“Nova” Guerra Fria e o velho método da mentira

imagemVinte anos após mentirem sobre o Iraque, mídias ocidentais “denunciam” suposta perseguição aos uigures na China. O que há por trás de relatórios “independentes” cujas fontes são a CIA e a extrema direita? Até onde pode chegar a escalada?

Por Ajit Singh, em The Grayzone. | Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel. | Outras Palavras.

Ao longo de março de 2021, manchetes em veículos de mídia empresarial, da CNN a The Guardian, apregoaram o lançamento do “primeiro relatório independente” para determinar, com autoridade, que o governo chinês violou “todo e qualquer ato” da convenção das Nações Unidas contra o genocídio e, portanto, “tem a responsabilidade de Estado por cometer genocídio contra o povo Uigur”.

O relatório, publicado em 8 de março pelo Newlines Institute for Strategy and Policy, em colaboração com o Raoul Wallenberg Center for Human Rights, dá curso a uma orquestração de última hora, armada em janeiro pelo governo Trump, contando com declarações ecoadas por parlamentares holandeses e canadenses. Foi publicado logo após o lançamento de um relatório notavelmente semelhante em 8 de fevereiro, encomendado pelo Congresso Mundial Uigur, apoiado pelo governo dos Estados Unidos, e que alegava haver um “caso crível” contra o governo chinês por genocídio.

AFP (Agencia France-Presse), CNN, The Guardian, e CBC saudaram o relatório da Newlines de 8 de março como uma “análise independente” e um “relatório jurídico de referência”, que teria envolvido “dezenas de especialistas internacionais”. Samantha Power [a diplomata norte-americana que sustentou e promoveu o plano de desintegração da Líbia], nomeada pelo governo Biden para dirigir a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), também embarcou na sua promoção: “Este relatório mostra como isso [genocídio] é exatamente o que a China está fazendo com os uigures”, afirmou a notória “intervencionista humanitária”.

Os autores do relatório insistem que são “imparciais” e “não estão defendendo nenhum curso de ação”. No entanto, um olhar mais atento para o relatório e para as instituições por trás dele revela que as alegações de seus autores de “independência” e “expertise” não são muito mais que uma farsa gritante.

Na verdade, o principal autor do relatório, Yonah Diamond, recentemente clamou que o governo Biden “confrontasse” e “punisse” unilateralmente a China por, supostamente, cometer genocídio, ampliando as sanções contra o país. Enquanto isso, os think tankers por trás do relatório defenderam fervorosamente que o Ocidente “combata” e sancione a China. Foram os mesmos que promoveram os planos norte-americanos de “mudança de regime” visando a Síria, a Venezuela, o Irã e a Rússia.

A maioria dos signatários “especialistas” do relatório são membros do Newlines Institute e do Wallenberg Center. Outros são membros da falconídea Aliança Interparlamentar sobre a China, ex-funcionários do Departamento de Estado dos EUA e defensores fervorosos do intervencionismo militar norte-americano. O relatório se baseia substancialmente na “experiência” de Adrian Zenz, o ideólogo evangélico de extrema direita, cuja “incursão acadêmica” sobre a China mostrou-se crivada de erros grosseiros, falsificações e manipulações estatísticas tendenciosas.

A confiança no trabalho volumoso, mas comprovadamente fraudulento, de Zenz não é surpreendente, visto que o relatório foi financiado pela organização mãe do Newlines Institute, a Fairfax University of America (FXUA). A FXUA é uma instituição que caiu em descrédito quando os reguladores oficiais defenderam seu fechamento em 2019, depois de descobrir que seus “professores não estavam qualificados para ministrar os cursos designados”, a qualidade acadêmica era “patentemente deficiente” e onde o plágio intelectual era “desenfreado” e tratado com indiferença.

Poucos dias antes do Newlines Institute publicar seu relatório de “perícia” acusando a China de genocídio, um conselho consultivo do Departamento de Educação dos Estados Unidos recomendou cancelar o credenciamento da FXUA como instituição de ensino superior, comprometendo sua licença de funcionamento.

“Novo” relatório repete “evidências” antigas e desacreditadas

O relatório da Newlines não apresenta nenhum material novo sobre a condição dos muçulmanos uigures na China. Em vez disso, afirma ter revisado todas as “provas disponíveis” e aplicado “o direito internacional às provas dos fatos no terreno”.

Em vez de conduzir uma revisão completa e abrangente das “evidências disponíveis”, o relatório restringiu sua pesquisa a uma faixa estreita de pseudoestudos profundamente falhos, juntamente com relatórios de lobbies apoiados pelo governo dos Estados Unidos para o movimento separatista uigur exilado. É sobre esse fundamento defeituoso que o relatório aplica a análise “jurídica” relacionada à Convenção da ONU sobre Genocídio.

O relatório da Newlines baseia-se principalmente nos estudos duvidosos de Adrian Zenz, nas “notícias” da Radio Free Asia, canal de propaganda do governo dos Estados Unidos, e nas afirmações feitas pelo Congresso Mundial Uigur, a rede separatista também financiada pelos Estados Unidos. Essas três fontes compreendem mais de um terço das referências diretas usadas para construir a base factual do documento, com Zenz como a fonte mais confiável ― citada em mais de 50 ocasiões.

Muitas das referências restantes são citações de trabalhos de membros do “Uyghur Scholars Working Group” do Newlines Institute, do qual Zenz é membro fundador, e que é formado por um pequeno grupo de acadêmicos que colaboram com ele e defendem integralmente suas proposições.

Como relatou The Grayzone, Zenz é um evangélico fundamentalista de extrema direita que afirma ser “conduzido por Deus” para lutar contra o governo da China, deplora a homossexualidade e a igualdade de gênero e tem ensinado exclusivamente em instituições teológicas evangélicas. Uma revisão cuidadosa da pesquisa de Zenz mostra que sua alegação de genocídio é inventada por meio de manipulação estatística fraudulenta, seleção tendenciosa de materiais de origem e deturpação propagandística. Seus relatórios amplamente citados não foram publicados em periódicos científicos submetidos a revisão por pares e supervisionados por instituições acadêmicas, mas sim por uma editora da CIA baseada em Washington chamada Jamestown Foundation, que edita The Journal of Political Risk, uma publicação dirigida por antigos agentes da OTAN e do aparato de segurança nacional dos Estados Unidos.

À medida que sua negligência acadêmica vem à tona, Zenz tem enfrentado crescente escrutínio e constrangimento, como se evidencia por sua ameaça em processar seus críticos acadêmicos.

A fim de reforçar a credibilidade do relatório, e para contornar sua excessiva dependência dos laudos de Zenz, seus autores insistem em enfatizar sua suposta “independência” e “imparcialidade”.

“Este não é um documento promocional, não estamos, de forma alguma, defendendo algum curso de ação”, afirmou Azeem Ibrahim, Diretor de Iniciativas Especiais do Newlines Institute. “Não houve ativistas envolvidos neste relatório, ele foi inteiramente elaborado por especialistas jurídicos, especialistas da área e especialistas em questões étnicas da China”.

No entanto, poucas semanas antes da publicação do relatório, seu principal autor, Yonah Diamond, redigiu um apelo belicoso [na revista Foreign Policy, publicada pelo think-tank Carnegie Endowment for International Peace] para que o governo Biden ignorasse a ONU (que Diamond considera “em dívida com o governo chinês”) e enfrentasse unilateralmente a China. Após a declaração do governo Trump de que a China estava cometendo genocídio em Xinjiang, Diamond alegou que os Estados Unidos estão legalmente obrigados a “punir” a China e que “o governo Biden deve agora tomar medidas concretas para esse fim juntamente com os aliados dos Estados Unidos”.

O relatório tenta construir uma aparência de amplo consenso de especialistas apoiando suas conclusões, incluindo uma lista de 33 signatários apresentados como “especialistas independentes”. Sem nenhuma surpresa, essa lista consiste de indivíduos que defendem uma Nova Guerra Fria e o confronto com a China, e que apoiam os esforços separatistas para transformar a região de Xinjiang, rica em minerais e geopoliticamente importante, num “etnoestado” aliado à OTAN. Destacam-se:

• Irwin Cotler e Helena Kennedy- copresidentes, junto com Marco Rubio, da Aliança Interparlamentar sobre a China (IPAC), composta quase exclusivamente por falcões do Congresso, o IPAC foi constituído em 2020 com o objetivo de montar uma “defesa comum” contra a “ascensão da República Popular da China”. Membros do executivo do Congresso Mundial Uyghur, Erkin Ekrem e Rahima Mahmut, fazem parte do conselho consultivo e do secretariado do IPAC. Adrian Zenz também faz parte do conselho consultivo.

• David Scheffer, Beth von Schaack e Gregory H. Stanton- os dois primeiros são ex-embaixadores do Departamento de Estado norte-americano, enquanto o último é um ex-funcionário do mesmo.

• Lloyd Axworthy e Allan Rock- respectivamente, ex-ministro canadense de Relações Exteriores e ex-embaixador canadense na ONU.

• Adrian Zenz- membro fundador do “Uyghur Scholars Working Group” do Newlines Institute.

Em lugar de consultar uma ampla gama de especialistas acadêmicos ou submeter seu estudo à revisão por pares, a Newlines fiou-se em uma estreita comunidade de ideólogos alinhados às mesmas ideias. A maioria dos signatários são membros dos dois think tanks por trás do relatório, o Instituto Newlines e o Centro Wallenberg. Longe de serem “independentes”, essas organizações são profundamente partidárias, autodenominadas “ativistas”, que se alinham intimamente com os objetivos da política externa dos Estados Unidos e do Ocidente, defendendo sanções e intervenções contra a China e outras nações não alinhadas em todo o Sul Global.

Newlines Institute: uma coleção de ideólogos da “mudança de regime” e de agentes da “CIA das sombras”

O relatório supostamente independente que acusa a China de genocídio foi publicado pelo Newlines Institute for Strategy and Policy, com sede em Washington DC e conhecido anteriormente como Center for Global Policy. Fundado em 2019, o objetivo declarado do think tank é “aprimorar a política externa dos EUA” com uma “especialização em Estados e sociedades muçulmanas”.

Com extensos laços com o establishment da política norte-americana de mudança de regime [em outros países, claro], o Newlines Institute é um repositório confiável de material anti-China. Por exemplo, ele apresentou as divagações de Robert Spalding, ex-diretor sênior de estratégia de Trump e um dos arquitetos da doutrina de segurança nacional de 2018 desse presidente, que reorientou a política externa dos Estados Unidos, focada até então na chamada “guerra global contra o terror”, para a competição com as grandes potências, quais sejam, China e Rússia.

A direção do Newlines Institute inclui ex-funcionários do Departamento de Estado norte-americano, conselheiros militares do Pentágono, profissionais de inteligência que antes trabalharam para a empresa de espionagem privada Stratfor, a “CIA alternativa”, terceirizada, ou “CIA das sombras” (“Shadow CIA”), que também tem ligações no Brasil [aqui e aqui], além de uma coleção de ideólogos intervencionistas. Seus colaboradores conformam uma seleção significativa de agentes da operação de mudança de regime na Síria: eram exatamente os chefes de torcida do intervencionismo militar dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que intimidavam e assediavam qualquer figura pública proeminente que ousasse insinuar alguma perspectiva crítica sobre aquela guerra por procuração. Destacam-se:

• Hassan Hassan, diretor; fundador e editor-chefe da revista Newlines – defensor ardoroso do imperialismo norte-americano, o que inclui as guerras do Iraque, da Líbia, do Iêmen e especialmente da Síria. Junto com Michael Weiss, colaborador da Newlines, Hassan defendeu que os militares dos Estados Unidos balcanizassem a Síria, ocupassem permanentemente a região de Jazira, rica em petróleo, e transformassem o país em “um protetorado de segurança americano”.

• Azeem Ibrahim, diretor- professor adjunto de pesquisa do Instituto de Estudos Estratégicos, do U.S. Army War College. Ibrahim é coautor do relatório Newlines.

• Kamran Bokhari, diretor- atuou anteriormente como coordenador do Curso de Estudos sobre a Ásia Central do Instituto de Serviço Exterior do Departamento de Estado norte-americano.

• Faysal Itani, diretor adjunto- ex-membro sênior permanente do Atlantic Council, financiado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, que funciona como think tank semioficial da OTAN em Washington, DC.

• Michael Weiss, editor sênior – um lobista veterano de Israel, ativista neoconservador e agitador antimuçulmano que se tornou defensor dos insurgentes islâmicos na Síria. Weiss se rotulou como um especialista em Rússia, apesar de nunca ter visitado o país e não falar russo.

• Muhammad Idrees Ahmad, editor sênior – em 2016, Ahmad ligou para o editor da Grayzone, Max Blumenthal, sem ser solicitado, antes que Blumenthal publicasse uma denúncia investigativa em duas partes sobre os Capacetes Brancos da Síria, ameaçando-o com graves consequências se ele seguisse adiante com sua reportagem. (Ouça a gravação da ligação ameaçadora de Ahmad pelo twitter). Professor de jornalismo digital na Stirling University, no Reino Unido, Ahmad recentemente atacou o jornal independente Democracy Now! por abrir espaço para o acadêmico marxista indiano Vijay Prashad em um debate sobre o perigo de uma nova Guerra Fria com a China.

• Rasha Al Aqeedi, analista sênior – analista nascida no Iraque, que anteriormente trabalhou como pesquisadora no Instituto de Pesquisa de Política Externa (FPRI), um think tank neoconservador originalmente fundado por supremacistas brancos e da linha-dura da Guerra Fria, dedicado, entre outras coisas, a paparicar os falcões de guerra John Bolton e James Mattis. Como seu colega Ahmad, Aqeedi dedica uma parte significativa do seu tempo para atacar personalidades pacifistas nas mídias sociais.

• Elizabeth Tsurkov, colaborador temporário – trabalhou anteriormente em vários think tanks neoconservadores e do establishment, incluindo o Atlantic Council, Foreign Policy Research Institute e Freedom House. Tsurkov serviu no exército israelense, durante a guerra de 2006 no Líbano. Durante a guerra por procuração síria, Tsurkov manteve contatos amigáveis com membros da milícia jihadista apoiada pelos sauditas, Jaish al-Islam, e se gaba das conexões que ela e o aparelho de inteligência militar israelense mantêm com os agentes do antigo Estado Islâmico na Síria.

• Nicholas A. Heras, analista sênior – foi pesquisador associado da National Defense University, do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Heras também é bolsista do Center for New American Security, financiado pela indústria de armas. Lá, ele propôs usar “o trigo [como] arma poderosa (…) para pressionar o regime de Assad”. Em outras palavras, Heras defendeu a fome em massa de civis sírios, ocupando seus campos de trigo, uma política norte-americana que está em curso na região nordeste do país.

• Caroline Rose, analista sênior – atuou anteriormente como analista na revista Geopolitical Futures, dirigida pelo fundador da Stratfor, George Friedman. A Stratfor é uma empresa privada de espionagem e inteligência que passou a ser conhecida como “CIA das sombras” (“Shadow CIA”) a partir das revelações produzidas pelo Wikileaks. A empresa também estabeleceu um amplo contrato com o governo dos Estados Unidos, em especial para treinar militantes da direita venezuelana em táticas de desestabilização.

• Robin Blackburn, editor executivo – por 12 anos, Blackburn foi redator e editor na Stratfor.

• Robert Inks, editor- atuou anteriormente como diretor do Grupo de Escritores, além de editor de Projetos Especiais na Stratfor.

• Daryl Johnson, colaborador temporário — serviu no Exército dos EUA e anteriormente trabalhou como analista sênior no Departamento de Segurança Interna. Ele é o fundador da DT Analytics, uma empresa privada de consultoria para polícia e aplicação da lei.

• Eugene Chausovsky, colaborador temporário – realizou palestras sobre “geopolítica da Ásia Central” no Instituto de Serviço Exterior do Departamento de Estado norte-americano. Anteriormente, trabalhou como analista sênior para a Eurásia na Stratfor por mais de uma década.

• Imtiaz Ali, bolsista colaborador – trabalhou anteriormente como especialista em currículo no Instituto de Serviço Exterior do Departamento de Estado norte-americano.

• Ahmed Alwani é o fundador e presidente do Newlines Institute. Alwani serviu anteriormente no conselho consultivo do Comando Africano das Forças Armadas dos EUA (AFRICOM) e é o Vice-Presidente do Instituto Internacional do Pensamento Islâmico (IIIT). Seu pai, Taha Jabir Al-Alwani foi um dos fundadores do IIIT.

O Instituto Newlines recentemente adotou medidas buscando conter os rumores das conexões do IIIT com a Irmandade Muçulmana. Em um e-mail interno obtido por The Grayzone, datado de 17 de novembro de 2020, o diretor da Newlines, Hassan Hassan abordou a “acusação” contra o então Center for Global Policy. Hassan escreveu que, embora outra “entidade mais antiga” tenha sido financiada pelo IIIT, “[a] atual não tem relação com o IIIT”. Hassan tentou amenizar as preocupações, minimizando a conexão de Alwani com o IIIT, alegando que Alwani “herdou o Instituto Internacional para o Pensamento Islâmico, na função de vice-presidente, como uma espécie de legado”, após a morte de seu pai em 2018.

O Instituto Newlines sob a supervisão de uma desacreditada “universidade” fraudulenta

O Newlines Institute é parte de uma instituição educacional desacreditada, que descumpriu reiteradamente os padrões educacionais oficiais, o que acaba por pôr em xeque a qualidade do trabalho desse think tank.

A instituição mãe do Newlines Institute é a Fairfax University of America (FXUA), um estabelecimento também fundado e dirigido por Alwani, e anteriormente conhecida como Virginia International University. FXUA é uma universidade privada em Fairfax, Virginia. Fundada em 1998, o curto histórico da FXUA está eivado de escândalos acadêmicos e de esforços da fiscalização oficial para fechar a instituição.

Em 2019, o Conselho Estadual de Educação Superior da Virgínia iniciou procedimentos para revogar a certificação da FXUA (então conhecida como Virginia International University ― VIU) para operar. A mudança ocorreu depois que os fiscais estaduais descobriram um descumprimento generalizado dos padrões educacionais oficiais do Estado.

De acordo com o Richmond Times-Dispatch, os auditores concluíram que “os professores não estavam qualificados para ministrar os cursos designados”, a qualidade acadêmica e o conteúdo das aulas eram “patentemente deficientes” e o trabalho dos alunos foi caracterizado como “plágio desenfreado”, consagradamente impune.

“Alunos desqualificados submetem regularmente trabalhos plagiados ou de muito baixa qualidade; o corpo docente faz vista grossa e rebaixa os critérios de aprovação (talvez para evitar reprovar uma classe inteira); e os administradores não monitoram de forma eficaz a qualidade da educação online oferecida”, disse a auditoria.

“O fato de tal curso abaixo dos padrões poder seguir adiante sem reclamações de alunos, professores ou administradores levanta preocupações sobre o propósito da educação na VIU [Virginia International University]”.

Na verdade, os sinais apontam para a FXUA/VIU como uma “fábrica de vistos”, ao invés de uma legítima instituição educacional. Como explica a publicação Inside Higher Ed, o termo “fábrica de vistos” refere-se a uma operação fictícia em que uma instituição “oferece pouco em termos de valor educacional”, mas, em lugar disso, atrai estudantes internacionais por meio de sua capacidade de oferecer acesso a vistos de estudo e trabalho, enquanto os explora cobrando mensalidades exorbitantes. O credenciador do FXUA/VIU, o Conselho de Credenciamento para Faculdades e Escolas Independentes (ACICS), há muito enfrenta acusações de certificação de instituições desse tipo.

Em 2019, Inside Higher Ed relatou que FXUA/VIU “parece existir principalmente para matricular estudantes internacionais”, descobrindo que nos cinco anos anteriores, “a porcentagem de estudantes da América do Norte variou entre 1% e 3%”. Os auditores descobriram que o corpo discente era composto, em grande parte, por estudantes internacionais com um “domínio abissalmente pobre” da língua inglesa. Os alunos pagavam 2.178 dólares por disciplina de pós-graduação e 1.266 dólares por disciplina de graduação, para receber uma educação “patentemente deficiente”.

Embora a Virginia International University tenha chegado a um acordo com os reguladores estaduais que a permitiu continuar operando e se rebatizou como Fairfax University of America, grandes preocupações pesam ainda sobre a universidade, junto com sua instituição subsidiária, o Newlines Institute.

Poucos dias antes do relatório do Newlines Institute sobre a China ser divulgado, o registro de funcionamento da FXUA estava mais uma vez sob risco iminente. Em 5 de março, um conselho consultivo do Departamento de Educação [equivalente ao MEC brasileiro] dos Estados Unidos recomendou o cancelamento do reconhecimento do ACICS (Conselho de Credenciamento para Faculdades e Escolas Independentes) como autoridade competente. O Comitê Consultivo Nacional sobre Qualidade e Integridade Institucional votou 11 a 1 para recomendar que o ACICS perca o reconhecimento federal de que necessita para operar, credenciando universidades de fachada.

Esse comitê consultivo havia feito a mesma recomendação em 2016, levando à revogação do reconhecimento do ACICS sob o governo Obama, antes que o reconhecimento fosse restabelecido para esse credenciador problemático em 2018, pela secretária de Educação do então presidente Trump, a infame oligarca e ativista da privatização Betsy DeVos.

Centro Wallenberg: um paraíso para falcões anti-China e lobistas da mudança de regime

O Newlines Institute publicou seu relatório em colaboração com o Raoul Wallenberg Center for Human Rights. O principal autor do relatório, Yonah Diamond, é consultor jurídico do Wallenberg Center, e muitos dos signatários do relatório são afiliados à organização.

Com sede em Montreal, o Wallenberg Center foi fundado por Irwin Cotler, ex-ministro da Justiça e procurador-geral do Canadá. Ainda que muitas vezes apontado como um “campeão dos direitos humanos”, Cotler é, na realidade, um campeão das doutrinas da “responsabilidade de proteger” e da “intervenção humanitária”, regularmente invocadas pelos Estados ocidentais para justificar as intervenções imperiais no Sul Global.

Cotler rotineiramente elabora acusações propagandísticas de abusos dos direitos humanos, atrocidades e genocídio a serviço do imperialismo ocidental, incluindo as intervenções na Líbia e na Síria e sua possibilidade no Irã e Venezuela, onde Cotler serviu como consultor jurídico para Leopoldo López, o líder do golpe de extrema direita, apoiado pelos Estados Unidos. A esposa de Lopez, Lilian Tintori, ocupa uma posição consultiva no Wallenberg Centre.

Cotler também atuou no Haiti. Como ministro da Justiça do governo canadense, operou em coordenação com os Estados Unidos e a França, para ajudar a derrubar o ex-presidente haitiano Jean-Bertrand Aristide em 2004. Em 2014, Cotler convidou a líder Maryam Rajavi, do movimento totalitário iraniano exilado Organização dos Mujahidin do Povo Iraniano (MeK), para falar na colina do parlamento do Canadá. Quatro anos depois, ele indicou os Capacetes Brancos Sírios, financiados pelos EUA e Reino Unido, para o Prêmio Nobel da Paz.

Cotler é um fervoroso defensor do apartheid israelense e conselheiro de longa data de Moshe Ya’alon, ex-ministro da Defesa israelense e ex-chefe do Estado-Maior do Exército daquele país. Cotler desempenhou um papel significativo nos esforços do governo canadense para equiparar as críticas a Israel ao antissemitismo e difamar o movimento não violento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) em favor dos direitos dos palestinos.

Cotler há muito acalenta sentimentos hostis em relação à China. Por vários anos, serviu na equipe jurídica internacional do dissidente antichinês Liu Xiaobo, um ideólogo de direita que clamou pela privatização e “ocidentalização” da China, apoiou fervorosamente o ex-presidente George W. Bush e aplaudiu as guerras dos Estados Unidos no Vietnã, Afeganistão e Iraque.

Mais recentemente, com a eclosão da atual pandemia, Cotler ecoou os apelos dos congressistas de direita dos Estados Unidos por ações legais internacionais e sanções para punir a China, por supostamente causar a pandemia do coronavírus.

Em sua declaração de objetivos, o Centro Wallenberg descreve em detalhes sua visão imperial ocidental de direita, identificando explicitamente a China, a Venezuela, o Irã e a Rússia como países aos quais se dedica a “combater” por meio da promoção de sanções.

O Wallenberg Center se tornou um paraíso para falcões anti-China, o que inclui os colaboradores seniores David Kilgour, ex-secretário de Estado canadense, e David Matas, consultor jurídico sênior da B’nai Brith Canada, uma organização de direita que se descreve como dedicada à “defesa de Israel”.

Kilgour e Matas têm laços amplos com o culto religioso de extrema direita antichinês, Falun Gong. Ambos contribuem regularmente para o braço de propaganda do grupo, The Epoch Times, uma rede de mídia que o New York Times descreveu como um “império de mídia anti-China e pró-Trump” e “principal fornecedor de desinformação de direita”. Em 2019, uma reportagem da NBC News desvendou que o Epoch Times gastou mais de um milhão e meio de dólares em aproximadamente 11.000 anúncios pró-Trump em apenas seis meses, “mais do que qualquer organização fora da campanha de Trump, e mais do que a maioria dos candidatos presidenciais democratas gastou em suas próprias campanhas”.

Em 2006, Kilgour e Matas foram comissionados pelo Falun Gong para montar um relatório com acusações sensacionalistas de que o governo chinês estava secretamente conduzindo uma campanha em massa de coleta de órgãos vivos, extraídos de discípulos do Falun Gong. Só em 2017, uma investigação do Washington Post concluiu que as alegações feitas por Kilgour e Matas eram infundadas, com especialistas comentando que suas alegações não só “não eram plausíveis” como também “impensáveis”.

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À medida que Washington avança em sua nova estratégia de Guerra Fria, amplia as acusações de genocídio e de outras atrocidades contra o governo chinês, todas focadas na política de Pequim em Xinjiang. Para fortalecer o apoio à narrativa duvidosa, o governo dos Estados Unidos recorreu a uma série de instituições pseudoacadêmicas e falsos especialistas para gerar estudos aparentemente sérios e independentes.

Qualquer investigação crítica dos tantos maços de papel dos relatórios sobre Xinjiang e as instituições falconídeas que os publicam revelará rapidamente uma campanha de propaganda mesquinha, disfarçada de investigação acadêmica. A recusa da mídia ocidental em olhar para além da superfície da guerra de informação de Washington contra a China apenas evidencia seu papel central na operação toda.

Extraído de https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/na-nova-guerra-fria-o-velho-metodo-da-mentira/