Cuidado com o vão entre a realidade e a retórica

imagemFoto: PCB-RS

H. Suricatto

Neste 7 de setembro de 2021, ocorreu um fato que pode explicar bastante como as táticas das esquerdas estão colocadas em prática.

I

Em Porto Alegre, a concentração estava prevista para o Parque Farroupilha, conhecido mais como Parque da Redenção. Já era de pleno conhecimento dos organizadores que haveria chuva quase o dia inteiro. E que também os bolsonaristas estariam realizando uma outra manifestação, no parque Moinhos de Vento, o “Parcão”. Pois bem, foi na manhã do dia do ato que as centrais sindicais, notoriamente a CUT, se valeram do seu peso de mobilização para mudar o local de concentração para um viaduto próximo à UFRGS, conhecida popularmente como a ponte do Brooklyn. A justificativa estava na questão da chuva, e por isso era necessário manter o ato parado, simbólico.

Mas sabemos muito bem que, por todo o contexto da conjuntura imediata, sair para as ruas em marcha era obrigação que aqueles que se autoproclamam antibolsonaristas deveriam fazer. Se é mais tolerável que independentes não saiam às ruas por motivos mais banais como a chuva, o mesmo não se pode dizer das forças sindicais petistas e amarelas, as quais, não raro, já enfrentaram chuvas e climas mais adversos por muito menos, ou em comícios de seus políticos favoritos. Fora que os bolsonaristas, a alguns quilômetros dali, estavam sob chuva também, dentro de seu delírio, plenamente convictos.

Foi sob pressão da esquerda classista, do PCB em conjunto com outras forças da esquerda combativa, que se tomou a iniciativa de marchar pela Loureiro (uma avenida de Porto Alegre) em direção ao largo Zumbi dos Palmares, conseguindo realizar um modesto trajeto a passar pela Cidade Baixa.

Era obrigação mínima dos comunistas saírem às ruas neste 7 de Setembro e não entregá-las para livre atuação dos golpistas, dessa massa que em sua grande maioria são de reacionários incorrigíveis, que só encontram coerência – nas suas mais difusas pautas do momento com quase nenhum lastro na realidade – em nos odiar e nos temer. Como boa parte destes bolsonaristas apenas consomem “notícias” produzidas por eles mesmos e voltadas para eles mesmos para manter unidade e coesão, dificilmente chegará aos seus ouvidos o fato de os comunistas terem conseguido protagonismo nas ruas porto-alegrenses neste feriado. Isso não se trata de um frágil ufanismo, mas sim de uma inexorável constatação, que nem a chuva forte foi capaz de dispersar. Quem esteve lá pode reafirmar tal constatação e nós merecemos reconhecer o nosso próprio mérito.

II

Mas a questão não se encerra por aí. Estamos testemunhando mais e mais vacilações daqueles que na esquerda têm poder de fogo para erguer uma resistência ao governo Bolsonaro/Mourão que passe da defesa da posição ao movimento de ataque. Se aquela turma de petistas tem convicção suficiente para pagar outdoors em defesa de Lula, a montar bancas com calendário religiosos toda semana na Esquina Democrática e espalhar por toda POA e região metropolitana ações em prol do seu líder máximo, por que esses defensores da democracia não estiveram lá em peso nas ruas?

Claro que aqui faço uma provocação. Essa mesma provocação é estendida às regionais gaúchas das centrais sindicais, que falham de forma miserável e consequente até certo ponto, tanto para colocar suas bases em mobilização, não somente para atos, mas diretamente em seus locais de trabalho, na defesa dos direitos e no combate ao desemprego, ao arrocho salarial em forma de inflação, quanto para o combate às privatizações na frente estadual e municipal levadas a cabo por Eduardo Leite e Sebastião Melo. Se se comportam assim num ato de rua, imaginam em assembleias e greves.

III

Quando escrevi NUNCA SAÍMOS DAS RUAS! em junho, no início das mobilizações de massa deste ano contra Bolsonaro, lembrava ao nosso partido e aqueles que nos acompanham que manifestações de rua são apenas consequência de um trabalho prévio nas bases que desejamos mobilizar, que vai muito além da agitação para tais atos. Trata-se de realizar e manter sólidos trabalhos de base em toda a esfera da vida social, desde os mais estratégicos locais de trabalho, estudo e moradia, quanto na propaganda sutil que cada militante suficientemente instruído, provado na luta de classes, formado e com suficientemente clareza de nossa linha política e não alienado sobre os fatos da conjuntura e seus desdobramentos possa fazer, exercendo influência – aberta e sutil – sobre os círculos de seu convívio pessoal ou mesmo em abordagem cotidiana com os populares. Coisa, aliás, que consegui fazer com dois bolsonaristas regressando da manifestação deles.

IV

Não seria exagero afirmar que nossa militância, em todo o Brasil, teve a coragem que faltou em muitas forças de esquerda. Mas apenas esta coragem e heroísmo, sem retomar o capital político necessário para massificar novamente os atos contra o governo para dar uma resposta pronta à mobilização golpista, será em vão. Sabemos disso pois sozinhos não vamos derrotar este governo; por isso os problemas da esquerda na atual conjuntura são também os nossos problemas. Ter clareza desse impasse é o que deve nortear as nossas formulações teóricas com lastro na realidade. Para além disso, merece se desenvolver com mais profundidade a questão das centrais sindicais, aliada a uma breve, mas rigorosa crítica ao seu papel para além das óbvias constatações de pelegas. Para que possamos ter clareza de nossas tarefas frente à inércia daqueles que deveriam ser as principais entidades de representação dos trabalhadores.

O aumento geral dos preços dos alimentos e das contas, com perspectiva real de apagão, o desemprego e a informalidade em alta e o aumento da violência e da barbárie são motivos de sobra para saber o que explorar e como mobilizar a nossa classe. Mas, para isso, precisamos novamente nos mobilizar de forma científica, com as tarefas bem divididas e bem executadas, nas pequenas e nas grandes coisas, para transformar a potência daquelas mobilizações nas ações cotidianas do trabalho de base.

Recordemos sempre do compromisso que assumimos perante nossa classe. Foi essa recordação que nos fez sair às ruas neste Sete de Setembro e, tenho certeza, que nos fará prosseguir, sem que nos amedrontem as pilhas de girados a sair em fotos verde-amarelas. Não vamos esperar 2022, manteremos nossa coerência. Mas é mais que urgente também não deixar para 2022 os impasses de nossa classe, sob risco dessa derrota chegar em nossas casas. Coração quente, cabeça fria e mãos limpas.

Porto Alegre – 7 de Setembro de 2021

H. Suricatto, militante do PCB

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