacional conectando demandas de aeroviários, trabalhadores de transportes, estratégicos, movimentos populares e juventude envolvidos neste projeto que combinou ascenso popular e um trabalho de quadros da aviação. Somente analisando o que foi construído no ascenso das lutas entre 2012-2017 podemos perceber a forma desordenada, porém ousada para servir de exemplo para o futuro. Estes objetivos se conectam às possibilidades do dia a dia. A construção de comissões de base, buscar novos quadros, elevar a consciência, recuperar as ferramentas sindicais para uma ferramenta unitária da classe, pode se conectar à ousadia do planejamento de impacto. Uma ação de impacto pode apontar para um grande projeto da classe, que combine poder, educação, ferramenta sindical classista e conselhos que debatam a total extensão do alcance e do poder da classe aeroviária.

Este projeto pode ser investigado como uma tentativa de colocar em evidência o programa classista para recuperar o respeito e o poder dos aeroviários: a CCT – Convenção Coletiva dos direitos do pré 2000; de 5 salários até 10 salários; trabalho de 6 horas; uma escola de quadros; escola de aviação, intercâmbio internacional; auto estima; poder e controle obreiro direto, pode e deve se conectar com cada demanda consorciada com cada aeroporto, porto, navio, ferrovia, garagem ou terminal de ônibus, refinaria, centro de logística de distribuição e daí se conectar com lutas populares, periféricas e precárias da juventude e da massa trabalhadora. É possível bater forte no sistema, em um único dia chave, em um único grande evento mundial e trazer a classe para a luz da luta de classes. Mostrar que o trabalho opera o sistema na sua maior vitrine. É possível unir a luta imediata e a histórica em um dia chave para o exercício do poder popular.

Contar a experiência da construção da greve internacional dos aeroviários durante a copa de 2014 é uma pequena parte deste exercício da revolução. O aeroporto é a vitrine do sistema. Nos anos de 2013/2014, na Copa do Mundo de futebol, 10 capitais foram visitadas por um quadro conhecedor do sistema e minimamente assistido, Londres, Paris, Amsterdã, Roma, Bruxelas, Madri, Lisboa, Berlim, Moscou e Buenos Aires. O plano era simples: no dia do embarque das seleções de futebol, haveria uma greve ou protesto para dar visibilidade às lutas locais / globais, que cada base poderia ter em cada aeroporto. No embarque das seleções de futebol para o Rio de Janeiro a partir das cidades chave citadas acima haveria um protesto na forma de greve que seria coberto pela mídia e conectaria demandas locais e globais. Greves combinadas, coordenadas, executadas por um comando coordenado na ação local mundializada.

Esta greve foi abortada pela social-democracia brasileira cutista por medo de ferir o governo social democrata da presidente Dilma no grande evento de exposição mundial. Houve um desmonte da luta por parte da burocracia social democrata, e houve também um despreparo, uma falta de conhecimento técnico, para operar uma luta de tal monta e combinada, que se transformasse em um movimento de massa que pudesse ir por cima dos objetivos colocados, vários motivos agiram para que não desse certo. Apenas os aeroviários e aeronautas poderiam capitanear tal protesto e luta, mas ela teria que ser maior do que eles mesmos, envolvendo toda a classe estratégica e os movimentos populares e juventude que ocupariam os acessos e os aeroportos neste dia. Tamanha visibilidade, tamanha exposição, mundialidade, conexão. Os aeroviários são a prova de que lideranças despreparadas, recuadas, a falta de quadros podem destruir, obstaculizar, que um projeto recuado pode desarmar a força de uma categoria, retirar seu poder central, estratégico de não apenas parar o sistema localmente, mas impactando globalmente. Demonstrando concretamente o impacto disso.

Precisamos hoje do raio x da nossa história da classe, de todas as lutas que exercitaram algum tipo de trabalho de base nos aeroportos e na realidade brasileira. Passado e presente com o futuro possível. Não a partir da derrota, mas a partir do poder possível. A construção da greve classista do velho CGT em 1962 se irmana com as greves dos anos 80, da tentativa frustrada de 2014 e da greve geral de 2017, que para o porto, as barcas e o aeroporto Santos Dumont no Rio, mas que vê funcionar caminhões, ônibus, trens e metrô, portanto derrotada. Marítimos, portuários, ferroviários, aeroviários, aeronautas estão conectados aos trilhos e rodas nos últimos 40 anos. Uma grande liderança do setor marítimo da modernidade, Ricardo Ponzi, entende que a greve geral do xeque mate é aquela que para petróleo, porto, logística aérea, de trens e caminhões, parando ônibus e metrôs nas cidades. A greve estratégica marítima + petroleiros com a participação de aeronautas e aeroviários embarcando os petroleiros e marítimos, se complementa. Existe hoje a possibilidade de construção do caminho organizativo que pode conduzir o quase nada ao quase tudo, da quase completa falta de organização para uma organização para a organização revolucionária e de poder da classe aeroviária.

Os últimos 20 anos viram a piora da representação aeroviária com o completo abandono da luta classista, mas também do abandono da estratégia local, regional, nacional, e mundial do setor. Lideranças intermediárias, nascidas nos anos de descenso da luta de classes, mal preparadas, além de não recuperar o projeto revolucionário, não foram capazes de unificar os trabalhadores, mas os fragmentaram ou contribuíram para fragmentar o sindicalismo aeroviário em inúmeras unidades incapazes de opor qualquer resistência efetiva aos patrões e ao projeto da burguesia para a aviação; no momento que para colocar os brasileiros nos aeroportos valia ‘o vale tudo das privatizações’. A rebelião da representação aeroviária de 2012 cobrava maior autonomia para as bases do sindicato nacional, maior gasto local do dinheiro arrecadado nacionalmente, e mais democracia na direção do sindicato; ela obteve os seus objetivos a um alto custo de fragmentação que enfraqueceu a instituição e a classe. Infelizmente apenas um Estado saiu mais forte da rebelião do que quando entrou e nacionalmente o saldo foi negativo.

A rebelião falhou no seu objetivo de fortalecer a classe por errar na política de construção de uma unidade classista. O caminho a seguir é o inverso ao que se seguiu nos últimos 40 e especialmente nos últimos 20 anos, para que se tenha um projeto classista aeroviário. A fragmentação da representação aeroviária precisa acabar. O projeto classista e revolucionário adaptado para o século XXI precisa ser refeito, assim como se forja a nova espada a partir dos pedaços da antiga. Novas lideranças devem aparecer para substituir os sociais democratas, os pelegos e os traidores da classe, e construir um projeto de transição para a classe aeroviária. Este projeto deve ter como norte um sindicalismo autônomo em relação ao governo de extrema direita ou qualquer outro social-democrata de plantão. Um projeto classista, combativo, unitário (recuperando a representação nacional) e internacionalista.

O sindicalismo nacional e sua representação precisam garantir os avanços obtidos na rebelião de 2012 sem cometer os erros de fragmentação da classe, que terminou por desarmar a classe e deixar a classe nas mãos da direção pelega do sindicato do Rio de Janeiro, que conforme dito nunca fez uma única greve ou assembleia de massas depois de 2018. Estes oportunistas precisam ser derrotados por um novo projeto de poder das massas e da vanguarda aeroviária. O Rio de Janeiro já foi o local mais importante da luta de classes no Brasil, inclusive para a aviação brasileira, este pode ser o caminho de recuperação da aviação no Brasil e no continente latino-americano no contexto mundial.

Todas as conquistas da CCT – Convenção Coletiva de Trabalho – de antes de 2000 devem ser recuperadas, os poucos avanços mantidos, a regulamentação profissional renovada para o século XXI, um projeto de formação com fundo aeroviário administrado por trabalhadores e pela força aérea, nos moldes do fundo da marinha mercante apresentado; o poder do trabalhador aeroviário estampado em todos os aeroportos brasileiros com greves e ocupações até que a direção unificada seja recebida, e seu plano nacional apresentado. A formação da vanguarda aeroviária intensificada, na forma classista e revolucionária recriada nos moldes da guarda portuária e ferroviária dos anos 60, todo este saber recuperado, um novo comando geral CGT dos trabalhadores combativo e classista com todos os trabalhadores de transportes, independente de pertencimento a central sindical retomado, estimulado e recriado, adaptado no presente.

De acordo com Paulo de Tarso, atual presidente da FNTTA, a histórica federação aérea. A solução do futuro apontará para um comando unitário classista e nacional com sede em São Paulo, isso é possível? Sim, porque o convencimento deste movimento deve partir para o antigo centro da aviação e se voltar para o novo sem anular a importância histórica do velho centro. É com base em um novo projeto nacional de geração de um plano local, nacional, regional e internacional de aviação; um plano nacional que vai da construção de aeronaves, de peças de reposição, de construção de novos aeroportos, de valorização do trabalho aeroviário, e do controle dos trabalhadores em conjunto com a força aérea que se faz esta mudança. A experiência das agências civis de mercado falhou. Agora, nos moldes da luta marítima, precisa ser o poder do trabalhador aeroviário pressionando nacionalmente o poder militar na união cívico-militar. Uma guarda nacional de segurança sob os trabalhadores em conjunto com a aeronáutica popular reformulada para administrar e securizar os aeroportos. Este corpo se desenvolverá em uma escola, no Estado de São Paulo, com filiais em todas as regiões do Brasil para formar operários, construtores, administradores e operadores de aeroportos. Os aeroviários podem ser professores de aeroviários e militares do setor. E vice-versa.

Neste momento de quase 250 mil mortos pela pandemia de covid 19 no Brasil e mais de 2 milhões de mortos no mundo, de aviação quase parada, que afeta a classe aeroviária e que ceifou muitas vidas na classe, de trabalhadores com cabeça baixa, de desemprego e emprego precário; no momento das piores lideranças dobradas ao patrão impotentes, amarrando o aeroviário e a aeroviária no chão, dividindo o precioso tempo com sua família, seu trabalho e todas as possibilidades de construção de algo muito superior, nos perguntamos como seria possível apontar objetivos elevados baseados na organização crítica que confia no poder dos trabalhadores na base, mas também se equipa e se prepara para alcançar todos estes objetivos, através do trabalho paciente, persistente, resiliente, ousado como velho trabalho de base crítico, com uma visão crítica do sistema e com a agitação e propaganda daquilo que é necessário construir.

Nossos objetivos não são pequenos. O sindicalismo classista funciona como resposta à organização de base aeroviária. Os aeroviários podem aprender todas as coisas da aviação brasileira e mundial nas suas próprias escolas. Terão condições de conhecer o entorno do aeroporto e verificar como seu porto seco pode ser pólo de desenvolvimento local e Estadual, como ele se unifica com outros trabalhadores do setor de transportes, estratégicos da infra-estrutura e da energia, e como isso desenvolve as forças produtivas. Os aeroviários poderão estudar a logística nacional, regional da América latina e recuperar o seu papel de destaque, compreender o seu espaço de poder a partir da sua profissão para a logística do sistema mundial e desta forma perceber a total inutilidade da presença do patrão no setor, como o patrão é inútil para toda a classe trabalhadora.

O conhecimento nacional sob os olhos dos aeroviários depende do seu papel. Os aeroviários são capazes de compreender o Brasil e através da aviação o mundo. As escolas aeroviárias em parceria com a aeronáutica popular podem enviar aeroviários para o mundo que farão intercâmbio de culturas, aprenderão novas técnicas de produção, idiomas e novas tecnologias. Os aeroviários podem ser os embaixadores da construção de um programa de visita pioneira aos centros de inteligência artificial, dos drones, da computação quântica, da medicina regenerativa, a segurança cibernética, a realidade virtual, a biotecnologia, tecnologia de baterias e energia renovável, dos polímeros e os metais de última geração, e principalmente do transporte automatizado sob o controle dos trabalhadores, que vai garantir o pleno emprego, o fim do trabalho precário, e o trabalho de 4 horas para cada um sem redução de salário, mas suficiente para cada trabalhador. Tudo que não pode ser feito sob o capitalismo.

Os trabalhadores aeroviários, em conjunto com os marítimos e os trabalhadores soldados, podem e devem ser os trabalhadores cuja vanguarda pode realizar uma ponte para que outros trabalhadores adquiram novos conhecimentos, pela construção de pontes mundo afora todo este conhecimento que pode ser dividido por solidariedade, para compartilhar em todos os Estados e comunidades do país e onde existe um aeroporto. Isso pode gerar postos de trabalho no aeroporto e no entorno no porto seco. Mas para que uma estratégia dos trabalhadores prevaleça por sobre os interesses dos grandes monopólios, o capitalismo precisa sair da pista para que o socialismo possa decolar e voar.

As grandes lideranças aeroviárias existem. Mas este projeto precisa ser apresentado àqueles que estão dentro e fora do poder. Todos nós precisamos de lideranças sensíveis para a transição e apresentar estas propostas. Esta vanguarda está agora na base, recuada, despreparada, dominada, desalentada, invisível pensando que nunca poderia fazer estas coisas: conhecer o que há de mais novo no século XXI, voltar e dividir isso com cada brasileiro através de um projeto regional nacional e local. Sim, isso é possível se o custo fosse sob o lucro expropriado de parte dos voos internacionais que cada companhia brasileira estatal pudesse juntar uma taxa para financiar a educação e a operação e o projeto de poder dos aeroviários. Este poder dos aeroviários precisa ser construído e financiado construindo paralelamente o poder popular da classe trabalhadora. Se existe algo importante desde a criação da associação de mecânicos no fim da década de 30 até a greve de 2017, último sopro da luta aeroviária é apontar um projeto de poder para cada aeroviário, e procurar novas lideranças para fazer este projeto, a partir de lideranças atuais sensíveis para passar este bastão, e construir com eles este futuro, seu legado.

O período da greve nacional de 2010, da última greve do nacional em Brasília em 2012, o que marca um ascenso de lutas que levará a última greve de 2017 nunca colocou no meio deste processo de luta de classes esta proposta, a pauta máxima de poder da classe, pois isso agora precisa ser feito. O aeroviário vai ter vida plena e digna a partir do poder do trabalho ou vai sucumbir nesta barbárie. Vai servir seu país como embaixador do trabalho ao lado do marítimo, vai trazer tecnologia de ponta e conhecimento, cultura, e vai partilhar com toda a classe trabalhadora brasileira, ou vai cair nesta luta. Vai controlar a produção, circulação, operar pontes da tecnologia, do desenvolvimento das formas e forças produtivas da cultura latino-americana para o mundo, ou será escravo.

Não existe maior distância de poder entre o poder existente do aeroviário e o que ele poderia exercer. Não existe maior possibilidade de um setor exercer este poder. Este poder conecta terra e ar e terra internacional e terra nacional no contexto regional. O tripé organizativo – é a recuperação e otimização da ferramenta sindical, a construção de conselhos de trabalhadores por local de trabalho, e base organizada sindicalizada; agindo por sobre uma correta política de quadros, priorizando a organização dos trabalhadores do setor aéreo, e em especial os aeroviários, e fechando a ponta, com estruturas sindicais classistas guarda-chuva tornadas classistas para funcionar como cavalaria móvel blindada da classe trabalhadora. A organização dos aeroviários no local e a greve no sistema global: não estamos falando de impossibilidades, mas de uma possibilidade organizativa concreta e real na parte mais sensível do sistema.

Tudo aquilo que depende da organização local que ao mesmo tempo ousa lutar de forma internacionalista, depende do internacionalismo proletário que se constrói nas bases. Depende do tripé: estrutura sindical unitária, combativa, classista, e internacionalista; na priorização da ação organizativa e crítica do trabalho de base; e na correta política de quadros organizativos revolucionários; na tomada e recuperação e otimização das estruturas sindicais classistas; na organização e transformação da base geral em base organizada; e da construção de conselhos de trabalhadores nos locais de trabalho e de moradia destes trabalhadores. Na solidariedade e inserção nas massas precárias e periféricas depende todo um projeto que não começa no aeroporto nem pode parar nele.

O aeroviário ouve todos os dias o barulho da turbina, o cheiro do querosene, e vê voar o mais pesado que o ar. Se pudéssemos colocar todas as gerações passadas ao lado dele, todas diriam que os aeroviários presenciam o impossível. Seu trabalho é encarar impossibilidades na forma de possibilidade. Inclusive tudo que está à sua volta e desmancha no ar, portanto um novo poder pode se constituir no espaço do fim das lutas derrotadas para outras vitoriosas, do fim de um período para o outro, e do fim das lideranças para outras. O sistema não é eterno e outro pode e deve propor sua substituição para direitos, para salários, para educação, para solidariedade e para poder. As lideranças aeroviárias não sensíveis a estas propostas precisam dar lugar a estas propostas na cabeça e nas mãos de outras, observando e atuando onde cada aeroviário na base pode compreender esta luta como a sua. Está claramente determinado que a falta de quadros, de uma estratégia revolucionária, de uma política estratégica para o setor precisa ser substituída por outra para que se possa construir concretamente com o poder dos trabalhadores, o poder popular.

A elaboração de um programa construído pelos trabalhadores aeroviários, operado pela vanguarda destes trabalhadores, submetidos à crítica constante destes trabalhadores, na medida que eles conquistam, estudam o mundo, visitam o mundo, descobrem a América Latina, é absolutamente necessário. O Brasil fará desta vanguarda a guarda do poder das conquistas da classe e solidária da educação da classe trabalhadora. Esta vanguarda estratégica pode em condições de ascenso das lutas, lutas políticas para além da classe aeroviária e em conjunto da classe estratégica e trabalhadora construir um poder popular visível que aponte para o poder popular de transformação da sociedade porque possui as contradições materiais para fazer isso e está estrategicamente posicionado para operar isso. Se existiu excelência na operação aeroviária é possível demonstrar como isso aconteceu e pode acontecer novamente.

É importante terminar com as palavras do camarada Diniz, este grande líder dos anos 80 e 90 que continua ativo e militante para pensar uma estratégia para o setor hoje e agora. Junto com Diniz, Fabrício, os líderes da revolta aeroviária, lideranças históricas do outro lado sensíveis a estas propostas, juntos com o trabalhador mais comum na base. Está na hora de deixar as divisões que nos colocaram fracos para trás, e juntar todos os líderes honestos e sinceramente comprometidos na construção do bloco da revolução. Estes são bem vindos para esta tarefa, do velho e do novo sindicalismo que continuam nos sindicatos, que sejam sinceramente engajados em unificar a classe aeroviária, sem os pelegos; inclusive nos novos projetos de protagonismo da classe, é preciso que tenhamos audácia para pensar o poder da classe aeroviária, audácia para derrotar os patrões e todos aqueles que se colocam como empecilho de transformação para a história da classe trabalhadora, da classe estratégica e da classe trabalhadora.

“Como categoria estratégica no enfrentamento dos trabalhadores contra o capital, os aeroviários devem retomar os seus dias de lutas e conquistas, mas para isso é preciso se reorganizar, buscando camaradas, companheiros e amigos que estejam compromissados com a luta, dando uma cara nova a essa categoria, que um dia foi orgulho para todos que nela labutavam. A luta dos aeroviários é a mesma luta de todos os outros trabalhadores. O medo do desemprego, o arrocho salarial, a perda de conquistas também fazem parte de uma mesma luta maior, por isso, o sonho de uma sociedade justa e livre é o mesmo para aeroviários, aeronautas, rodoviários, petroleiros, professores, enfim, todos os trabalhadores que têm um mesmo sonho, de uma sociedade sem explorados e sem exploradores”.

Referencias
LÊNIN, Vladmir, I https://www.marxists.org/portugues/lenin/livros/sindicato/index.htm
GIANOTTI, Vito – Trabalhadores da Aviação de Getúlio até FHC, Scritta, 1995
MPT Ministério Público do Trabalho – Revista Labor, 2014
BASTOS, Roberto G. – Estações de Ferro de Rafael Martinelli, São Paulo, 2014
Jornal / Boletim dos aeroviários do Rio – Simarj da greve geral de 28 de abril de 2017 https://issuu.com/simarj/docs/boletim_internet_greve_geralii
Jornal comemorativo SNA – https://sna.org.br/wp-content/uploads/2019/01/Revista-Sobrevoando-SNA-Sindicato-Nacional-dos-Aeroviarios-2014.pdf
Salve Tubiacanga – https://youtu.be/nJHQfqPg5tk
Privatização dos aeroportos resumo do ataque Brasília, Guarulhos, Campinas – Sindipetro RJ – https://www.youtube.com/watch?v=NoEffC4sBP0
Protestos nos aeroportos contra a privatização Galeão Rio de Janeiro CTA Argentina – https://youtu.be/tLjALRxrvpQ
Protestos nos aeroportos contra a privatização Galeão Rio de Janeiro CTA Argentina – https://youtu.be/kyQ1ofTxynM
Protestos nos aeroportos contra a privatização Santos Dumont Rio de Janeiro Sindipetro RJ e MST na Rio + 20 – https://youtu.be/VYg7i9QsFkM
Protestos nos aeroportos contra a privatização Santos Dumont Rio de Janeiro Sindipetro RJ e MST na Rio + 20 https://youtu.be/l_H9r1yS9gk
Protestos nos aeroportos contra a privatização Santos Dumont Rio de Janeiro Sindipetro RJ e MST na Rio + 20 https://youtu.be/Qy5KoZdm8LY
Protestos nos aeroportos contra a privatização João Pessoa – MST (o povo não é jumento) https://youtu.be/l2FTzJSod1s
Protestos nos aeroportos contra a privatização Belo Horizonte – Confins – Levante Popular da Juventude, MAB, MST – https://youtu.be/2SvgVgoa9eA
Demissões no setor – https://www.esquerdadiario.com.br/Aeroviarios-ameacados-de-demissao-pela-LATAM-fazem-paralisacao; https://diariodocomercio.com.br/economia/demissao-em-massa-ronda-o-setor-aereo/
https://oglobo.globo.com/economia/american-airlines-united-anunciam-mais-de-30-mil-demissoes-devido-pandemia-1-24670479

Entrevistas com aeroviários 2020/2021