Destruição de direitos e ampliação da miséria

imagemImagem: Agência Brasil

Por João Rafael

O fim do bolsa-família faz parte de um movimento geral de retrocessos de direitos que alguns/mas intelectuais vão chamar de contrarreformas. E isso afeta diretamente a classe trabalhadora em todas as suas frações e é intensificado entre as classes subalternas. Veja.

O cerne da questão encontra-se na Emenda Constitucional nº 95 que congela o investimento em políticas públicas por 20 anos. Essa política fiscal inédita no mundo vai exigir desdobramentos de um conjunto de ações ao longo dos anos no sentido de garantir o tal do “teto de gastos” (que em última instância é garantir o deslocamento do fundo público para o fundo privado de banqueiros e credores da dívida pública).

Essas ações estão sendo sentidas na saúde, antes e durante a pandemia: antes da pandemia as vacinas já estavam em falta, como poliomielite (paralisia infantil), tetra viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela) e pentavalente (difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e contra a bactéria haemophilus influenza tipo b). E doenças que estavam aparentemente erradicadas têm retornado. Quem é o público mais afetado? Os mais pobres! E não serei repetitivo aqui para dizer o que está ocorrendo durante a pandemia com a própria vacina contra a covid-19. O negacionismo é sintoma do neoliberalismo.

Na previdência, as mudanças desencadeadas após a contrarreforma são sensíveis: um desmonte dos serviços e potencialização da lógica biomédica em detrimento da determinação social dos processos saúde-doença (inclusive, com tentativa pública de acabar com o Serviço Social na previdência). E aqui o prejuízo é tanto para quem tem ocupação formal, que vai enfrentar dificuldades de acesso aos diferentes seguros e auxílios que lhe são de direitos, tais como o auxílio-doença, o seguro desemprego e o auxílio-reclusão, quanto para quem não tem ocupação formal, em especial as pessoas com deficiência e idosos, que terão muita dificuldade para acessar o Benefício de Prestação Continuada, que não é um benefício da previdência, e sim da assistência, mas tem na previdência a sua operacionalização.

A precarização é tão grande na previdência que tem empurrado os trabalhadores formais e informais a procurarem orientação nos Centros de Referência de Assistência Social, como preenchimento de guias de contribuições sociais e até para a realização de cadastro e com isso tentar acessar algum benefício. Algo que deveria ser feito por profissionais especializados na própria previdência, enquanto parte de suas funções de orientação sobre os direitos previdenciários e também assistencial, em específico o LOAS. Ou pior: tem também empurrado os trabalhadores, principalmente os formais, a contratarem serviços intermediários, em especial advogados e mais recentemente até assistentes sociais.

Para fechar o tripé formal da seguridade social, tem a própria assistência social, que é a política em que se situava o agora formalmente extinto Programa Bolsa Família. No âmbito da política de assistência social, não se trata apenas do fim do Bolsa Família. Não é uma mera mudança de nome, como algumas pessoas têm sugerido também. Em junho deste ano, ocorreram mudanças que vão dificultar o acesso dos mais pobres ao Benefício de Prestação Continuada (o BPC, erroneamente conhecido como LOAS; a LOAS que na real significa Lei Orgânica de Assistência Social). Destaco aqui o aumento de critério para acesso ao benefício, a alteração na renda, além da já comentada inversão na lógica da avaliação, agora ainda mais focada na perspectiva biomédica.

É nesse emaranhado de ações em decorrência de uma escolha política-econômica que se situa o fim do Bolsa Família. E como bons liberais-fascistinhas que são Bolsonaro, Mourão, Guedes e todo esse governo também se utilizam para se promover eleitoralmente, na medida em que anunciam a possibilidade de aumento do valor da transferência de renda. E é aqui que se situa o fim do Bolsa Família, e não apenas uma mudança de nome do programa de transferência de renda. Veja.
Intensificação da focalização na extrema pobreza. Antes quem era considerado na linha da pobreza poderia receber, agora apenas se tiver membros com menos de 21 anos ou gestantes.

Há mudanças nos critérios de acesso. Se antes os critérios eram exclusivamente objetivos (renda x, benefício y, idade x, benefício y), agora são também subjetivos e meritocráticos (vide os tais Auxílio Esporte Escolar e a Bolsa de Iniciação Científica Júnior). A preocupação não é o combate à pobreza em si. Há questões claramente ideológicas.
O valor de R$ 400 é temporário e vinculado a um calote, principalmente à educação. Daí o seu uso eleitoreiro. Se para a aprovação do segundo lote do auxílio emergencial o governo realizou uma chantagem com a PEC 186/2019, chamada de PEC emergencial, agora ele vincula novamente a aprovação de um auxílio a outra PEC. No caso, me refiro à PEC dos Precatórios.

O auxílio Brasil faz parte das ações necessárias para atender a política fiscal expressa na EC 95, que é a grande ação da burguesia do momento histórico que vivenciamos. E para finalizar: todas essas ações seguem por fora do controle democrático. Não há qualquer diálogo com os conselhos de direitos e de políticas, conselhos profissionais e setores defensores das políticas públicas.

O desafio que tá colocado é até quando a gente vai deixar ser pautado pelas necessidades de acumulação e valorização do capital? Até quando a gente vai estar na defensiva, meramente reagindo, realizando campanhas institucionais como “auxílio sim, calote não”?
Até quando a gente vai deixar de politizar o debate no nosso dia a dia, nas ruas, nas praças?
Até quando a gente vai deixar de apontar os problemas reais e concretos da EC 95?

Pela revogação da Emenda do Teto de Gastos (EC 95) e das contrarreformas trabalhista e previdenciária!
Rejeição completa da Reforma Administrativa. Não à destruição dos serviços públicos!
Em defesa do SUS 100% estatal, público, universal, gratuito e de qualidade!
Por estabilidade no emprego, com salário integral, direitos e garantias a todos os trabalhadores e trabalhadoras!

João Rafael é assistente social e militante da célula de direitos humanos do PCB Rio.

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