Marighella, a esquerda e o sentido da revolução

imagemPor Milton Pinheiro

JORNAL O MOMENTO – PCB da Bahia

A crise brasileira tem alertado o conjunto das forças políticas de esquerda sobre o sentido das jornadas de combates que devem se desenvolver na atual quadra histórica. No cenário desvelado, estão as contendas que emergem das lutas de classes e colocam diversos impasses que precisam ser superados, para que possamos avançar no enfrentamento à ordem do capital em nossa particularidade. Não obstante, as lutas corporativas, por direitos e por liberdades democráticas, abrem a necessidade de examinar o sentido da transformação que deve pautar nossa luta e organização.

O quadro alarmante da conjuntura brasileira está configurado pela lógica política do governo Bolsonaro. Existe um procedimento de gestão que evidencia-se no ordenamento do caos controlado, que opera a destruição dos serviços públicos, que se efetiva no golpe por dentro das instituições, que privatiza o Estado, que organiza a presença de hordas neofascistas na animação do projeto de ruptura, que se alimenta do obscurantismo e do negacionismo presentes na cultura da violência social contra os pobres, pretos, periféricos e todos os segmentos atingidos pela lógica das opressões da sociabilidade capitalista.

Mesmo com as mais diversas contradições, as frações da burguesia interna encontraram seu ponto de unidade através da perspectiva de radicalizar as contrarreformas, operadas por Bolsonaro e pelo Centrão, para colocar o Estado brasileiro e seus serviços dentro das suas variadas carteiras de negócios. Mesmo que o projeto eleitoral dessas frações ainda não tenha encontrado uma unidade férrea, o Governo Bolsonaro é completamente funcional aos interesses da burguesia brasileira e do consórcio internacional que ela integra.

Em contraponto ao projeto burguês, no campo da esquerda brasileira algumas questões fundamentais ainda não encontraram solução na práxis. O tempo histórico exige a reorganização da classe trabalhadora com efetiva centralidade em um programa de luta, sabendo que, para isso, é fundamental um projeto estratégico com capacidade de mobilização tática e trabalho de base. A unidade de ação precisa de uma maior qualificação, no sentido da construção de um programa anticapitalista e anti-imperialista que possa colocar a classe em movimento e possibilite uma profunda alteração na correlação de forças.

Alguns movimentos no campo da unidade devem ser operados. Primeiro, uma articulação consistente entre centrais sindicais-movimentos-juventude-periferia na organização de uma poderosa greve nacional. Essa greve deve parar a circulação, a produção e os serviços públicos. Segundo, fortalecer o Fórum Sindical, Popular e de Juventudes como um instrumento inovador e consequente, que deve construir uma unidade importante na perspectiva de um terceiro movimento – que seria a operação do ENCLAT (Encontro Nacional da Classe Trabalhadora), para que possamos dar um salto de qualidade na construção da frente anticapitalista e anti-imperialista como um poderoso instrumento da esquerda brasileira na constituição do seu projeto de enfrentamento à ordem do capital.

Para além desses movimentos, devemos enfrentar as ações e projetos divisionistas de forças políticas, que operam no campo dos hegemonismos burocráticos, da conduta autoproclamatória e da lógica irresponsável de agir como o braço esquerdo da direita entre nós, quando, por exemplo, atacam Cuba e nações que lutam contra o imperialismo.

Essas contradições da crise brasileira e os impasses na esquerda abrem um cenário para que possamos refletir em torno de uma questão: é necessário não ter medo de ser radical. Nessa chave para a ação, destaque-se o debate sobre o sentido da revolução.

Na ordem das incapacidades de resolução dos problemas da classe trabalhadora e do povo brasileiro, um segmento neofascista apresentou-se como polo antissistêmico e pseudo-radical. Esse agrupamento, difuso, conseguiu materializar o sentido da luta política para um contingente expressivo da população brasileira e elegeu o agitador fascista Jair Bolsonaro. No campo da esquerda, que consegue ter repercussão política, o sentido da transformação perdeu-se na lógica das mediações conciliatórias e afundou-se no pântano das pequenas políticas públicas e projetos dentro da ordem.

Precisamos construir um campo que não tenha medo de se apresentar de forma radical, e que compreenda o sentido da revolução. Muitos personagens da história da revolução brasileira encarnaram essa possibilidade. Contudo, pela popularização recente, apesar da reconstrução histórica palatável e mítica que tentam fazer dele, Marighella representa, com erros e acertos, um emblema do sentido da revolução brasileira. Não especificamente por sua presença na luta armada, mas pela perspectiva que colocava no projeto de luta pela transformação social que alimentava. É necessário, portanto, não cairmos no esvaziamento da luta política que fica encarcerada na disputa pelo aparelho de governo.

O sentido da revolução tem história e ação na práxis de Marighella, o comunista do PCB, que soube incendiar de paixão a luta pela transformação da realidade brasileira. Com esse sentido da revolução, engrandeceu a luta contra o Estado ditatorial de Getúlio Vargas e, com vigor militante, agiu na reconstrução do operador político da classe trabalhadora brasileira, o PCB, executou o melhor da sua capacidade política na organização do trabalho de base e, quando o processo eleitoral da retomada democrática se apresentava como uma batalha revolucionária, ele foi capaz de movimentar milhares na defesa do projeto que o Partido defendia, se elegendo deputado federal pela Bahia.

Na volta à clandestinidade, foi uma das lideranças na organização da greve dos 300 mil, em São Paulo, e das imensas campanhas contra a Guerra da Coréia e em defesa do petróleo brasileiro. Quando considerou que a linha política do PCB devia mudar para responder à realidade em curso, agiu com determinação em diversos momentos: defesa da Declaração de Março de 1958, recomposição da Executiva Partidária em 1962, confronto interno depois do golpe burgo-militar de 1964, entrada na luta armada. Trata-se da constituição de um sentido para agir de forma radical, mesmo sem entrarmos no mérito do que poderia estar certo ou errado nessa orientação.

O que devemos entender, a partir de Marighella – sem particularizá-lo em algum momento específico -, é que o sentido da revolução é o compromisso radical com a transformação. É com esse sentido estratégico que devemos agir nas batalhas que lutamos, no trabalho de organização que realizamos, nos enfrentamentos que fazemos e no futuro que projetamos.

Categoria
Tag