Uma crítica marxista à política de segurança pública

imagemESBOÇO PARA UMA CRÍTICA MARXISTA DA SEGURANÇA PÚBLICA BRASILEIRA

Por Tálison Vasques, militante do PCB e do Coletivo Negro Minervino de Oliveira
Em vão percorremos volumes,

viajamos e nos colorimos.

A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.

Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.

As leis não bastam. Os lírios não nascem

da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se

na pedra.

Carlos Drummond de Andrade [1]

SEGURANÇA PÚBLICA E CRIMINALIDADE

Tratar do conceito de segurança pública numa sociedade de relações capitalistas de produção significa, essencialmente, tratar de Estado. Afinal, esta é a forma que expropriou o poder dos indivíduos e o concentrou em si, nivelando a todos por meio do direito e pairando como ente onipotente sobre estes. Mas esta é uma meia verdade, uma constatação meramente liberal da natureza do Estado, uma vez que a supremacia do direito escamoteia outra natureza de poder que estrutura, em última análise, todas as relações sociais. Este poder, oriundo das relações de produção num mundo cindido entre duas classes antagônicas de natureza e interesses inconciliáveis [2], dá as bases de todos os fenômenos humanos e sociais subjacentes a ele, inclusive o próprio direito, e por isso o Estado. Tudo o que se constrói voluntária ou involuntariamente sob tal estrutura tende a ser um espelho invertido dela, e então tende também a justificá-la e naturalizá-la.

O Estado como manifestação política da dominação burguesa adensa em si um conjunto de elementos superestruturais que o legitimam, todos mais ou menos baseados na concepção burguesa de direito. Entre eles, nos interessa a noção de poder público, que teoricamente é a expressão que representa o pacto social entre os homens. Um poder supostamente doado por cada indivíduo ao Estado (por meio de mecanismos como o próprio voto) e que é responsável pela promoção daqueles interesses que são comuns a todos. É claro que, entendendo a sociedade não como um conjunto de indivíduos com interesses e necessidades pessoais diversos – como propõe o estado de natureza dos pensadores burgueses –, mas como um complexo onde uma classe exerce dominação sobre a outra, por meio, fundamentalmente, de mecanismos ideológicos e superestruturais como a cultura, o direito e o próprio Estado. Sabemos que este poder público nada mais é do que a soma dos interesses particulares da classe dominante, transmutados como universais para as classes dominadas dentro dos marcos institucionais do Estado.

Este poder público se expressa na sua forma mais pura no uso de uma força pública do Estado. Ou seja, no destacamento de homens armados, prisões e aparelhos jurídicos responsáveis pela operação de uma violência legítima contra aqueles que atentam contra a ordem social estabelecida. Assim diz Engels sobre o papel do Estado na transição da coletividade gentílica para as primeiras sociedades de classes organizadas a partir de formas estatais:

O segundo traço característico é a instituição de uma força pública, que não mais se identifica com o povo em armas. A necessidade dessa força pública especial deriva da divisão da sociedade em classes, que impossibilita qualquer organização armada espontânea da população. […] esta força pública existe em todo Estado; é formada não só de homens armados, como, ainda, de acessórios materiais, os cárceres e instituições coercitivas de todo gênero, desconhecidos pela sociedade dos gens. [3]

Se mesmo nas expressões mais antigas do poder estatal o assim chamado poder público se expressava principalmente a partir do monopólio do uso da força, nas sociedades capitalistas modernas, novos elementos deram a ele uma dinâmica própria. A transgressão já não era mais pecado ou violação do direito consuetudinário, mas constituía o crime: um ato de violência contra não só o direito de outro indivíduo, mas também contra o próprio Estado. Nascem em decorrência disso uma miríade de cargos, instituições, ciências e uma lógica própria de produção típica da sociabilidade burguesa, tudo isso justificado pela existência do crime, do criminoso e da criminalidade. Para Marx:

[…] O criminoso não produz apenas crimes, mas ainda o Direito Penal, o professor que dá cursos sobre Direito Penal e até o inevitável manual onde esse professor condensa o seu ensinamento sobre a verdade. Há, pois, aumento da riqueza nacional, sem levarmos em conta o prazer do autor. O criminoso produz ainda a organização da polícia e da Justiça penal, os agentes, juízes, carrascos, jurados, diversas profissões que constituem outras categorias da divisão social do trabalho, desenvolvendo as faculdades de espírito, criando novas necessidades e novas maneiras de satisfazê-las. O criminoso produz uma impressão, que pode ser moral ou trágica; desta forma ele auxilia o movimento dos sentimentos morais e estéticos do público. Além dos manuais de Direito Penal, do Código Penal e dos legisladores, ele produz arte, literatura, romances e mesmo tragédias. O criminoso traz uma diversão à monotonia da vida burguesa; defende-a do marasmo e faz nascer essa tensão inquieta, essa mobilidade do espírito sem a qual o estímulo da concorrência acabaria por embotar. O criminoso dá, pois, novo impulso às forças produtivas… [4]

A relação entre o crime, a criminalidade e o poder público dá origem então a toda uma cadeia superestrutural que evade os próprios limites do estado e se instala no seio da sociedade, inclusive incidindo sobre as esferas produtivas. Nesta dinâmica própria, que preenche os espaços sociais diversos de uma permanente insegurança coletiva, floresce das entranhas do poder público a ideia de segurança pública: um conjunto de instituições com alto nível de especialização na função de conter o crime, sem nunca o extinguir. Um ramo estatal de vida quase autônoma criado para defender a sociedade da insegurança coletiva que o próprio estado produz, e por isso, que não pode superar por si próprio.

Tais considerações podem parecer demasiado abstratas, mas são fundamentais para compreender o que está de fato por trás dos aparatos da força pública do Estado que participam concretamente do nosso cotidiano. A segurança pública opera assim duas funções essenciais ao funcionamento do estado burguês: a primeira institucional e direta, ao exercer dentro das fronteiras nacionais o uso da força do Estado no sentido da manutenção da ordem social burguesa; a segunda no campo da ideologia, como o complexo responsável por defender a sociedade do inimigo interno, da criminalidade, da insegurança coletiva causada pela desconfiança mútua (fundamental ao espírito de competição burguês) e, no limite, defender a sociedade dela própria. Ambas ao passo que constroem a dominação burguesa por meio do Estado, a legitimam e liberam outras esferas estatais para dedicar-se as suas respectivas atividades. A segurança pública é então a única força na sociedade burguesa – e no próprio Estado – capaz de exercer a coerção violenta e que pode, ao mesmo tempo e por ela própria, também produzir o consenso sobre sua própria ação.

CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-ESTRUTURAL DO CRIMINOSO BRASILEIRO

Uma semana depois chegou o crack

Gente rica por trás, diretoria

Aqui, periferia, miséria de sobra

Um salário por dia garante a mão de obra

A clientela tem grana e compra bem

Tudo em casa, costa quente de sócio

A “playboyzada” muito louca até os ossos

Vender droga por aqui, grande negócio

Homem na estrada – Racionais Mc’s [5]

A construção da imagem do criminoso brasileiro passa por uma série de processos político-ideológicos locais e globais, que têm em maior ou menor medida a política de guerra às drogas como a principal catalisadora. Em artigo publicado no Portal do PCB em junho do ano passado [6], desenvolvo uma breve análise sobre a necessidade estrutural do Estado em promover níveis cada vez maiores de militarização e violência sobre superpopulação relativa estagnada e o pauperismo brasileiros. Retomo aqui a reflexão sobre a construção histórico-estrutural e a identidade desse contingente.

Embora os elementos citados na seção anterior sejam características que se manifestam na maior parte dos Estados burgueses modernos, a dinâmica de militarização progressiva da vida social por meio da segurança pública tende a se radicalizar dramaticamente em países de capitalismo dependente. Essas nações, ao serem afetadas pelos mecanismos de transferência de valor no intercambio desigual com as economias centrais [7] e pela consequente superexploração da força de trabalho [8] como forma de recuperar este valor perdido, estabeleceram formações econômicas distintas dos países desenvolvidos, com desigualdades mais profundas e radicais.

No Brasil, por exemplo, o mecanismo de superexploração só pode ser viabilizado, entre outros motivos, pela vasta quantidade da mercadoria força de trabalho disponível. Tal volume de trabalhadores aptos excede em muito a demanda de trabalho que nossa economia moldada pelas quebras dos ciclos de capital [9] pode absorver. Tal condição se dá também por uma realidade de heterogeneidade estrutural [10], onde a combinação entre setores produtivos modernos e atrasados – com maior e menor nível de produtividade, respectivamente – resulta em uma absorção desigual e inconsistente da força de trabalho, criando assim uma vasta superpopulação relativa [11], que extrapola em muito o limite de um exército industrial de reserva típico, pressionando os salários daqueles que conseguem emprego a níveis abaixo dos praticados nas economias centrais.

É importante dizer que a construção da superpopulação relativa é um movimento metabólico do capital observado por Marx. Ela ocorre em todas as economias onde o incremento do capital constante, em detrimento do capital variável, aumenta a produtividade de determinado setor industrial, diminuindo quantidade de mão de obra necessária para a produção. Aprofundando então o abismo entre a quantidade da mercadoria força de trabalho disponível e a capacidade dos setores produtivos de absorvê-las.

Porém, no caso das economias dependentes, pelos mecanismos citados acima, esta superpopulação relativa cresce em proporção muito maior quando comparadas com as economias centrais. No Brasil, especificamente, o processo de substituição da mão de obra escrava pela força de trabalho livre passou pela formação de um enorme contingente laboral, advindo da larga política de imigração europeia organizada pelo Estado e classe dominante brasileiros, para ocupar o espaço do negro no pelotão de frente da produção agrícola, e posteriormente, industrial. A adição de milhões de trabalhadores europeus em uma economia atrofiada e moldada às necessidades do mercado mundial resultou em uma enorme disparidade entre a mão de obra necessária a produção e o contingente real de trabalhadores.

Esta contradição azeitada pelas relações raciais provenientes dos 300 anos de escravidão negra criou duas frações trabalhadoras paralelas e relacionadas dialeticamente por um conjunto de contradições, são elas: a primeira, a força de trabalho nacional e a segunda, o que o professor e economista Pedro Henrique Evangelista Duarte chamou de força de trabalho marginal [12].

Em relação a primeira, optamos aqui por este nome por esta fração atender aos interesses identitários e político-ideológicos da classe dominante brasileira que, fortemente influenciada pela eugenia e pelo racismo científico europeu e estadunidense, concebeu um projeto nacional livre das influências culturais negativas africanas e nativas, na qual a composição étnico-racial da classe trabalhadora teria papel fundamental, e onde a supremacia de uma força de trabalho branca deveria se afirmar. A despeito do relativo fracasso em suprimir os elementos negros e indígenas do conjunto populacional brasileiro, é fato que as influências negras, especialmente aquelas ligadas aos modos tradicionais de organização e da luta política de séculos contra a escravidão através dos quilombos, revoltas e sabotagens de todo tipo, foi diluída no conjunto da classe trabalhadora que nascia. Forma-se então uma massa de identidade étnica superficial e sem qualquer identidade política. A esta fração da força de trabalho estaria destinada a linha de frente do setor produtivo nacional no final do século XIX e início do século XX, e alguma possibilidade de ascensão social – ainda que dentro dos limites impostos pela economia dependente.

A segunda, a partir da concepção do professor Duarte e da teoria da marginalidade [13], corresponde à fração dos trabalhadores que estão em situação estrutural de desemprego, e que buscam sobreviver em atividades do ciclo mais elementar da moeda entre os próprios trabalhadores. Exemplos de atividades deste tipo não faltam nos dias de hoje: são os camelôs, as babás, manicures, domésticas, catadores, pedreiros e serventes autônomos, prostitutas, biscateiros, etc., e onde incluo também os traficantes de varejo das drogas, os assaltantes, batedores de carteira e outros elementos da criminalidade que também vivem destituídos da categoria de salário – e por isso sem o mínimo necessário para a sua reprodução social – e buscam satisfazer suas necessidades sociais também por meio dos ciclos de circulação elementares da moeda.

Em relação à identidade, essa fração populacional tem grandes confluências com o que o intelectual marxista Clóvis Moura chamou de franja marginal [14]. Uma larga camada social sem função definida no capital, transitando entre as superpopulações relativas estagnadas e o completo pauperismo, que teve origem na passagem do modo de produção escravista tardio para o capitalismo dependente brasileiro. É composta majoritariamente pelas vastas massas populacionais negras descendentes dos abolidos do trabalho escravo, que foram excluídos de todos os principais ciclos produtivos e marginalizados na ordem social brasileira.

A necessidade de disciplinar essas amplas massas marginais socialmente instáveis e prevenir revoltas populares, constitui um dos pilares fundamentais da ordem social e do projeto nacional vigentes. A criação das policiais militares, da Guarda Nacional e de diversos mecanismos de coerção contra os negros escravizados, ainda no século XIX, remonta o medo das classes dominantes em relação a uma possível “haitinização” do Brasil. Esta necessidade sobreviveu ao fim da escravidão, uma vez que, apesar de a estrutura escravista não ser mais a predominante, a Revolução Haitiana ainda fazia sentido a um povo submetido a uma desigualdade social tão latente quanto a que se formou no Brasil no pós-escravidão.

Uma segunda necessidade surgida da integralização do capitalismo dependente brasileiro é a do descarte do excedente de mão de obra. O capitalismo tem como característica mais específica – e que a diferencia dos outros modos de produção – a capacidade de transformar a força de trabalho em mercadoria. Tal característica traduzida para relações de trabalho dinâmicas – em que a capacidade laboral dos trabalhadores se converte na mercadoria mão de obra, ao passo que estes se submetem ao mercado em troca do salário – cria relações sociais amplamente alienantes. Neste processo em que uma parte do trabalho humano disponível absorvido nas relações mercantis de produção se torna mercadoria, a parte que não é absorvida se torna um excedente de mercadoria, e a partir de um panorama mais completo, se formam as superpopulações relativas.

Todo estado capitalista moderno precisou aprender a lidar com suas superpopulações. A chamada “questão social” foi respondida pelo Estado com uma ampla gama de estratégias e instituições com o objetivo de amenizar as tensões de classe – desde a assistência social até as cadeias. Na realidade brasileira, em que a superpopulação está para muito além do observado no capitalismo central, criaram-se contradições ainda mais profundas. Os processos de “modernização” da economia, principalmente com o advento do neoliberalismo no Brasil, aprofundaram essas contradições, uma vez que desmontaram as políticas previdenciárias e sociais, promoveram uma ampla desindustrialização e submeteram de forma mais radical a economia nacional aos ditames do mercado.

Como saída para o problema do superexcedente da força de trabalho formado aqui e da sua consequente instabilidade social, implementou-se no país uma vasta política de encarceramento em massa e uma devastadora ofensiva de extermínio contra a população trabalhadora negra nas favelas e periferias brasileiras. Esta política de extermínio é amplamente apoiada por uma poderosa narrativa do Estado e que encontra eco na mídia hegemônica, contribuindo para a criação de uma série de pânicos morais presentes no imaginário popular e que servem à naturalização da morte de dezenas de milhares de pessoas todos os anos. A este processo de exclusão física de uma parcela da força de trabalho marginal existente dos espaços sociais e de trabalho, seja pelo encarceramento em massa ou pelo genocídio, compreende-se o mecanismo de descarte do excedente de mão de obra.

Aqui está o lugar social do criminoso – aquele que deve ser morto ou preso – e se confunde com um conjunto de identidades interligadas, construídas sobre um território facilmente identificável e em que coincide também à faixa populacional que, para a conservação da ordem social, deve ser disciplinada e/ou descartada pelas forças do Estado. O criminoso tem então um papel estrutural na equação social brasileira. Ele é o símbolo que representa uma série de significantes sociais acerca daqueles que podem ou não morrer ou serem presos, ou seja, daqueles que não são úteis à reprodução do capital. Serve também como exemplo ao conjunto populacional ao seu redor, em um processo de pedagogia do medo, que impõe à força uma disciplina sobre o “elo frágil” da ordem social vigente. O criminoso tem então um papel a desempenhar na ordem. Não deve ser encarado como um elemento patológico, como categoriza a abordagem positivista, mas parte constitutiva e fundamental da sociabilidade burguesa. Segundo Alessandro Baratta:

[…] principalmente das zonas mais depauperadas da sociedade, um setor de marginalizados sociais particularmente qualificado para a intervenção estigmatizante do sistema punitivo do Estado e para a realização daqueles processos que, ao nível da interação social e da opinião pública, são ativados pela pena, e contribuem para realizar o seu efeito marginalizador e atomizante. Este setor qualificado do “exército industrial de reserva” cumpre não só funções específicas dentro da dinâmica do mercado de trabalho (pense-se na superexploração dos ex-condenados e no correspondente efeito de concorrência em relação a outros trabalhadores), mas também fora daquela dinâmica: pense-se no emprego da população criminal nos mecanismos de circulação ilegal do capital, como peão na indústria do crime, no ciclo da droga etc.. Pense-se, além disso, no recrutamento de esquadrões fascistas entre a população criminosa. [15]

Chegamos ao principal ponto de interseção entre a construção da criminalidade e as contradições raciais e de desigualdade social estruturais do capitalismo brasileiro. Quase um século e meio após a abolição do trabalho escravo, uma fração numerosa da população permanece como força de trabalho marginal. Em 2019, pouco antes da crise do coronavírus e do auge da crise econômico-social brasileira, essa população atingiu 41,3% de todos os aptos ao trabalho no país [16]. Mesmo entre os trabalhadores empregados, os efeitos da precarização do trabalho atingem de forma mais latente as populações advindas das camadas marginais da classe trabalhadora brasileira. Isso se verifica, por exemplo, na terceirização que atinge muito mais população negra – em especial as mulheres – do que a população branca, e a desigualdade dos salários recorrente entre negros e brancos que exercem as mesmas funções no mundo do trabalho.

Esta realidade se entrelaça sinistramente com o fato de que 79,1% das pessoas assassinadas pela polícia são negras [17], dois terços de todos os 773.151 encarcerados [18] são pretos ou pardos, e que se construiu, desde os métodos de suspeição da polícia até as formas mais atuais de aplicação da forma jurídica, uma realidade que permite que 33% de todos os presos no país sequer tenham sido julgados. Percebe-se que, embora não haja no direito ou no Estado brasileiro qualquer dispositivo legal de segregação racial vigente, a raça permanece como um marcador importante para diferenciar a relação entre indivíduos e grupos sociais com o Estado em geral e com o complexo de segurança pública em particular. E principalmente na criação de um rosto para o crime e a criminalidade brasileira.

CONSTRUÇÃO JURÍDICO-POLÍTICA DA GUERRA ÀS DROGAS NO BRASIL

As legislações sobre as drogas são relativamente recentes na história contemporânea. A Primeira e a Segunda Convenções Internacionais do Ópio (Xangai, 1909 e Haia, 1912) são conhecidas amplamente como os primeiros espaços a tratar do tema e procurar unificar uma legislação internacional sobre ele. Motivadas pela Guerra do Ópio entre Inglaterra e China – e sob grande influência da indústria farmacêutica estadunidense, que buscava monopolizar as substâncias –, ambas as convenções aconteceram sob disputas abertamente imperialistas, onde as impressões morais conservadoras sobre o tema não tiveram nenhum protagonismo frente aos interesses econômicos e geopolíticos dos grandes monopólios e seus respectivos estados imperialistas.

Somente na década seguinte, com a consolidação dos monopólios farmacêuticos sobre essas substâncias, o discurso antidrogas fomentado pelos trustes – de interesses puramente econômicos – encontra eco no movimento proibicionista estadunidense. O conservadorismo cristão baseado na pureza moral cumpre papel importante na disseminação de um pânico moral [19] sob as drogas e seus usuários, bem como na associação delas com minorias étnicas, políticas e sociais demarcadas como inimigas da supremacia branca estadunidense. Notadamente os negros, os latinos, os asiáticos e, posteriormente, os comunistas.

Sob influência direta da política imperialista inglesa e estadunidense, o Brasil busca copiar os instrumentos jurídicos criados na América do Norte acerca das drogas. Embora não tenha prosperado em território nacional, nas primeiras décadas do século XX, nenhuma legislação que unificasse a perseguição que a população negra marginalizada já sofria desde o primeiro reinado acerca do uso de maconha. Em 1938, a ditadura de Getúlio Vargas cria a “Lei de Fiscalização de Entorpecentes” [20] que, entre outras atribuições, proibia o plantio, a comercialização e o consumo de várias substâncias em território nacional – para todos que não fossem parte da indústria farmacêutica, é claro –, e estipulava a internação compulsória daqueles encontrados em porte delas, consolidando assim uma primeira compreensão das drogas como problema sanitário no país. Esta orientação tinha forte caráter higienista e era operada a partir de uma concepção de saúde mental puramente manicomial.

Esta política encontra forte ressonância nas camadas cristãs conservadoras. A ideologia da pureza moral e a organização higienista das grandes cidades brasileiras – fortemente influenciadas pela eugenia àquela altura – também contribuem para a construção do pânico moral sobre a franja populacional negra marginalizada e excluída dos setores produtivos e dos principais processos políticos da República até então. A política manicomial de Getúlio Vargas – usada para “limpar” das grandes cidades os ébrios, loucos e os indesejáveis –, combinada com o conservadorismo racial presente no estado e nas camadas médias urbanas, criou o primeiro capítulo do encarceramento em massa no Brasil. Com campos de concentração apinhados de gente negra e pobre – parte da franja marginal das grandes cidades –, em péssimas condições de higiene e a mercê de toda sorte de violências, onde mais de 50 mil pessoas teriam morrido entre as décadas de 30 e 80 do século passado, segundo o “Holocausto Brasileiro” de Daniela Arbex [21]. Sem dúvidas uma extensão da aventura colonial persistente ao século XX e o embrião da realidade carcerária contemporânea no Brasil.

A partir do decreto da Lei de Segurança Nacional de 1969 [22] pela ditadura empresarial-militar, vivemos oficialmente a chamada política de guerra às drogas no Brasil. A passagem do modelo sanitário manicomial para o modelo bélico trouxe mudanças significativas tanto na estrutura policial e penal, quanto na ofensiva conservadora acerca das drogas – agora associadas a subversão comunista –, com discurso similar ao que foi adotado pelo macartismo (1950-1957) nos EUA e alinhado aos interesses imperialistas na Guerra Fria. O Departamento Federal de Segurança Pública é reorganizado e a Polícia Federal recebe o Serviço de Repressão a Tóxicos e Entorpecentes – SRTE [23] com uma secretaria, delegacias e outras estruturas voltadas para o combate ao tráfico de drogas no país.

Porém, é no sistema carcerário que as novas estruturas de repressão adotadas pela ditadura surtem mais efeito. O nível de militarização crescente da sociedade aumenta e diversifica a composição da população carcerária brasileira, que passa a crescer 130% entre o fim da década de 70 e o início dos anos 90 [24]. Os chamados “presos políticos” passam a representar fatia considerável nos complexos prisionais, dividindo espaço com presos por crimes urbanos comuns, como as quadrilhas de assaltantes do Rio de Janeiro. Este boom na realidade prisional, além da repressão político-ideológica aos opositores da ditadura, tem também como causa o avanço das legislações de repressão às drogas como a Lei nº 6.368/76 do governo Geisel, que previa a criação de um Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão [25]. Estas mudanças na legislação brasileira ocorrem em resposta às convenções de 1971 (Viena) e 1972 (Protocolo de Emendas à Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961 – Genebra), que globalizavam a política de Guerra às Drogas estadunidense e europeia [26] e também suas consequências como o superencarceramento que viria nas décadas seguintes. Além disso, a ascensão de um populismo penal tanto na política eleitoral, quanto nos jornais e programas de televisão brasileiros com o chamado “jornalismo pinga-sangue”, também contribuíram para a criação de um sentimento de insegurança coletiva em relação à suposta invasão das drogas na sociedade brasileira e, assim, justificando o endurecimento das leis de repressão.

Como resultado deste processo de aumento do encarceramento e da diversificação da composição carcerária, no Instituto Penal Cândido Mendes, surge a Falange Vermelha. Organização criada para reivindicação de melhores condições de vida no “Caldeirão do Diabo”, como era conhecido o presídio na Ilha Grande, Costa Verde do Rio de Janeiro. Contando com uma organização interna extremamente eficiente, a Falange criou um sistema de financiamento próprio chamado “Caixa Comum”, no qual aqueles que conseguiam fugir ou serem libertados financiavam com parte dos ganhos em roubos e sequestros uma espécie de serviço de assistência social aos companheiros presos e às suas famílias abandonadas pelo Estado, bem como auxiliando em novas fugas.

A organização da Falange Vermelha foi o resultado natural da intensificação da militarização promovida pelo Estado brasileiro nas décadas de 70 e 80. Sem a política de encarceramento e a ampliação do aparato de repressão, os negócios da Falange Vermelha baseados principalmente nos roubos a banco e joalherias jamais teriam prosperado. Com a reorganização do grupo como Comando Vermelho e sua migração para o tráfico de drogas e armas, a organização abandona sua proposta política rebelde e passa a visar prioritariamente o lucro, parasitando e corrompendo o Estado sem o qual seria impossível fazer toneladas de drogas e armas chegarem aos centros urbanos brasileiros. E principalmente, as grandes penitenciarias brasileiras passam a funcionar como o quartel-general desta facção, o local onde ela é melhor organizada, forma seus principais quadros dirigentes e opera de forma centralizada os negócios milionários, a gestão dos territórios e a corrupção do Estado.

Assim, a partir da década de 80, os pequenos grupos de varejo da época – amadores, descentralizados e sem caráter territorialista – deram lugar a grandes oligopólios, com poder centralizado em líderes influentes, estrutura verticalizada e profissional, que instalaram seus negócios nos grandes bolsões de pobreza das favelas e periferias da cidade, onde encontram vasta mão de obra por residir ali o grosso da força de trabalho sobressalente ao capitalismo dependente brasileiro. Ora, é claro que sem a proibição da produção e comércio de drogas por empresas legais, estas grandes empresas ilegais do varejo de drogas jamais prosperariam – a proibição deu aos grupos armados um monopólio. É certo também que sem o incremento da política de guerra, estes grupos jamais teriam construído pequenos exércitos e arsenais nas comunidades carentes e estabelecido uma sociabilidade própria nesses territórios, que parece paralela, mas é absolutamente funcional a ordem social burguesa e a organização da economia dependente brasileira. Esta última, também neste tema, cumpre papel subalterno na divisão internacional do trabalho, sendo a principal rota de escoamento de drogas da América Latina para a Europa. Um entreposto fundamental para este negócio bilionário que abastece países inteiros com toneladas de narcóticos, mas que tem muito menos atenção da mídia e das forças de segurança do Estado do que as atividades de varejo nas comunidades brasileiras.

O panorama político que se consolidou no pós-redemocratização contribuiu para que, neste processo de criação dos grandes monopólios das drogas, a pauta da segurança pública passasse a figurar frequentemente nos principais espaços da política nacional. O fisiologismo instaurado no parlamento a partir do presidencialismo de coalizão dialogou diretamente com o aumento da audiência sobre a violência urbana e a segurança pública, incorporando um determinado “populismo penal” à agenda pública nacional. A guerra às drogas foi o principal alvo deste tipo de política. Como resultado nas décadas de 90 e 2000 produziu-se mais legislação de combate às drogas do que em todo século XX [27].

O resultado direto do aumento dos aparelhos de repressão às drogas no âmbito jurídico foi um salto extraordinário na população carcerária. Entre 1990 e 2020 o número de presos cresceu 8 vezes (de 90 mil para 773 mil), sendo 33% destes em prisão preventiva. Neste contexto, destacamos a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) [28] que criou novos dispositivos para a repressão e aprofundaram a tragédia prisional do país. O art. 28 abriu um importante precedente ao atribuir ao juiz a avaliação final sobre o enquadramento do suspeito como usuário – que recebe sanções não penais como reeducação e prestação de serviços a comunidade – e o traficante – sujeito a até 15 anos de prisão.

Para fazer tal avaliação o juiz deveria se atentar “à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente” [30]. Ora, em um país onde a formação sócio-histórica criou um tipo de marginalidade que reúne em si características como cor da pele, local de moradia, precariedade social, etc., e que são elementos comuns até mesmo para os mecanismos de suspeição das polícias, basear tal tipo de sentença em critérios absolutamente subjetivos significou essencialmente dar mais um passo na direção do enegrecimento e da superlotação do sistema carcerário.

O resultado – além da trágica curva de crescimento da população carcerária – é uma composição absolutamente assimétrica em comparação com os crimes que compõem o código penal e são praticados no Brasil. 30% de todos os homens presos no Brasil foram enquadrados na Lei de drogas [31]. Quando consideramos que os crimes relacionados às leis de repressão às drogas correspondem a uma pequena parcela das mais de 300 tipificações existentes no Código Penal, fica claro que há um amplo processo de seletividade no sistema penal que pune a partir da necessidade de manutenção da ordem social vigente, e não a partir de preceitos de legalidade e constitucionalidade como entende o formalismo jurídico.

Este processo, entendido dentro do bojo maior de desenvolvimento do projeto neoliberal no país, cumpre um papel fundamental na ampliação dos aparatos de controle social das franjas marginais exercidos pelo aparelho de segurança pública. Aqui a fantasia formalista das polícias como garantidoras dos direitos e aplicadora das leis não existe. O que há na verdade é uma inversão, onde as casas legislativas e os tribunais atuam como forças auxiliares das forças de segurança, fornecendo garantias jurídicas para a repressão. Formando assim uma longa e complexa cadeia para o que entendemos como Segurança Pública, que vai desde o policial e o agente carcerário até juízes, promotores, deputados e senadores responsáveis pela aplicação da coerção violenta e da criação do consenso formal sobre ela, cada um em sua respectiva atividade. Sobre esta inversão o jurista soviético Eugeni Pachukanis nos dá a seguinte contribuição:

[…] Se observarmos a questão a partir desse ponto de vista, o tribunal penal é apenas um apêndice do aparato policial e investigativo. De fato, se os tribunais penais de Paris ficassem fechados por uns meses, só sofreriam com isso os criminosos presos. Mas se suas famosas brigadas policiais parassem de trabalhar por um dia que fosse, isso seria equivalente a uma catástrofe.

A jurisdição penal do Estado burguês é o terror de classe organizado, que difere apenas em grau das assim chamadas medidas de exceção, empregadas em momentos de guerra civil. [32]

Conclui-se então, que é o próprio Estado, por meio da sua política de segurança pública e seus aparatos penais construídos sobre a guerra as drogas, o responsável pelo terror cotidiano da violência urbana. Caso o objetivo fosse de fato acabar com as drogas no país a política de guerra teria se convertido em um completo fracasso. No entanto, o Estado continua ampliando seu contingente de agentes armados, aumentando seu poderio bélico e aperfeiçoando seus mecanismos de repressão via legislação e jurisprudências cada vez mais inclinadas ao incremento e execução do Código Penal. Neste sentido, ao passo que se amplia, esta política de segurança pública se retroalimenta.

Utilizando justamente o argumento do nível de militarização dos grupos armados de varejo, o Estado militariza-se mais. Difundindo pânico moral contra as franjas marginais de áreas dominadas pelo tráfico, ele intensifica sua guerra aos pobres. A partir da sensação de insegurança e impunidade – como já dito, inerentes à moral burguesa – se amplia o complexo penal do Estado. Os problemas que a própria política de guerra às drogas causou se tornam seu principal elemento de consenso e justificam o uso mais frequente e intenso da força.

A HEGEMONIA LIBERAL NO DEBATE DA SEGURANÇA PÚBLICA: DO ASSIMILACIONISMO ÀS PROPOSTAS DE REFORMA E DESMILITARIZAÇÃO

Gramsci, ao nos presentear com a noção de hegemonia, teve a atenção de perceber que a ordem social imposta por uma classe desde a ascensão de um estado integral em contraposição ao estado restrito do absolutismo nunca era baseada simplesmente na imposição, isto é, na dominação pura sobre o conjunto de classes subalternas. Antes, escreve Gramsci: “uma classe é dominante em dois modos, isto é, é ‘dirigente’ e ‘dominante’. É dirigente das classes aliadas, é dominante das classes adversárias” [33]. Esta direção sobre as classes aliadas é construída ainda no processo de ascensão de uma classe ao poder, se desdobrando como uma direção político-ideológica geral quando incide também sob o conjunto de classes dominadas, assim que a classe ascendente se torna dominante. Tal concepção de hegemonia político-cultural e de estado ampliado são preciosas à análise da segurança pública, uma vez que esta opera em ciclos de coerção e consenso que se retroalimentam e se autojustificam, como já tratado aqui nas seções anteriores.

Quando tratamos de uma hegemonia liberal nas discussões acerca da segurança pública, acabamos por correr o risco de cair no óbvio. Afinal, quando vivemos em uma ordem social burguesa, de vocação amplamente liberal, o que podemos esperar das discussões, sejam conservadoras ou reformistas, acerca justamente do primordial instituto de conservação da ordem social, a segurança pública? Mas para discutir e combater tal estado de coisas, é necessário ir além da concepção negativa que todo revolucionário deve ter acerca deste paradigma, bem como de todo estado burguês. É fundamental compreender como operam essas ideias nas diferentes frações políticas da dita “sociedade civil” e de que forma elas estão arraigadas no campo político da chamada “esquerda progressista”.

A ditadura empresarial-militar brasileira teve como orientação política central do seu aparelho repressivo a eliminação, física e organizacional, dos elementos revolucionários e nacionalistas radicais da vida política brasileira. A perseguição violenta contra o movimento camponês, a luta sindical, o movimento estudantil, as organizações da luta armada e os partidos de contestação da ordem, como o Partido Comunista Brasileiro, desconstruiu em grande parte o acúmulo histórico que o movimento popular havia adquirido durante toda primeira metade do século XX.

O resultado disso foi um amplo processo de desarticulação da classe trabalhadora, sucedido por um profundo vácuo político que passava paulatinamente a ser preenchido pela ascensão do Novo Sindicalismo, um movimento reoxigenado e que ganhava legitimidade popular cada vez mais sólida ao passo que a legitimidade da própria ditadura perecia em face do seu prolongamento e das contradições sociais que ela abafava. Junto do Novo Sindicalismo, nasce também uma nova esquerda composta por um conjunto de partidos, correntes e organizações sociais bastante difusas, herdeiras em certa medida de uma renovação do trabalhismo e profundamente críticas às experiências do Socialismo Real.

O nascimento dessas organizações deve ser compreendido no contexto mais amplo de crise mundial do Socialismo Real e de um processo revisionista generalizado, que ocorreu no seio do movimento operário europeu dando origem ao chamado “eurocomunismo”, e logo influenciou partidos e outras organizações de todo o mundo. Na América Latina, este processo aconteceria nos atos finais da política de golpes e ditaduras promovidos pelas classes dominantes e o imperialismo — que haviam vencido aqui o ciclo histórico da Guerra Fria, mesmo com a derrota em Cuba — e agora reorganizavam o Estado para a reposição das democracias formais, pré-moldadas para receberem a tsunami neoliberal que se avizinhava.

Estas novas organizações expressaram desde sua gênese uma ampla fidelidade às instituições democráticas que nasciam, e ainda que com certo grau de radicalidade combatessem as continuidades da ditadura militar no período de redemocratização, a profunda desigualdade social e a influência imperialista sofrida pelo Brasil o faziam sem nenhuma identidade com o socialismo real e com uma perspectiva social-democrata pouco clara. Não à toa, Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Democrático Trabalhista (PDT) garantiram registro eleitoral já na reabertura política de 1979, enquanto que os partidos declaradamente comunistas continuaram ilegais.

Na adaptação à forma política implementada pela Constituição de 1988, surge a necessidade de construir resultados eleitorais ambiciosos como tática para a construção das reformas no sentido de uma ampliação geral dos direitos, a qual constituía a estratégia principal dos social-democratas brasileiros. Entre as principais contradições encontradas por eles na tentativa de reforma do Estado burguês, os problemas causados pela violência urbana e pelas políticas de segurança pública se destacavam. Com o franco crescimento dos grupos armados do varejo de drogas nas principais comunidades e um aparato estatal de guerra cada vez mais sofisticado para combatê-los, a esquerda parlamentar se colocou no enfrentamento, no âmbito institucional, aos abusos impetrados pelos agentes do Estado contra comunidades carentes. Somente quando teve a oportunidade de efetivamente gerir a máquina estatal a partir do executivo de grandes cidades e estados, as contradições da política de segurança influenciaram decisivamente na atuação política das esquerdas.

A primeira experiência neste sentido, ainda durante o regime militar, foi o governo de Leonel Brizola (1983-1987) no Estado do Rio de Janeiro. Pautando-se por uma política de garantias de direitos individuais e de propriedade aos moradores de comunidade, Brizola suspendeu quase que por completo o modelo de operações policiais implementado durante todo o regime militar – de grande truculência, diga-se de passagem. A prioridade, segundo Carneiro, era “não recorrer a intervenções policiais nas áreas de favela”, já que não havia modelos legalmente viáveis de fazê-las e já que “não existia uma polícia comunitária pronta para a tarefa de policiar de forma permanente essas áreas”. Ao invés disso, o governo Brizola investiu fortemente na política de assistência social, na regularização fundiária e na referenciada política educação calcada sobre os Centros Integrados de Educação Pública (CIEP). Na opinião de especialistas da segurança pública fluminense como Leandro Piquet Carneiro, a não intervenção teria criado “uma série de ‘economias de escala’ para o crime’” [34].

A despeito das posições apologéticas de Piquet Carneiro acerca da necessidade fisiológica do Estado de reprimir as franjas marginais em nome da política de guerra as drogas, o que se verificou no Rio de Janeiro foi a consolidação do Comando Vermelho como o principal grupo armado atuando no varejo das drogas no Estado. Neste panorama, a conjuntura que levou Brizola a ser conhecido no senso comum como “defensor de bandidos” e a esquerda em geral como um grupo político incapaz de produzir uma política de segurança pública, não se resume a não repressão ao tráfico de drogas nas comunidades. Ao invés disso, é possível identificar dois erros fundamentais do governo trabalhista ao pensar sua política de segurança.

O primeiro foi a subestimação da capacidade dos aparelhos hegemônicos de mídia e da apologia punitiva generalizada nos diferentes espaços de formação político-ideológica da sociedade fluminense. Com o símbolo do criminoso já arraigado nas classes médias urbanas e a ofensiva do estado e das classes dominantes em manter as franjas marginais sob controle durante o rito de passagem – tutelado pelos militares – da ditadura para o místico estado democrático de direito, a disputa ideológica sobre o problema do crime, a representação imagética do criminoso e as formas republicanas de como tratar o problema foi um campo de batalha terrivelmente perdido pelas esquerdas.

O segundo foi de ordem estratégica. O experiente líder trabalhista não observou o fenômeno geral nas sociedades capitalistas ocidentais no final do século XX e, especificamente, no frágil período de redemocratização brasileira. Neste período buscavam-se criar novos inimigos internos, já que a guerra fria se encaminhava para seu desfecho e ter o “comunista” como inimigo da nação já não mobilizava os sentimentos estéticos e morais da população. O modelo democrático que nascia dependia da interseção entre as franjas marginais e a imagem do criminoso para estabelecer seus pontos de coesão e consenso. Apostar em um garantismo jurídico, sem fortalecimento de espaços de decisão e pressão popular acerca da questão da segurança, foi um caminho que estava desde o início fadado ao fracasso.

Ainda sobre o segundo ponto, Brizola foi a primeira liderança de esquerda a crer numa abordagem garantista e constitucional para a segurança pública. Ao passo que promovia uma política que alçava ao mesmo patamar (do ponto de vista do direito à propriedade) o morador de comunidade e o morador do asfalto, exigindo mandato judicial para a entrada da polícia nos barracos das favelas cariocas, ele buscou substituir as ações violentas das polícias nas favelas por investimentos na área da assistência social e da educação pública. Em certo momento, ao ser perguntado no que consistia sua política de segurança, o líder trabalhista disparou que sua política de segurança eram os CIEPs.

Esta abordagem reducionista e de orientação meritocrática, que determina que a criminalidade acontece devido à escassez de possibilidades de ascensão social para determinado grupo social marginalizado, acabou por se generalizar na esquerda institucional. Depois de Brizola, com o problema da violência urbana ainda não resolvido e a crescente monopolização da pauta pelos setores conservadores, a esquerda institucional se dividiu em dois grupos que se distinguem na forma, mas coincidem no conteúdo político de conservação das instituições da ordem social vigente.

O primeiro grupo pode ser categorizado como assimilacionista. Este opera os aparelhos do Estado a partir de mitos tecnocráticos ou simplesmente a partir da prática generalizada do lobby político parlamentar (quando o chefe do executivo troca cargos com partidos políticos presentes no parlamento em troca de apoio nas casas legislativas). Com relação ao primeiro elemento, o político da esquerda assimilacionista – assumindo o papel de mero gestor – reproduz o entendimento de que a segurança pública é uma área técnica e como tal deve ser gerida por um quadro técnico da área. Aqui a dimensão política da violência urbana e da intervenção do Estado desaparecem. O que fica são aspectos técnicos residuais da política de segurança, como a melhora na iluminação urbana para evitar roubos e furtos e a distribuição racional do policiamento a partir da análise de manchas criminais e outros instrumentos estatísticos. As políticas de repressão são, em geral, implementadas com maior ou menor rigor dependendo da orientação do quadro técnico responsável – que pode priorizar mais ações de inteligência do que confrontos diretos, por exemplo –, mas que assimilam, em essência, a política de segurança previamente estabelecida.

Durante os governos Lula da Silva (2003-2010), a política de segurança assimilacionista de esquerda se desenvolveu com a incorporação de quadros técnicos na Secretária Nacional de Segurança Pública, órgão do Ministério da Justiça, então comandado por Márcio Thomaz Bastos. O grande marco da Secretaria Nacional de Segurança no período (ocupada pelo reformista Luiz Eduardo Soares, um conhecido pesquisador da área, e Luiz Fernando Correa, ex-delegado da polícia federal) foi o aperfeiçoamento dos aparatos de repressão. A já citada Lei de Drogas de 2006 foi responsável pelo maior boom prisional da história brasileira, quando a população carcerária dobrou em apenas 10 anos (2005-2015) [35]. A formação da Força Nacional de Segurança [36] foi outro feito da política de repressão de Lula. Tropa de elite do governo federal, foi amplamente empregada no policiamento e ocupação de comunidades do Rio de Janeiro e de vários Estados do Nordeste, além de ser o principal corpo de repressão a rebeliões dos presídios federais.

O apoio às ocupações das favelas cariocas e à implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), com o empréstimo de tropas das forças armadas ao governo de Sérgio Cabral para auxiliar na transformação das comunidades em laboratórios de políticas de repressão, são mais alguns exemplos da assimilação aos projetos de segurança pública da moda, que por ventura surgem na política nacional. No governo Dilma Roussef, além da continuidade em relação às políticas anteriores, a criação da Lei antiterrorismo [37] abre um precedente importante para o enquadramento de organizações e grupos políticos antissistêmicos.

O segundo grupo teórico-político surgido na esquerda institucional diante do problema da segurança pública foram os reformistas. Orientados por uma concepção constitucionalista formal do direito e da segurança pública, este grupo construiu uma extensa crítica às políticas de repressão e ao aumento do escopo violador e estigmatizante do direito penal e sua aplicação como apêndice da política de segurança. Buscaram, em maior ou menor medida, incidir politicamente sobre o Estado a partir, principalmente, da participação em governos progressistas onde, acreditava-se, as reformas almejadas encontrariam maior poder de realização.

Entre esses, um quadro teórico e político bastante interessante é Luiz Eduardo Soares. Como já dito, ex-Secretário Nacional de Segurança Pública de Lula, rifado do governo ao tentar implementar a desvinculação das polícias militares do comando do Exército (mecanismo fundamental à desmilitarização das polícias), foi também secretário de segurança do Governo de Anthony Garotinho, entre outros cargos públicos que desempenhou. Calcou sua trajetória teórico-política na crítica da militarização do Estado e no combate as desigualdades criadas a partir da política de guerra às drogas. Sua produção teórica e atuação em diferentes governos o alçaram a posição de maior referência da esquerda institucional no campo da segurança pública e símbolo do movimento pela desmilitarização das polícias. Política amplamente difundida em vários setores de esquerda.

No que se refere à militarização, o autor trata do tema de forma meramente formal. Em seu recente livro “Desmilitarizar”, ele critica a organização das polícias militares, institucionalmente subordinadas aos comandos militares das forças armadas. Para ele, o modelo organizacional deve servir às “finalidades da instituição”, o que não existe na relação entre polícia e exército. Segundo Soares:

O exército destina-se a defender o território e soberania nacionais. Para cumprir essa função, precisa se organizar a fim de executar o “pronto emprego”, isto é, mobilizar grandes contingentes humanos e equipamentos com máxima presteza […] O pronto emprego requer centralização decisória, hierarquia rígida e estrutura fortemente verticalizada. […] Nada disso se verifica na Polícia Militar. Sua função é garantir os direitos dos cidadãos, prevenindo e reprimindo violações, recorrendo ao uso comedido e proporcional da força. Segurança é um bem público a ser oferecido universalmente e com equidade pelos profissionais encarregados de prestar este serviço a cidadania. [38]

Ora, após a longa reflexão acerca da função estrutural dos aparelhos de segurança do Estado que fizemos até aqui, a redução do problema gerado pela implementação das ações da polícia à mera incompatibilidade entre seu modelo organizacional e sua finalidade constitucional, nos parece mais um esvaziamento político dos problemas relacionados à atuação do Estado perante as franjas marginais da sociedade, do que uma solução concreta para o problema. Este formalismo excessivo recondiciona e legitima a atuação estatal ao tratar a violência urbana e a violência policial, em particular, como problemas de funcionamento de uma estrutura maior que cumpre uma função social essencial.

Além disso, há também uma abordagem culturalista ao analisar a truculência policial e sua relação histórica com a ditadura. Soares enxerga que a manutenção da estrutura militar nas polícias trouxe consigo uma determinada cultura institucional construída em diferentes períodos de maior repressão, por parte do estado às populações marginais – como a escravidão e o regime militar – e que acaba perpetuando vícios nas práticas das corporações. Porém, embora as heranças históricas devam ser levadas em conta (como veremos adiante), o autor não analisa as condições estruturais existentes hoje e que possibilitam que tais práticas se perpetuem. Em outras palavras, não percebe qual a função do terror estatal na democracia burguesa atual.

Neste ponto, vale a pena trazer a reflexão que a intelectual do direito e militante do movimento negro estadunidense Michelle Alexander faz em seu livro “A Nova Segregação: racismo e encarceramento em massa”. Segundo Alexander, mesmo após o amplo processo de reformas que colocaram fim na segregação que as Jim Crow impunham sobre a população negra estadunidense – e que atingiram os diferentes níveis do estado, desde instituições educacionais até os aparelhos de segurança pública –, as elites políticas e a classe dominante norte-americanas conseguiram, por meio da ampla ofensiva de guerra às drogas organizada por lá, recriar o sistema de castas sociais que colocaram novamente a população negra na posição de cidadãos de segunda classe [39]. E que nos dias de hoje – com uma organização industrial do encarceramento em massa que priva a liberdade de mais de dois milhões de pessoas – já não depende exclusivamente da justificativa ideológica da guerra às drogas para funcionar. Deve-se a isso também o crescente movimento de legalização da produção e do comércio das drogas em vários estados norte-americanos.

Em suma, basta olhar para a experiência capitalista central norte-americana e seu modelo democrático consolidado e considerado ideal para muitos intelectuais burgueses, para perceber que nada garante que reformas tópicas na estrutura organizacional das policiais – seja pela criação da polícia de ciclo único (como a que já existe nos EUA e matou George Floyd estrangulado em 2020), seja pela desmilitarização – podem garantir uma função diferente ao aparato de segurança que não seja reprimir as franjas populacionais marginalizadas.

Outro problema da obra de Luiz Eduardo Soares é o proeminente idealismo constitucional com o qual pensa a questão da segurança. Ao buscar aproximar a realidade concreta das polícias da descrição constitucional do que elas devem ser, o autor abandona a perspectiva crítica de análise do funcionamento do Estado e, embora identifique o abismo entre o “mundo ideal dos direitos” e a prática cotidiana das instituições, não consegue perceber que este abismo é funcional à ordem social estabelecida. Que o sistema econômico demanda tais incongruências. Que o estado de exceção é a forma real da democracia burguesa na periferia do capitalismo.

Porém, o ponto central a ser observado na narrativa do autor é uma suposta urgência política em promover tais reformas. Ele deixa claro em seu livro que:

[as reformas ajudam] a tornar as instituições mais eficientes e suscetíveis a respeitar seus profissionais e os cidadãos. Mas não garante que comportamentos e valores mudem. Muito menos tem como impactar o racismo estrutural ou reduzir as abissais desigualdades sociais. [40].

Para isso, concebe a construção das reformas necessárias para a diminuição da violência do Estado como um processo meramente institucional, construído do alto das estruturas de poder do estado para agraciar um conjunto de populações subalternas. Afinal, pela urgência, não se pode esperar que essas massas acumulem níveis de consciência suficiente para construir seus próprios métodos de resistência.

Por fim, é importante deixar claro que os marxistas não devem a priori se posicionar contrários às reformas tratadas por Luiz Eduardo Soares ou qualquer outro intelectual ou político do campo progressista. O que importa para nós é avaliar de que forma tais políticas podem impactar o status quo estabelecido, quais delas fazem sentido concreto na vida cotidiana das massas trabalhadoras e de que forma podemos superar a dimensão formalista e abstrata que elas têm, transformando-as em pontos de confluência para lutas maiores e mais radicais.

Ao contrário do que propõe Soares, a luta contra a violência do Estado deve sim estar imbricada em uma luta maior contra o racismo estrutural e as desigualdades sociais latentes da formação social brasileira. Principalmente no que diz respeito a tática de travá-las a partir de uma perspectiva meramente institucional, ocupando lugares operativos no estado para promovê-las, mostrou-se um enorme equívoco. Somente com a mobilização popular é possível enfraquecer as estruturas de poder do Estado. O poder popular organizado e presente nas ruas é o real contrapoder que coloca as instituições da repressão em cheque.

POLÍCIAS, GRUPOS ARMADOS, MILITARIZAÇÃO DOS TERRITÓRIOS E RELAÇÕES DE PODER

A conjuntura política atual demarca um dramático acirramento da luta de classes no Brasil. A ascensão de Jair Bolsonaro ao poder colocou em outro patamar os níveis de exploração e opressão sofridos pelo povo brasileiro. Com o aumento dramático no custo de vida, o processo generalizado de privatizações e aplicação implacável das contrarreformas aprovadas nos governos Dilma e Temer, a classe trabalhadora brasileira sofre com o aumento da miséria, desemprego e fome em todos os cantos do país. A pandemia do novo coronavírus aflorou de forma ainda mais clara o potencial fascista do governo, que deliberadamente sabotou todas as formas de amenizar o impacto da crise sanitária e salvar vidas. O resultado disso é o maior genocídio da história, enquanto escrevo este texto, já com mais de 500 mil pessoas mortas em pouco mais de 15 meses. O maior ciclo de descarte do excedente de mão de obra já visto por aqui.

Neste processo é prioridade dos governos garantir que a maior parte das franjas marginais, mais precarizadas e mais propensas a níveis maiores de radicalização, não se encontrem politicamente com o conjunto de forças populares. Para isso, aumentar os níveis de violência estatal no sentido de uma contrarrevolução preventiva é essencial.

Somente entre os meses de janeiro e maio do ano passado, o volume de operações policiais nas favelas cariocas cresceu 27,9% e a letalidade dessas operações foi 53% maior do que o mesmo período do ano anterior [41]. A contradição entre as políticas de distanciamento que o governador Wilson Witzel buscava implementar – em desacordo com a política bolsonarista – e o aumento dos massacres sistemáticos nas comunidades – em concordância com a política de segurança de Bolsonaro para os pobres – demonstrou que, apesar da discordância pontual entre os gestores da barbárie brasileira acerca de qual deveria ser a estratégia adotada frente a pandemia da COVID-19 no Brasil, o genocídio organizado contra as camadas mais de pauperizadas da população ainda constituía uma atividade essencial do Estado, com papéis econômicos e políticos a cumprir.

Diante desta terrível realidade, as organizações do movimento negro e de defesa dos direitos humanos do Rio se organizaram no sentido de garantir uma trégua na política genocida do estado durante a pandemia. O resultado dessa articulação foi a aprovação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 (ADPF das favelas) [42], decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que buscou colocar rédeas sobre a atuação policial durante a crise causada pela COVID-19. Ainda que a articulação dos movimentos populares com a luta institucional tenha surtido efeito e a ADPF tenha diminuído o número de operações e de mortes causadas pelo Estado no período, o genocídio e o clima de guerra urbana continuam presentes no cotidiano fluminense. A recente chacina do Jacarezinho, a ocupação ilegal do Complexo do Roseiral, em Belford Roxo, e os episódios de mortes por balas perdidas decorrentes de operações ilegais como o caso Kathlen Romeu, em junho de 2021, demonstram que as instituições da guerra às drogas não se furtam de agir na ilegalidade para manter o funcionamento da política de guerra. Isso deixa claro, mais uma vez, que o sistema jurídico funciona apenas como força auxiliar da política de segurança do Estado e não será com mudanças na legislação e na organização da polícia, ou com uma mera intervenção jurídica baseada na Constituição, que este sistema de lógica própria vai mudar substancialmente sua atividade.

Ainda sobre a persistência da violência estatal mesmo após a intervenção do STF, é importante compreender que os limites entre legalidade e ilegalidade na atuação policial na repressão política e social remontam o século XX e a atuação dos Esquadrões da Morte. No artigo do professor e militante comunista Thiago Sardinha publicado pela Revista Opera, a formação destes esquadrões é discutida dentro de um escopo mais amplo que envolve as disputas imperialistas no chamado terceiro mundo, os desdobramentos da Guerra Fria e da ditadura empresarial-militar no Brasil, e o processo de formação dos grupos de elite das polícias militares e civis nos Estados brasileiros [43].

Segundo Sardinha, a Doutrina de Guerra Revolucionária e as Doutrina de Defesa Nacional foram desenvolvidas pelos militares franceses e estadunidenses, respectivamente, na tentativa de construir ações de guerra irregular voltadas para a sabotagem e a disseminação do terror como forma de impedir a disseminação das ideias revolucionarias nas massas das colônias e outras áreas de influência das potências imperialistas na Guerra Fria. Estas doutrinas serão propagadas nas polícias políticas e outras estruturas militares e de segurança pública do Estado brasileiro durante boa parte da segunda metade do século XX, primeiro servindo como base para o combate aos inimigos da ditadura, depois se tornando o principal método de controle social das massas marginalizadas da década de 80 em diante [44].

Os Esquadrões da Morte funcionaram, em um primeiro momento, como facções paramilitares compostas por policiais e outros agentes do Estado engajados na repressão política durante a ditadura. Mais tarde estas organizações, já totalmente incorporadas institucionalmente ao aparato de repressão do Estado, se desdobram tanto em destacamentos armados do Estado (como os grupos de elite das policias como o BOPE, no Rio, e a ROTA, em São Paulo), quanto em grupos de extermínios voltados ao domínio territorial e a práticas de extorsão e de contravenção como o jogo do bicho [45].

Tais elementos da história recente das polícias e das facções policiais contribuem centralmente para a construção da prática policial que existe hoje. Porém, é preciso compreender com clareza que estas reminiscências na “cultura institucional” das corporações policiais e nos grupos paramilitares não são as principais causas da violência policial como defende Luiz Eduardo Soares [46]. São, antes de tudo, elementos da composição histórica de organizações que hoje cumprem papéis relativamente diferentes do passado. Organizações que atualmente têm a abstração jurídico-política da guerra às drogas como principal bandeira ideológica, escamoteando um processo sistemático de encarceramento e genocídio contra populações instáveis e potencialmente perigosas à ordem social.

Esta absorção, por parte das instituições do Estado e das organizações, da política de guerra às drogas como conteúdo político aglutinador da repressão às massas no período de redemocratização – substituindo o subversivo pelo criminoso urbano comum como o principal inimigo da ordem social – possibilitou a ascensão de uma ampla fauna de grupos armados de controle territorial que, seja na prática de suas próprias atividades econômicas, seja como braços armados de elites locais, usaram como justificativa para seu domínio territorial o combate às drogas e a defesa da pureza moral dos moradores contra os traficantes.

A ascensão das milícias entre estes grupos é o mais notório. Organizadas por agentes do Estado com a justificativa de defender territórios da invasão de grupos armados do varejo das drogas, as milícias prosperaram rapidamente em seus negócios de pilhagem dos territórios dominados, que vão desde a extorsão de comerciantes e moradores locais (a famosa taxa de segurança), até investimentos em empresas ilegais de construção civil, extração de minérios e até tratamento de lixo. As milícias logo se tornaram também os principais grupos armados do Estado do Rio em extensão do domínio territorial, dominando até 57,5% do território da capital fluminense, superando em quase três vezes o território das três facções do varejo das drogas juntas [47].

Por fim, fica clara a ideia de que o crime organizado criou um poder paralelo nas cidades é terrivelmente falsa. Ora, a realidade das milícias e das facções do varejo das drogas hoje não deve ser compreendida fora do exercício de poder do Estado frente à necessidade ainda maior de conter as massas marginalizadas em amplos processos de militarização da vida social. A dedicação destes grupos armados ao domínio territorial, de caráter não só econômico, mas também político-ideológico, “são expressões da militarização das cidades para além da ‘esfera de políticas públicas’” [48]. Ou seja, o fenômeno da militarização da sociedade pelo Estado, nos tempos de degeneração do tecido social causado por uma economia de crise permanente criada pelo neoliberalismo nos países subdesenvolvidos, ultrapassou as fronteiras do próprio estado e se instalou no seio da “sociedade civil”.

REFORMA OU REVOLUÇÃO? A TAREFA DOS REVOLUCIONÁRIOS NA CONSTRUÇÃO DE UM CONTRAPODER

Ao final desta extensa – porém, ainda preliminar – reflexão acerca da função estrutural do Estado e seus aparelhos de segurança pública na manutenção da nossa ordem social, fica claro que ainda engatinhamos em termos de compreensão e ação política no que se refere à violência organizada do Estado em nome do combate às drogas e à violência urbana. A segurança pública é a forma mais concreta da dominação burguesa sobre a classe trabalhadora no Brasil. A cada operação policial nas comunidades carentes das grandes cidades, a cada ataque a assentamentos sem terra, a cada reintegração de posse violenta em ocupações de trabalhadores sem teto, a cada prisão e a cada massacre que ocorre nas cadeias brasileiras, a cada chacina operada pela polícia nas favelas e periferias o que se reafirma é um poder contrarrevolucionário preventivo do Estado contra a classe trabalhadora superexplorada. Uma vez compreendida a questão, parafraseio Fanon ao citar Marx, “pretende-se que o caso está encerrado”. Mas como então, consciente do genocídio que se opera cotidianamente apenas para a manutenção da exploração, deixar de ouvir novamente, “desorganizando o andamento da História”, esta voz: “O problema não é mais conhecer o mundo, mas transformá-lo”. [49]

Ainda que seja um problema estrutural do capitalismo dependente brasileiro, a dimensão da segurança pública tem efeitos estratégicos na luta de classes hoje. Este poder, além de matar e prender anualmente dezenas de milhares de brasileiros constrói uma gigantesca rede de controle social por meio da militarização da vida social, tornando ainda mais difícil organizar as massas trabalhadoras.

Neste sentido, a luta parlamentar por reformas se faz necessária. É essencial aproveitar os espaços políticos institucionais ainda ocupados pelas esquerdas como instrumentos para travar pequenas batalhas contra o avanço da militarização do Estado (como a recente tentativa da aprovação do Excludente de Ilicitude [50]), e pela garantia de direitos fundamentais das populações periféricas (como a articulação da ADPF das Favelas). Porém, devem estar articuladas às lutas populares de massa para terem efetividade e concretude na luta de classes.

Rosa Luxemburgo ao se engajar no embate contra o oportunismo social-democrata alemão representado principalmente por Eduard Bernstein no livro “Reforma ou Revolução” [51], lembrou que, embora a suposta construção do socialismo por meio das reformas fosse, na verdade, o abandono do método científico e da perspectiva de tomada de poder político pelos trabalhadores, a luta pelas reformas em si não significava uma capitulação da classe e de suas direções políticas às estruturas democráticas da burguesia. Ao contrário, Luxemburgo compreendia a luta pelas reformas como parte da luta concreta e cotidiana por melhores condições de vida. Porém, estas lutas fundamentais deveriam estar complexamente articuladas com a base do movimento, serem objeto de agitação e propaganda política e produzirem no conjunto da classe trabalhadora um processo pedagógico de conhecimento e construção de um contrapoder.

Este movimento dialético entre a luta pelas melhora das condições de vida e a construção de um projeto de poder maior deve ser a base da política de segurança pública das organizações revolucionárias.

Ora, se abolíssemos todas as polícias e destacamentos armados do Estado hoje, não teríamos um dia sequer de sociedade desmilitarizada. Amanhã, antes do pôr do sol, todos os departamentos do Estado estariam saqueados, não pelas massas trabalhadoras, mas pelos grupos paramilitares particulares, pelas organizações fascistas armadas, pelos grupos armados urbanos e rurais. E a partir destes grupos, o regime de militarização continuaria reproduzindo quase que integralmente a ordem social estabelecida, com consequências ainda mais violentas contra a classe trabalhadora.

Ao contrário, se por meio de um amplo processo de lutas populares articuladas com incidências parlamentares que garantissem as condições mínimas de sobrevivência e de liberdade política para a construção de um grande movimento de massas, os trabalhadores alcançassem elevados níveis organizativos e de consciência, poderiam, por suas próprias mãos, colocar a polícia burguesa abaixo e construir, por suas próprias mãos e verdadeira organização do povo em armas.

Por isso as lutas cotidianas contra prisões e assassinatos nas comunidades devem estar conectadas com bandeiras históricas dos movimentos contra a violência estatal, como a desmilitarização do Estado, o abolicionismo penal e o fim das polícias. Por meio da busca por parte das organizações revolucionárias para encontrar as frações marginalizadas que já se aquilombam historicamente para defender suas vidas e de seus companheiros em um processo de luta incansável e invisível, podemos construir sob essas bandeiras os pontos centrais de destruição da legitimidade do Estado burguês, passo fundamental na consciência revolucionária das massas.

Por fim, a tarefa dos revolucionários é articular a luta contra o conjunto de opressões e violências exercidas pelo Estado capitalista sobre a classe trabalhadora cotidianamente com a luta geral contra a exploração do homem pelo homem. No atual processo de reconfiguração do capital, vidas humanas serão metabolizadas pelo sistema para a reconstrução dos patamares de lucro obtidos em tempos de desenvolvimento. Este capitalismo que hoje aprisiona milhões de pessoas em verdadeiros campos de concentração, que causa enormes crises migratórias e necessita de processos globais de assassinatos em massa para continuar seu processo de pilhagem contra nações e povos inteiros, criou contradições fundamentais, rachaduras em seu consenso político, e que devem ser entendidas como pontos de inflexão pra construção da contra-hegemonia necessária para o processo de revoluções globais que pode salvar a humanidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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14. MOURA, Clóvis. Escravismo, colonialismo, imperialismo e racismo. Afro-Ásia, Salvador, n.14, p. 124-137, 1983.

15. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2011.

16. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, Brasília, DF, 31 out. 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/25814-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-11-8-e-taxa-de-subutilizacao-e-24-0-no-trimestre-encerrado-em-setembro-de-2019#:~:text=PNAD%20Cont%C3%Adnua%3A%20taxa%20de%20desocupa%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20de%2011%2C8%25,encerrado%20em%20setembro%20de%202019. Acesso em: 29 jun. 2021.

17. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Violência e Desigualdade Racial no Brasil. 2020. 1 infográfico. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/11/infografico-violncia-desigualdade-racial-2020-v6.pdf. Acesso em: 4 jul. 2021.

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19. HALL, Stuart et al. Policing the crisis: mugging, the state and law and order. 2nd. ed. Basingstoke: Palgrave Macmillian, 2013.

20. BRASIL. Decreto-Lei nº 891, de novembro de 1938. Aprova a Lei de fiscalização de entorpecentes. Diário Oficial da União: seção 1, Rio de Janeiro, p. 23843, 28 nov. 1938. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/110787/lei-de-fiscalizacao-de-entorpecentes-decreto-lei-891-38. Acesso em: 03 jun. 2021.

21. ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. São Paulo: Intrínseca, 2019.

22. BRASIL. Lei nº 314, de 13 de março de 1967. Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem social e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 2993, 13 mar. 1967. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-314-13-marco-1967-366980-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 13 jun. 2021.

23. BRASIL. Decreto-Lei nº 753, de 11 de agosto de 1969. Dispõe sobre a fiscalização de laboratórios que produzam ou manipulem substâncias ou produtos entorpecentes e seus equiparados, de firmas distribuidoras ou depositárias das referidas substâncias, distribuição de amostras desses produtos e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília DF, 12 ago. 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0753.htm#:~:text=1%C2%BA%20As%20empr%C3%AAsas%20industriais%20que,Par%C3%A1grafo%20%C3%BAnico. Acesso em: 07 jul. 2021.

24. SOUBHIA, Fernando Antunes. Indicadores demográficos se correlacionam com índices prisionais? Consultor Jurídico, 22 dez. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-dez-22/indicadores-demograficos-correlacionam-indices-prisionais. Acesso em: 01 jun. 2021.

25. BRASIL. Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976. Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 out. 1976. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6368.htm. Acesso em: 25 jun. 2021.

26. CARVALHO, Jonatas C. de. Uma história política da criminalização das drogas no Brasil: a construção de uma política nacional. In: SEMANA DE HISTÓRIA POLÍTICA. 6., 2011, Rio de Janeiro. Anais […] Rio de Janeiro: UERJ, 2011. p. 819-833.

27. Idem.

28. BRASIL. Lei nº 11.343, de 12 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para a prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para a repressão à produção e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 ago. 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 07 jul. 2021.

29. SOUBHIA, 2020.

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36. BRASIL. Decreto nº 5.289, de novembro de 2004. Disciplina a organização e o funcionamento da administração federal, para desenvolvimento do programa de cooperação federativa denominado Força Nacional Pública, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 nov. 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5289.htm. Acesso em: 19 jun. 2021.

37. BRASIL. Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, Regulamenta o disposto no inciso XLII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista; e altera as Leis nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, e 12.850, de 2 de agosto de 2013. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13260.htm. Acesso em: 07 jul. 2021.

38. SOARES, Luiz Eduardo. Desmilitarizar. São Paulo: Boitempo, 2019. p. 62, grifo nosso.

39. ALEXANDER, Michelle. A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2018. p. 83.

40. SOARES, 2019, p. 63.

41. REDE OBSERVATÓRIOS DA SEGURANÇA. Operações policiais no RJ durante a pandemia: frequentes e ainda mais letais, 20 maio 2020. Disponível em: http://observatorioseguranca.com.br/wp-content/uploads/2020/05/Operac%CC%A7o%CC%83es-policiais-no-RJ-durante-a-pandemia.pdf. Acesso em: 03 jun. 2020.

42. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 – Rio de Janeiro. Ementa: Constitucional. Medida Cautelar em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Omissão estrutural do poder público na adoção de medidas para a redução da letalidade policial. Violação de direitos humanos. Necessidade de interpretação de dispositivos constitucionais. Conhecimento da arguição. Limitações legais para o deferimento de medida cautelar em sede de omissão inconstitucional. Independência e auditabilidade das perícias do estado. Protocolo de Minnesota. Limitações constitucionais às operações policiais nas proximidade de escolas. Direito das crianças e adolescentes. Absoluta prioridade. Função do controle externo do ministério público. Dever de investigar em casos de suspeita de ilícitos praticados por agentes de segurança pública. Medida cautelar parcialmente deferida. Relator: Min. Edson Fachin, 21 out. 2020. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5816502. Acesso em: 07 jul. 2021.

43. SARDINHA, Thiago. Imperialismo e grupos armados no Brasil. Revista Opera, [s.l.], 7 maio 2021. Disponível em: https://revistaopera.com.br/2021/05/07/imperialismo-e-grupos-armados-no-brasil/. Acesso em: 06 jul. 2021.

44. Idem.

45. Idem.

46. SOARES, 2019, p. 62.

47. REDE DE OBSERVATÓRIO DE SEGURANÇA. Estudo mostra expansão das milícias, que já dominam área maior que a de todas as facções do tráfico juntas, 19 out. 2020. Disponível em: http://observatorioseguranca.com.br/estudo-mostra-expansao-das-milicias-que-ja-dominam-area-maior-que-a-de-todas-as-faccoes-do-trafico-juntas/. Acesso em: 07 jul. 2021.

48. SARDINHA, Thiago. O colapso social e a militarização nas cidades. Revista Opera, [s.l.], 31 jul. 2020. Disponível em: https://revistaopera.com.br/2020/07/31/o-colapso-social-e-a-militarizacao-das-cidades/. Acesso em: 6 jul. 2021.

49. FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 33.

50. BRASIL. Câmara dos Deputados. Entenda o conceito de excludente de ilicitude, 23 set. 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/589060-ENTENDA-O-CONCEITO-DE-EXCLUDENTE-DE-ILICITUDE. Acesso em: 05 jul. 2021.

51. LUXEMBURGO, Rosa. Social reform or revolution. London: Militant Publications, 1986.