Para atravessarmos a crise na Bahia

imagemNota Política do Comitê Regional do PCB/Ba

Em entrevista recente, o prefeito de Salvador Bruno Reis declarou estarmos vivendo o pior momento da pandemia na capital baiana. As emergências estão lotadas e a demanda por leitos não para de crescer. Em que pese a dramaticidade da situação, não foram poucos aqueles que apontaram a tendência de crescimento dos casos de Covid-19 em todo o Estado e denunciaram o pacto de “normalidade” hegemônico, no qual a naturalização da morte de milhares e o crescimento da miséria passou a se reproduzir com maior intensidade.

O que chama mais atenção no discurso do prefeito de Salvador é a forma como ele pretende lidar com o momento atual. Sua primeira declaração foi reforçar que cinemas e teatros teriam o funcionamento interrompido, fazendo parecer que não vivemos uma grave crise nos diversos setores da produção cultural, com salas de cinema sendo fechadas ou grupos de teatros enfrentando muitas dificuldades para sobreviver. Ele oculta que tais setores já não estão funcionando normalmente, enquanto o grosso da vida econômica se mantém em seu dia-a-dia habitual.

Nada é dito sobre os desafios da continuidade do SUS ou as múltiplas questões enfrentadas pela classe trabalhadora, como o desemprego massivo. Faz-se necessário observar melhor a lente de análise de Bruno Reis. Não é muito diferente daquela utilizada pelo governador Rui Costa, que ao dar declarações sobre o iminente colapso dos serviços de saúde na Bahia se limita a criticar aqueles que continuam se aglomerando e negligenciando o estado pandêmico. O governador parece não se implicar no próprio problema que denuncia, deixando mais uma vez clara sua oscilação quanto às medidas corretas a se tomar.

Lembremos que Rui Costa passou os momentos iniciais da pandemia tentando diminuir a gravidade da crise. Foi convencido a tomar medidas mais enérgicas, recuou no negacionismo, mas não foi capaz de sustentar, por exemplo, as iniciativas de isolamento social pelo tempo necessário. Diante da alta da média móvel de óbitos no estado, a principal alternativa apresentada à população foi o toque de recolher, que enquanto medida isolada pouco impactará no avanço da Covid-19. Mesmo um “lockdown” do último fim de semana não pode mascarar as contradições em jogo. Apesar de necessário, não nos parece nada razoável que ele ocorra apenas em um final de semana isolado, enquanto no dia a dia a maioria continuará lotando o transporte público diariamente.

Ambos, Bruno Reis e Rui Costa se alinham ao colocar o problema como uma questão centrada na moral individual, cabendo como solução a ampliação do esclarecimento com os cuidados pessoais ou o ascetismo diante do lazer. Já não há no horizonte a mesma urgência dos primeiros meses de 2020. Hospitais de campanha foram fechados e a abertura de novos leitos de UTI na Bahia não parece dar conta da real demanda, especialmente para o SUS, equipes de saúde foram desmobilizadas e muitos serviços “não-essenciais” continuam no seu perfeito funcionamento. Tão pouco são apontadas medidas objetivas para garantir renda aos grupos mais vulneráveis.

Recuemos um pouco no tempo quando ACM Neto inaugurou o programa “Salvador Protege”. Dizia o ex-prefeito que o programa iria melhorar a comunicação dos postos de saúde com as comunidades a partir da ampliação do atendimento remoto e informatização dos serviços de saúde. Nada se falava sobre o novo financiamento da Atenção Primária à Saúde, que ataca frontalmente a Estratégia de Saúde da Família, ou sobre o avanço das forças privatizantes no SUS. Entregava como panaceia o atendimento remoto, ignorando inclusive que parte da população sequer tem acesso à internet. Ainda escamoteou-se o fato bem conhecido de Salvador continuar como uma das cidades do Brasil com menor cobertura da população na atenção primária e também possuir bolsões de grande miséria, onde não existe nem saneamento básico. Neste, como em tantos outros exemplos, podemos detectar o quanto a gestão de ACM Neto se preocupava mais com slogans do que com conteúdo concreto. O atual prefeito de Salvador, com seu discurso oco e efusivo diante das câmeras, herda de seu antecessor esse culto pela performance e igualmente o descaso com as massas trabalhadoras.

Nesse sentido, cabe ir além das análises individualistas ilustradas anteriormente para detectar a raiz da crise baiana e apontar direções que iluminem uma possível saída. Ainda que seja impossível descolar a realidade baiana da realidade nacional, procuraremos avançar no espaço dessa nota as especificidades que caracterizam o atual momento vivido pela população na Bahia.

Para tanto, é imprescindível lembrar que na Bahia as pessoas pardas e pretas representam 81,1% da população (PNAD 2018) e as mulheres são maioria (51,6%). A taxa de desocupação chegou a 20,7 no terceiro semestre de 2020 e o desemprego e a informalidade atinge principalmente negras e negros com baixa escolaridade e renda familiar. Tal realidade foi agravada com a pandemia e mais recentemente com o fechamento da Ford. Contudo, essas duas variáveis não se explicam por si só.

Em 2019, a Bahia também foi destaque nacional negativo quanto ao processo de escolarização. A maior taxa de pessoas não letradas do país, mais de 1,5 milhão, é do estado e corresponde a 13% da população. Não à toa, a Bahia teve o terceiro maior índice de feminicídio em 2020 e o crescimento exponencial da população carcerária, que saltou de 8.887 em 2010 para 15.632 em 2019 (SEAP-BAHIA). Também neste índice, a população jovem e negra é a principal vítima.

Essa realidade é resultante de séculos de exploração por uma classe dominante branca, colonizadora, racista e cis-heteropatriarcal, que tem encontrado em Rui Costa, bem como em seus antecessores, seus representantes legítimos. Os governos do PT na Bahia, legitimados pelo mantra da austeridade fiscal e pelo mito da acumulação de forças, continuam implementando o receituário neoliberal e fazendo renúncias fiscais bilionárias (entre 2015 e 2017 foram 8 bilhões segundo TCE). Apesar da promessa de geração de empregos, como contrapartida ao benefício fiscal aos empresários, os dados sobre taxa de desocupação não deixam dúvidas quanto aos beneficiários de tais isenções.

Para a classe trabalhadora baiana, a política de governo materializa-se no fechamento de escolas públicas e militarização, na construção de presídios e no forte aparato repressor do estado para coagir os movimentos populares e exterminar a população negra e periférica. Pois bem, o governo Rui Costa em nome da sua reprodução no poder, rendeu-se ao pragmatismo neoliberal, ampliou suas alianças com a direita, acomodou-se nos limites da ordem que constrange, humilha e explora trabalhadoras e trabalhadores, contribuindo para chegarmos exatamente onde hoje estamos, antes e durante a pandemia. Tal agenda de ataques de Rui Costa não poupou o funcionalismo público, nem mesmo no que tange ao plano de saúde dos servidores (PLANSERV). Mesmo durante um ano pandêmico a taxa de contribuição aumentou para diversos servidores, e a oferta dos serviços, filas para marcação seguem em ampla precarização.

A política estabelecida pelo Governo do estado e pela Prefeitura de Salvador encontra eco em muitas das gestões espalhadas pelo interior e tem contribuído sobremaneira para o agravamento das mazelas colocadas pela pandemia. Por um lado o avanço na situação do desemprego, e por outro os compromissos de Governo com o capital impedem a implementação de medidas eficientes de isolamento a partir do financiamento das pequenas empresas, custeio de salários, redução ou isenção de aluguéis, corte de impostos para o setor de serviços de pequeno e médio porte, e um amplo programa de garantia do emprego.

A situação do ensino público na Bahia, que ocupa o último lugar no ranking da educação em 2020, também reflete a desresponsabilização do Estado com discentes, docentes, pais e mães da rede pública, além de demarcar a natureza do estado capitalista. Qualquer solução imediata deve considerar a realidade concreta aqui apresentada, deve passar pela garantia do acesso às tecnologias de comunicação remota, mas fundamentalmente pela criação de condições de estudo e trabalho, opondo-se veementemente ao retorno das aulas presenciais sem um amplo programa de vacinação.

Por fim, na saga do drama da população baiana, vitimada pela reestruturação produtiva do capital, pela pandemia da Covid-19, pelo racismo estrutural e o regime de dominação e exploração de mulheres, é fundamental questionar por que o fundo público não é utilizado para garantir vidas, empregos, salários e proteção social da população que gera a riqueza deste estado. A resposta, alguns sabem. Quem manda na República é o capital, que para se reproduzir se apropria do fundo público, expropria e aliena trabalhadoras e trabalhadores, retira direitos sociais e trabalhistas, subordina-os e transforma-os em pura necessidade.

É preciso consciência da urgência do momento atual e por isso se faz necessário confrontar não apenas o governo Rui Costa, mas o capital e seus arautos, ora representados pela ultradireita ora pelos signatários da conciliação de classes. A resposta sairá não da mão de poucos, mas pela reunião de milhões de trabalhadoras e trabalhadores do nosso país e do mundo, por meio de sua organização e seus instrumentos de luta. A Bahia novamente aponta para o recrudescimento das forças populares e o aumento do das forças oligopólicas de sua burguesia local. Neste cenário se faz fundamental a reunificação da classe trabalhadora baiana numa orientação combativa e capaz de fazer frente às forças do capital.

Pleno emprego!
Vacinação já para toda a população!
Chega de violência contra as mulheres!
Pelo fim do genocídio da população negra!
Mais escola, menos encarceramento!