A reconstrução revolucionária do PCB

A reconstrução revolucionária do PCB: balanço da resistência até a Conferência de Reorganização de 1992

Escrito por Edmilson Costa em 2012, para a Revista Novos Temas

1. Introdução

O processo de reconstrução revolucionária do Partido Comunista Brasileiro (PCB) pode ser considerado um dos marcos mais significativos da história dos comunistas do País, além de um exemplo importante para o movimento comunista internacional. Isso porque o PCB, a exemplo da Fênix mitológica, teve a capacidade de renascer das cinzas após os duros golpes sofridos pela organização no início da década de 90, como a queda da União Soviética e a ofensiva do núcleo dirigente do partido para extinguí-lo. Essa jornada foi realizada a partir da resistência da militância e dos dirigentes intermediários que, nas mais adversas condições do início da década de 90, optaram por continuar comunistas e reconstruir o histórico partido dos comunistas brasileiros.

No entanto, o legado mais surpreendente desse processo foram os resultados políticos e orgânicos alcançados pelo PCB nestes últimos 20 anos. Em duas décadas de reconstrução revolucionária, o PCB se transformou novamente numa organização nacional, de Rondônia, no extremo Norte do País, ao Rio Grande do Sul, com larga autoridade política junto às forças de esquerda e revolucionárias, resgatou as tradições revolucionárias do PCB, e ainda foi capaz de elaborar uma formulação estratégica e tática da revolução brasileira reconhecida por todos, a partir do estudo aprofundado da realidade contemporânea do capitalismo no Brasil e no mundo, da estrutura das classes sociais, bem como do papel do Estado brasileiro e seu aparato de dominação.

Enquanto vários partidos comunistas no mundo se auto-extinguiam, outros mudavam de nome, submergiam diante da realidade, se adaptavam ao reformismo social-democrata no Leste Europeu e em várias partes do mundo, ao mesmo tempo em que o grande capital revelava sua verdadeira face, mediante uma ofensiva predatória contra diretos, salários e garantias dos trabalhadores, os comunistas brasileiros iniciavam um longo, difícil, paciente e determinado processo de reorganização, com as peculiaridades de um país de dimensões continentais como o Brasil.

Em outras palavras, a reorganização do PCB pode ser considerada uma grande jornada de lutas tanto do ponto de vista político, orgânico e jurídico, cheia de heroísmo de militantes anônimos nas várias regiões do País. De Norte a Sul do Brasil, centenas de militantes, viajando de carro, de ônibus, de avião, de barco, percorreram o País, batendo de porte em porta, de forma a reorganizar o Partido e atender as exigências da Justiça Eleitoral para resgatar a legalidade do Partido.

Muita gente duvidava da viabilidade do PCB, afinal os golpes sofridos pelo Partido foram duros. Primeiro a queda da URSS e dos países do Leste, o que viria atingir em cheio o PCB por ser este partido ligado historicamente à União Soviética; depois, a saída dos liquidacionistas para fundar outra organização política [1]; Vale lembrar que saíram do partido a maioria dos integrantes do Comitê Central, com toda a estrutura material, os deputados, parte dos sindicalistas e muitos dirigentes regionais que ingenuamente acreditavam que o novo partido seguiria sendo socialista.

Além disso, a conjuntura nacional e internacional era muito adversa: os capitalistas de todo o mundo e, especialmente do Brasil, comemoravam excitados a enorme derrota das primeiras experiências socialistas, bem como os seus meios de comunicação realizavam campanha anticomunista permanente; quem ousava qualquer resistência era tratado como dinossauro. Os principais jornais do País e emissoras de televisão procuravam desqualificar os camaradas que decidiram ficar no partido, chamando-os de ortodoxos, jurássicos, atrasados, avessos à modernidade.

Muito companheiros, desanimados, decidiram militar em outras organizações, outros simplesmente foram para a casa, cabisbaixos, porque imaginavam ser impossível a reconstrução do PCB naquela conjuntura tão adversa. Além disso, tinha ainda as exigências draconianas da Lei Eleitoral, cuja norma estabelecia que, para o partido retomar sua legalidade, era necessário estar organizado em no mínimo nove Estados e, em cada Estado, em 20% das cidades e, em cada cidade, deveria filiar um determinado percentual dos eleitores. Portanto, foi nesse ambiente que a militância comunista realizou a tarefa de reconstruir o partido histórico dos comunistas brasileiros.

2. Os antecedentes da crise

A crise que envolveu o PCB no início da década de 90 foi apenas o desfecho de um processo que vinha se arrastando desde a segunda metade dos anos 70, quanto o Comitê Central ainda estava no exílio. Isolados entre várias regiões do planeta, sem um trabalho efetivo de direção coletiva, sem vínculos com a militância interna e com uma parcela expressiva bastante influenciada pelo eurocomunismo, as divergências no Comitê Central eram grandes e só não chegavam aos militantes no Brasil em função da censura e das dificuldades naturais de comunicação entre uma direção no exílio a militância no interior do País.

Praticamente existiam três blocos no interior do Comitê Central: os eurocomunistas, que formulavam a política geral; o centro pragmático, formalmente em maioria, mas influenciados pelos eurocomunistas e que buscavam uma transição moderada da ditadura no Brasil; e aqueles que seguiam a orientação de Prestes, em minoria na direção nacional. O longo exílio não só os afastou da realidade brasileira, como permitiu um liberalismo orgânico, que possibilitou infiltrações e levou às quedas e ao assassinato de um terço do Comitê Central, entre os quais os que voltaram ao País na clandestinidade em 1974-75. Além disso, tratava-se de um Comitê Central em que a grande maioria, apesar de lideranças políticas e operárias antes do golpe, estava teoricamente despreparada para a nova conjuntura brasileira e as tarefas da luta de classe daquele período [2].

Com a anistia e a volta do Comitê Central e do secretário geral, Luis Carlos Prestes ao Brasil, a militância começou a tomar conhecimento não só das divergências que se cristalizara no exterior, como assistia estarrecida a uma orientação política inteiramente dissociada da realidade. Enquanto no País ocorria um ascenso da luta de massas, liderada pela classe operária, a partir das greves dos metalúrgicos do ABC, a direção do PCB operava como bombeiro da luta de classe, orientando a militância no sentido de não acirrar as contrações de classe, porque ainda estava aferrada à política de Frente Democrática[3] (correta para o período anterior às greves, mas inteiramente conservadora para aquele momento da luta de classes), e temia que a luta social pudesse acarretar um retrocesso institucional alcançado até aquele momento.

Tratava-se de uma leitura da realidade atípica para um partido revolucionário, pois os comunistas sempre acreditaram que é a luta de classes o elemento central para o processo de mudanças. Ora, num momento em que a classe operária se levantava em todo o País contra o modelo econômico, clamando por liberdades democráticas, o Comitê Central do PCB estava na contramão dos acontecimentos, insistindo numa frente democrática que a própria luta operária tinha colocado num outro patamar.

Essa leitura não era fruto da ignorância dos dirigentes, mas estava influenciada pelo eurocomunismo, que privilegiava a luta parlamentar e institucional como forma de obter as transformações. O PCB pagou um alto preço por essa orientação desastrosa, pois ficou afastado das lutas sociais e abriu espaço para o surgimento de outras organizações dos trabalhadores, como o PT (Partido dos Trabalhadores) e a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e isolou o PCB da classe operária e dos trabalhadores por cerca de duas décadas.

É bem verdade, como já foi notado, que nem toda a direção nacional do PCB compartilhava com essa orientação: o próprio secretário-geral, Luis Carlos Prestes tinha uma posição diferente, mas estava em minoria no Comitê Central. Alguns meses após voltar ao Brasil, Prestes lança a Carta aos Comunistas, um documento em que faz duras críticas aos membros do Comitê Central, ao afirmar que a maioria dos seus membros não tinha mais condições de conduzir a luta de classes no País, estavam dissociados da realidade brasileira e buscavam transformar o partido num instrumento dócil para legitimar o regime:

“Um partido comunista não pode, em nome de uma suposta democracia abstrata e acima das classes, abdicar do seu papel revolucionário e assumir a posição de freio dos movimentos populares, de fiador de um pacto com a burguesia, em que sejam sacrificados os interesses e as aspirações dos trabalhadores … Não podemos, pois, compactuar com aqueles que defendem “evitar tensões”, freando a luta dos trabalhadores em nome de salvaguardar supostas alianças com setores da burguesia. Ao contrário, sem cair em aventuras, é hoje, mais do que nunca, necessário contribuir para transformar as lutas de diferentes setores de nosso povo em um poderoso movimento popular, bem como é dever dos comunistas tomar a iniciativa da luta pelas reivindicações econômicas e políticas dos trabalhadores, visando sempre alcançar a derrota da ditadura e a conquista de uma democracia em que os trabalhadores comecem a impor sua vontade”.[4]

Em sua carta, Prestes faz ainda duras críticas ao funcionamento do Comitê Central, à indisciplina e à confusão reinante na direção e constata a falta de sintonia entre o Comitê Central e a realidade brasileira: “A orientação política do PCB está superada e não corresponde à realidade do movimento operário e popular do momento que hoje atravessamos. Estamos atrasados no que diz respeito à análise da realidade brasileira e não temos respostas para os novos e complexos problemas que nos são agora apresentados pela própria vida, o que vem sendo refletido na passividade, falta de iniciativa e, inclusive, ausência dos comunistas na vida política nacional de hoje”. Finalmente, Prestes alerta para o fato de que o Comitê Central, para defender sua política conciliadora, costuma identificar qualquer posição ou atuação combativa nas lutas dos trabalhadores como “esquerdismo” e “golpismo”. E, num gesto dramático, Prestes abandona o Partido e apela aos comunistas para tomar o destino do PCB em suas mãos.

No entanto, no momento em que o agora ex-secretário geral abandona o partido e apela às bases, abre espaço para que a maioria do Comitê Central se afirmasse como defensora da unidade do Partido e acusasse Prestes de indisciplinado e de desrespeitar as instâncias partidárias. Como se sabe, os comunistas operam tendo como norma orgânica o centralismo democrático. Romper com o partido e chamar à rebelião das bases era o pretexto que os membros do Comitê Central queriam para isolar Prestes e o acusar de divisionista. Isso explica porque o apelo de Prestes não teve grande ressonância dentro do Partido. Possivelmente, se o secretário-geral, com a autoridade política e moral que possuía junto à militância, tivesse resistido no interior do próprio do partido e conclamasse as bases à resistência contra a orientação política do Comitê Central, teria derrotado o velho Comitê Central e reconstruído o partido em novas bases, como o fizeram uma década depois os dirigentes intermediários e a militância quando os liquidacionistas tentaram acabar com o Partido em 1992.

A saída de Prestes representou a consolidação de uma linha política de conciliação de classes por toda a década de 80, fato que iria resultar enormes prejuízos orgânicos, políticos e ideológicos ao partido. Com a legalidade, em 1986, o Partido aprofundou a linha de conciliação e se transformou numa organização institucionalista e eleitoreira. Para se ter uma idéia, nas eleições para o governo de São Paulo e do Rio de Janeiro, a direção do PCB apoiou em São Paulo o empresário Antônio Ermírio de Moraes e, no Rio de Janeiro, Wellington Moreira Franco[5], o que gerou enorme descontentamento entre as bases. No campo sindical, apesar de ter participado do Congresso Nacional das Classes Trabalhadores (Conclat) com grande peso, evento que marcou a reorganização do movimento sindical, não se incorporou à formação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e passou a realizar alianças preferenciais com notórios pelegos e, assim, foi perdendo a autoridade política junto aos trabalhadores.

3. As divergências no interior do Partido

Ressalte-se que sempre houve resistência a essa política nas direções intermediárias, especialmente nos Comitês Municipais das principais capitais do País e nas bases partidárias. Um episódio significativo demonstra o desprestígio moral e político do Comitê Central junto à militância do Partido. Convocaram um encontro nacional sindical para debater o posicionamento partidário em relação às centrais sindicais. Nesse encontro, a maioria dos dirigentes e militantes sindicais não só decidiu filiar-se à Central Única dos Trabalhadores (CUT), à revelia do Comitê Central, como ainda infligiu uma derrota moral inesquecível à velha direção. Um grupo de dirigentes do Comitê Central, sem consultar o plenário, compôs a mesa do Encontro. No entanto, a plenária forçou uma votação sobre a composição da mesa e esses membros do Comitê Central foram derrotados: tiveram que sair da mesa, cabisbaixos e humilhados pela própria militância. Foi a primeira derrota política aberta desta direção.

Em 1989, o Comitê Central sofreria nova derrota, desta vez em São Paulo. O Comitê Municipal (CM-SP)) escolhera um candidato a vereador, Luis Carlos Moura, como o único a disputar o cargo na cidade. No entanto, o Comitê Estadual resolveu indicar outro, Jarbas de Holanda, membro da Comissão Executiva Nacional, como forma de pressionar o CM-SP a retirar a candidatura. Nesse embate, os camaradas do município se mantiveram firmes e o CC foi obrigado a aceitar a candidatura indicada pelo Comitê Municipal, mas tanto o Comitê Regional quanto o Comitê Central boicotaram a candidatura – não aportaram recursos nem apoio político e torciam abertamente para que o CM não elegesse o vereador, candidatura que consideravam uma aventura. Para a surpresa geral, o candidato do Comitê Municipal foi eleito no bojo da virada que ocorreu com a eleição da prefeita Luiza Erundina. Essa vitória dos camaradas paulistanos ampliou o prestígio da organização municipal junto a militância em São Paulo.

No entanto, uma série de acontecimentos internacionais, como a queda do Muro de Berlim, a desagregação dos países socialistas do Leste Europeu e as perspectivas políticas na União Soviética, repercutiram profundamente no PCB e vieram aprofundar as divergências no interior do Partido, agora entre as direções intermediárias e o Comitê Central.

Essas divergências tomaram um corpo mais orgânico com a convocação do IX Congresso do PCB para 1991. Fortalecidos pelos acontecimentos no Leste Europeu, a maioria do Comitê Central começou a colocar abertamente a necessidade de construir uma nova forma de partido, um partido laico sem referência no marxismo-leninismo, com a abolição dos símbolos tradicionais dos comunistas, a foice e o martelo. Como proposta de ação, e diante da na nova conjuntura mundial, o objetivo central era a luta pela radicalidade democrática, afinal diziam que grande parte das teses de Marx estavam ultrapassadas e que o Partido deveria se adaptar aos novos tempos. Em outras palavras, a maioria absoluta do Comitê Central queria mudar o nome do PCB, abandonar seus princípios ideológicos e orgânicos e dar adeus ao proletariado.

3.1 O documento de São Paulo

Percebendo as verdadeiras intenções da direção do PCB, começa a se articular em São Paulo e no Rio de Janeiro uma resistência organizada contra essa política. Em São Paulo, é lançada a Plataforma da Esquerda Socialista, um documento que refletia as posições do Comitê Municipal de São Paulo e, além analisar da conjuntura mundial e da crise do socialismo real, fazia uma apreciação crítica da Direção Nacional do Partido e explicitava os objetivos liquidacionistas desse grupo dirigente, além de propor um conjunto de ações visando reorganizar o partido em novas bases, bem como resgatar as tradições revolucionárias do PCB.

O texto de São Paulo ressalta que, além da crise que vinha ocorrendo no Leste europeu, os comunistas de São Paulo ainda eram obrigados a conviver com companheiros que se renderam ao capital e querem transformar o partido numa organização domesticada. “Nosso partido vive hoje o momento mais dramático de sua história, não só em função da crise na Europa Oriental e sua repercussão no Brasil, mas em conseqüência de sua própria crise de identidade … Não se trata de problemas vividos em período anteriores, como as dissidências de 1962, 1967, a saída de Prestes ou do Grupo dos 11: agora o que está em jogo é a própria existência do Partido como organização marxista revolucionária … Enquanto isso, a militância assiste perplexa e desorientada a ofensiva desses setores (os eurocomunistas, EC) que, sob o manto de uma nebulosa modernidade, buscam a descaracterização do PCB, visando transformá-lo em mais uma organização social-democrata, que teria como meta apenas administrar de maneira mais competente o sistema capitalista”[6].

O documento critica ainda a política desenvolvida pelo Comitê Central e afirma que a atual direção perdeu a perspectiva da luta revolucionária. “Na prática, a nossa direção perdeu a perspectiva da revolução, o que desarmou o partido para as lutas cotidianas de nosso povo. A conseqüência disso foi uma sucessão de graves erros políticos, pelos quais pagamos até hoje. A direção não compreendeu o princípio da unidade e da luta, principalmente à medida em que a ditadura começou a perder sua base de sustentação político-social. Ao invés de priorizar a atividade partidária na organização das massas e vanguardeamento de suas lutas, a fim de que, com a pressão organizada dos trabalhadores, pudéssemos abrir maiores espaços para novas conquistas sociais, a direção apostou tudo na política institucional de unidade (espécie de voluntarismo evolucionista), o que terminou nos isolando dos movimentos sociais. Como na política não existe vácuo, outras forças ocuparam o lugar dos comunistas e continuam até hoje liderando o processo de lutas social no País”[7].

Diante dessa conjuntura, o texto propõe a reconstrução do PCB em bases revolucionárias, com a oxigenação do partido, novos métodos de direção, um partido com vocação de poder e conclamam as bases a desenvolver uma ação organizada, de forma a conquistar a hegemonia no interior do Partido. “Queremos transformar o PCB num instrumento novo e qualificado para dirigir a revolução brasileira. Um partido combativo, renovado nos métodos, na maneira de agir, no relacionamento entre os camaradas e que busque a organização de nosso povo, o vanguardeamento de suas lutas – nas fábricas, nos campos, nos bancos, nos escritórios, no comércio, nas escolas secundaristas, nas universidades, nos movimentos comunitários, no Parlamento. Um partido que será educado na perspectiva da revolução social e política e na transformação da sociedade brasileira e, por isso, profundamente vinculado ao socialismo … Antes de tudo temos uma tarefa muito grande, sem a qual poderemos sequer sonhar com esse partido novo: organizar em cada núcleo, em cada zona, em cada cidade, em cada Estado a ESQUERDA SOCIALISTA, e forjar uma nova hegemonia no Partido, de forma a sairmos vitoriosos no Congresso”.[8]

3.2 O documento do Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, também foi lançado outro documento, Pela Renovação Revolucionária do PCB, com mais de 500 assinaturas de militantes de todo o Estado. O texto faz severas críticas à Direção Nacional por sua incapacidade de transformar o partido em instrumento de formulação e organização das massas, critica os social-democratas no interior do partido que advogam a parceria conflitiva entre capital e trabalho e denuncia a aliança entre o centro pragmático e os eurocomunistas.

“A superposição desses fatores (crise do Partido e do Lesto Europeu, EC) criou as condições para o surgimento no interior do PCB de uma estranha aliança entre burocratas de conhecida formação autoritária e correntes adeptas do “novo discurso”, que propõe o abandono do marxismo e da perspectiva revolucionária e de classe, a adoção de uma linha explicitamente reformista e, até a pura e simples liquidação do Partido”.[9]

O documento do Rio acusa a direção de colocar o partido a reboque das forças conservadoras, critica as formulações que buscam uma conciliação com o capital e insinuam uma aliança entre esses dirigentes e a grande imprensa: “Para justificar tais posições defendem a tese de que desapareceu a diferença entre reforma e revolução … substituem o conceito de luta de classes pelo de parceria conflitiva entre capital e trabalho … ao mesmo tempo em que procuram (através de facilidade nada surpreendente no acesso à mídia) fugir ao debate das idéias, rotulando os que lhes opõem como “retrógrados”, “dogmáticos”, “ortodoxos”.[10]

O documento também reafirma a identidade histórica do partido, seu nome e símbolos e denuncia o fato de que renegar esse legado não passa de oportunismo e covardia. “A manutenção e revalorização e nossos símbolos são fundamentais, não só pelo que representam em termos de lutas nas quais nos orgulhamos, mas também porque ainda estão carregados da mística e da esperança no homem novo e na nova sociedade. Eles nos identificam com os erros e acertos que compõem, em seu conjunto, nossa imagem pública e nosso patrimônio histórico. Renegá-los diante da crise passaria por oportunismo ou covardia; afirmá-los é a prova de coerência e visão histórica apurada”.[11]

Diante de uma situação tão grave para o partido, o texto conclama a renovação revolucionária do Partido a partir das bases. “Os que assinam esse manifesto consideram que é inadiável uma profunda renovação revolucionária do PCB, que o torne apto a conduzir, ao lado de outras forças, a luta pela construção, no Brasil, de uma sociedade socialista fundada na democracia participativa das massas e no exercício democrático do poder pelos trabalhadores, organizados sob a hegemonia da classe operária”[12]

Esses dois documentos, elaborados de maneira independente, continham posição semelhante em relação à crise do Partido, ao mesmo tempo em que refletiam a busca de uma perspectiva para a reconstrução do Partido. Mesmo não sendo de conhecimento de toda a militância do País, em função das dificuldades de divulgação, uma vez que o Comitê Central detinha o cadastro da militância, nas regiões onde chegaram conseguiram provocar muita expectativa e esperança, pois demonstravam claramente que havia resistência à política reformista do Comitê Central, muito embora do ponto de vista orgânico ficasse restrita a contatos esparsos entre camaradas do Rio de Janeiro e São Paulo.

4. A cristalização dos blocos no IX Congresso

No entanto, a publicação das propostas de resoluções do IX congresso, onde a direção propunha na prática o rompimento com o centralismo democrático, iria mudar rapidamente o processo de resistência e a correlação de forças no interior do Partido. As teses refletiam os novos princípios de organização que o núcleo dirigente queria impor ao PCB e propunham sem meias palavras: “A renovação do partido não pode ser feita sem a revisão do princípio diretor de sua estrutura de funcionamento: o centralismo democrático … as eleições no partido devem ser secretas, cabendo a cada organização o direito de regulamentá-las como julgar melhor”.[13]

Aproveitando-se do próprio veneno que o núcleo dirigente queria inocular no partido, a esquerda propõe a formação de chapas no IX Congresso. Numa decisão atípica para um partido leninista, a direção aceitou que as eleições para o Comitê Central fossem realizadas eleições através de chapas, uma medida que refletia bem o liberalismo que reinava naquela direção, mas que estava consoante com a chamada “radicalidade democrática” que propunham. Na verdade, o núcleo dirigente não imaginava o imenso descontentamento que se gestara no interior do Partido contra suas propostas de desmontar o PCB por dentro, por isso permitiram a formação de chapas. Sofreram um rude golpe no Congresso.

4.1 As teses do núcleo dirigente

Uma leitura atenta das teses oficiais do IX Congresso já permite avaliar que este documento continha, mesmo que subliminarmente, todos os fundamentos do desmonte por dentro que o núcleo dirigente queria impor ao PCB. A tese primeira, logo na abertura do texto, deixa claro seus objetivos: “Para levar às últimas conseqüências as opções de caráter renovador e democrático que se desenvolvem desde a Declaração de Março de 1958, o PCB requer uma nova cultura, uma nova política e uma nova organização, edificadas sob a crítica dura e inflexível às causas essenciais da das deformações e da crise do socialismo e do movimento comunista internacional, de sua continuada perda de prestígio e influência”[14].

Essa mudança deveria ser realizada não só em função da crise do socialismo, mas especialmente em conseqüência da necessidade de renovação, diante de uma conjuntura em que se formou uma nova mentalidade na luta de classes internacional, da universalização da democracia, do caráter íntegro da civilização e da interdependência de todos os países. “O mundo ingressou numa nova etapa, dominada por uma revolução que o está transformando em seu conjunto: os sujeitos sociais e políticos, a luta de classes, a psicologia social, o comportamento e a individualidade”.[15] Para o núcleo dirigente, essas transformações têm como forças motrizes a revolução técnico-científica, a internacionalização do capital, a nova divisão internacional do trabalho, a universalização da democracia.

A nova concepção de mundo dos chamados “renovadores” modificava o conceito de luta de classes, buscava o consenso e cooperação entre capitalismo e socialismo e afirmava que a disputa agora deveria ser norteada pelo diálogo e não pela confrontação:

“O desfecho da disputa entre o capitalismo e o socialismo não passa mais pelo poder de destruição de cada um, mas pela capacidade de adotar iniciativas para a solução dos problemas globais e garantir mais liberdade e progresso social para o homem … A nova época e o mundo que estão surgindo determinam novas formas de luta de classes no âmbito internacional. Apesar de suas contradições, um mundo mais íntegro e interdependente impõe uma nova combinação dos interesses de classe e universais no plano internacional. As ameaças à sobrevivência da humanidade têm, no mundo atual, mais peso que os objetivos ideológicos. Nas condições atuais em que a humanidade corre o risco de desaparecer, a coexistência pacífica só pode ser alcançada por uma política de cooperação e união, de consenso, dos esforços dos Estados socialistas e capitalistas e de luta e competição nos quadros desse consenso, com seu centro de gravidade no diálogo e não na confrontação”.[16]

Para o núcleo dirigente, a nova mentalidade atua para a construção de um mundo seguro e pacífico, proposições que correspondem não somente aos interesses do socialismo, mas do capitalismo e de toda a humanidade, sendo desnecessário observar o mundo pelas contradições de classe: “A nova mentalidade opera no sentido da transferência da contradição radical entre o socialismo e o capitalismo para o campo da competição pacífica, recusando a transposição mecânica dos antagonismos de classe, da confrontação política e ideológica para a esfera da política externa e insiste na desideologização das relações interestatais”.[17]

O texto, ao descrever o partido de novo tipo que o núcleo dirigente almeja, ressalta que deve manter intercâmbio e colaboração com os partidos comunistas e dar atenção a Internacional Socialista, aos partidos operários, socialistas e sociais-democratas. Afirma ainda que os valores humanos, nacionais, democráticos, patrióticos são policlassistas e não é exclusividade da classe operária e nem esta é a única conseqüente na luta por eles, o marxismo não tem o monopólio do conhecimento e o partido deve abandonar o marxismo-leninismo. “O partido deve ser laico e de massas. Não recolherá em sua organização nem atrairá para a sua política massa de milhões se insistir em manter uma doutrina oficial – o marxismo leninismo – sobretudo com o poder instituído para julgar o que é ou não, conforme a doutrina … O marxismo não é a única concepção humanista, democrática, socialista e revolucionária; não tem o monopólio do conhecimento e da atividade transformadora, do esforço teórico-prático para renovar o mundo, do mesmo modo que os comunistas não têm o monopólio do marxismo”.[18]

A partir desse desmonte dos fundamentos de um partido revolucionário, as teses lançam seus dados contra o princípio organizador dos comunistas, o centralismo democrático, que hoje seria apenas uma categoria histórica e sobrevivência do stalinismo: “A renovação do partido não pode ser feita sem a revisão do princípio diretor de sua estrutura de funcionamento: o centralismo democrático … Em primeiro lugar devemos reconhecer o desgaste e a conotação que assumiu para todos, inclusive para nós, o princípio do centralismo democrático … Esta categoria – como todas as outras – é histórica, decorre de uma situação concreta, não só relacionada com a situação d Rússia, como também com aquelas em que atuou a maioria dos partidos comunistas”.[19]

Sob o pretexto de instituir a democracia interna, as teses propõem a máxima autonomia das organizações partidárias, mesmo existindo ou não resoluções de organizações dirigentes a respeito, eleições diretas e secretas no interior do partido e a extinção da secretaria geral. “As eleições do partido devem ser secretas, cabendo a cada organização o direito de regulamentá-las como julgar melhor. A secretaria (atualmente presidência) deve ser extinta, estabelecendo-se o rodízio na coordenação dos trabalhos da Executiva e do Secretariado. O rodízio deve ser estendido a todos os cargos dirigentes, não se admitindo a permanência num órgão por mais de dois ou três mandatos”.[20]

A partir dessas considerações, o núcleo dirigente explicita nas teses suas verdadeiras intenções: desfigurar o partido, mudar seu nome e símbolos e descaracterizar seu princípio de organização, num ensaio do que viria acontecer no X Congresso: “Cada organização do partido deve abrir suas reuniões e atividades à presença e colaboração de não filiados … A partir desse conjunto de reflexões é que precisamos enfrentar a questão do nome e dos símbolos do Partido. Ambos obedeceram em sua criação a uma decisão política mas, como era natural, adquiriram com o tempo uma forte carga emocional e simbólica que não pode ser desprezada, mas também não pode nos levar à irracionalidade e ao ritualismo religioso, que nem sequer admitem a discussão do problema. O importante é que o conjunto dos filiados, amigos e eleitores seja ouvido, com o fim de encontrar o máximo de correspondência entre nomes e símbolos e o caráter e exigência de nossa organização”.[21]

4.2 O documento da esquerda

Enquanto o Comitê Central, desconectado da realidade aceitava a formação de chapas para o Congresso e imaginava que a militância estava apoiando as teses, a esquerda lançava um documento que se transformou num instrumento organizador de todos aqueles que estavam contra a descaracterização do partido e as manobras do núcleo dirigente para extinguir o PCB. Intitulado “Fomos, Somos e Seremos Comunistas”, com capa de um cartaz assinado por Oscar Niemeyer para angariar fundos à resistência partidária, o documento caiu como uma bomba no interior do Partido a se transformou rapidamente num instrumento de organização política de todos os descontentes com o núcleo dirigente do PCB.

O texto ressalta o dramático momento que o partido está vivendo e afirma que os delegados terão a responsabilidade de discutir os destinos do PCB, uma vez que este IX Congresso será o mais importante na história do Partido. “Nestes dias de debates estarão em jogo a nossa história, o nosso patrimônio, o futuro do PCB, os princípios marxistas que orientaram várias gerações de comunistas, a real inserção do partido na vida política do País e a nossa opção por uma sociedade socialista na perspectiva do comunismo … O movimento que estamos construindo mobiliza militantes da maioria dos Estados brasileiros, que vêm nos últimos anos resistindo à política conservadora encaminhada pelo núcleo dirigente do Comitê Central – causa principal que tem levado o Partido a sucessivas derrotas e ao isolamento social e político, bem como ao processo de desagregação em que nos encontramos”.[22]

O documento da esquerda faz uma defesa veemente da continuidade do PCB, dos seus símbolos e valores revolucionários, reafirma o marxismo como princípio filosófico e conclama a militância á resistência. “Estamos nesse Congresso para defender o PCB, seu nome e seus símbolos, buscar a renovação pelo rumo revolucionário, torná-lo um partido combativo e um instrumento qualificado para dirigir as lutas sociais no Brasil … Aqui estamos em defesa do marxismo como princípio filosófico e metodológico dos comunistas e em defesa do socialismo. Por tudo isso, estamos em oposição às teses do núcleo dirigente do Partido e, principalmente, a toda tentativa de transformar o PCB numa organização social-democrata, que tenha como perspectiva administrar o capitalismo e ser parceiro conflitivo da burguesia”.[23]

O texto critica ainda a trajetória de conciliação encaminhada pela direção na última década (anos 80), tanto do ponto de vista político quanto nos movimentos sociais, e afirma que este núcleo dirigente está esgotado diante da realidade brasileira: “Por que nos opomos a esse núcleo dirigente? Porque a política encaminhada nos últimos 10 anos nos levou a sucessivas derrotas. Os exemplos mais trágicos dessa política foram o apoio ao governo Saney, quase até o final de seu mandato; a política sindical de apoio à CGT e acordos com notórios pelegos, que teve conseqüência derrotas e isolamento entre os trabalhadores, com perda de influência nas entidades e ativistas sindicais; a política de alianças à direita, que nos fez perder vereadores, deputado e quadros e, também, nos reduziu à insignificância em termos eleitorais. Em nome da estabilidade democrática essa política nos levou a atuar no movimento de massas como bombeiros da luta de classes … São erros demais para uma só direção – uma década de derrotas … Esse núcleo dirigente sofreu um esgotamento de seu entendimento da realidade brasileira e, portanto, perdeu a credibilidade para encaminhar o processo de mudanças que o nosso partido necessita ”.[24]

O documento da esquerda, ao avaliar a crise do Leste Europeu, afirma que esse é um evento passageiro e, por isso, mantêm sua confiança no socialismo e na luta pelo comunismo no Brasil. “A crise nos países do Leste europeu não significa que a história chegou ao fim, ou que o capitalismo seja alternativa para a humanidade … Por isso mesmo estamos em defesa do socialismo e de sua construção no Brasil. Entendemos que o socialismo continua sendo a aspiração de milhões de pessoas de todo mundo que lutam por uma sociedade democrática, libertária e justa … pois entendemos ser esta a forma mais avançada de construção de uma sociedade baseada na solidariedade, no humanismo e na justa distribuição dos frutos do trabalho”.[25]

Após denunciar que o núcleo dirigente, antes autoritário e burocrático, agora busca se apresentar como “mercadores da renovação”, conclama o partido a reorientar sua atuação política no sentido da luta pela superação do capitalismo e construir um partido renovado e inserido nas lutas sociais. “Contrariamente àqueles que desejam liquidar o Partido, queremos enriquecê-lo em termos teóricos, políticos e, principalmente, renová-lo na sua ação, nos ligando preferencialmente com as forças democráticas e de esquerda. O eixo de nossa proposta é atuação no movimento social, nas lutas populares, em especial, no movimento sindical e juvenil, o que significa que estamos contra as propostas que buscam a conciliação de classe e a administração do capitalismo. A ação do nosso partido deve estar voltada para a superação do sistema capitalista e a construção de uma sociedade socialista”.[26]

Essas duas concepções radicalmente divergentes sobre os destinos do PCB explodiram na plenária do Congresso e o transformaram no palco de uma luta ideológica acirrada entre as correntes que se formaram para disputar o Partido. Os debates foram francos, abertos e politizados, com os defensores de cada corrente buscando ganhar corações e mentes dos delegados para suas posições[27]. E, para a surpresa de todos, o Comitê Central sofreu grandes derrotas neste evento, mesmo que a resolução final elaborada após o Congresso contivesse uma série de contrabandos subreptícios.

Mas no aspecto central, que era a questão da existência, do nome e dos símbolos do Partido, a derrota foi clara. Primeiro, porque diante das manifestações dos delegados, especialmente da juventude, os representantes do Comitê Central sequer tiveram coragem de colocar em pauta sua proposta de acabar com o nome e os símbolos do Partido. Seus líderes foram obrigados a vir à plenária desmentir suas verdadeiras intenções. Segundo, perderam as votações que buscavam descaracterizar o PCB como um partido marxista. Terceiro, porque a esquerda, surpreendentemente e possivelmente pela primeira vez na história do Congresso de um Partido Comunista (organizado e controlado pela própria direção), conseguiu eleger 47% do Comitê Central, instância onde a oposição possuía anteriormente apenas dois ou três dirigentes. Essa nova composição do Comitê Central viria facilitar enormemente o trabalho de resistência e organização, em todo o País, da militância que se opunha à liquidação do PCB.

Com relação à eleição para a composição do Comitê Central, formaram-se três chapas: Socialismo e Democracia, a chapa oficial do Comitê Central; Fomos, Somos e Seremos Comunistas, a da esquerda mais organizada; e uma terceira, Política de Esquerda pelo Novo Socialismo, formada no próprio Congresso basicamente por companheiros do Rio Grande do Sul e que, apesar de possuir divergências com o núcleo dirigente do Partido não compartilhava com todas as idéias da esquerda com mais inserção entre a militância. Para a surpresa generalizada, inclusive do núcleo dirigente e da própria oposição, a oposição conquistou quase a metade das cadeiras do Comitê Central. O resultado da votação foi o seguinte: chapa oficial, 53%; “Fomos, Somos e Seremos Comunistas”, 36,5%; e a terceira chapa, 10,5%[28]. Mesmo obtendo a maioria, esse Congresso significou uma profunda derrota política para o núcleo dirigente, não só porque agora a esquerda estava agora fortemente representada na Direção Nacional, mas porque as propostas políticas centrais do núcleo dirigente foram derrotadas no plenário.

5 A queda da URSS e a tentativa aberta de liquidar o PCB

Mas o desfecho da crise que vinha se desenvolvendo na URSS desde a década de 80 viria provocar uma reviravolta dramática na luta interna do PCB. Em outras palavras, seis meses após o IX Congresso, ocorre aquilo que parecia impensável: a desagregação da União Soviética. Foi a oportunidade que os liquidacionistas encontraram para colocar abertamente suas propostas de extinção do Partido, que não tiveram coragem de apresentar no IX Congresso. A queda da URSS também impediu que a esquerda pudesse crescer, se organizar e conquistar a hegemonia no interior do PCB. Sem a queda da URSS, a velha direção estaria com os dias contados.

Um outro fato na própria URSS ainda serviu para acirrar a ofensiva dos liquidacionistas. Em meio à crise, um grupo de altos dirigentes políticos e militares, organizados num Comitê de Emergência do Estado, articulam um golpe militar, colocam Gorbachev em prisão domiciliar e passam a dirigir o País por três dias. Nesse ínterim, a Comissão Executiva Nacional do PCB convoca uma reunião extraordinária para analisar e se posicionar sobre este acontecimento. Nesta reunião, a condenação ao golpe foi amplamente majoritária, uma vez que a maioria da esquerda se absteve e apenas dois de seus integrantes votaram a favor do golpe. Na mesma reunião também decidiu-se convocar o Comitê Central para debater a realização de um Congresso Extraordinário.[29]

A derrota do golpe de Estado e a desagregação definitiva da URSS levaram o agora grupo abertamente liquidacionista a tirar de vez a máscara e revelar suas verdadeiras intenções: liquidar o PCB e construir outro partido. Chamado às pressas o Comitê Central para uma reunião em Brasília, nos dias 31 de agosto e 1º. de setembro, esse coletivo decidiu convocar o Congresso Extraordinário para janeiro de 1992, com o objetivo de mudar o nome, os símbolos e a linha política do partido. Nessa reunião, a esquerda compareceu com apenas 17 membros, em função da urgência da convocação e das dificuldades financeiras para comparecer à reunião, o que facilitou o trabalho do grupo liquidacionista. Foi também uma reunião patética e trágica, onde vários dos membros do núcleo dirigente se regozijavam pela possibilidade de acabar com o PCB. Um deles, o mais raivoso, Sergio Arouca, disse abertamente no Pleno do Comitê Central. “O PCB é um cadáver podre que precisa ser sepultado”.[30]

Mas convocar o Congresso não significava que esse núcleo poderia vencê-lo, afinal mesmo com a conjuntural internacional adversa havia uma resistência muito grande no interior do Partido à sua liquidação. Portanto, era necessária alguma manobra, algum casuísmo, alguma fraude para garantir a maioria no Congresso. Inseguros e desmoralizados politicamente junto à militância, aprovaram as normas congressuais de maneira tão fraudulenta que se transformou em motivo de piada entre a esquerda brasileira. Por estas normas qualquer um, filiado ou não ao PCB, poderia participar do Congresso, desde que reunisse uma fração de 10 pessoas ou mais em sua casa, no local de trabalho, ou qualquer lugar – cada 10 daria direito a um delegado[31]. Essas normas tinham razão de ser: como o grupo liquidacionista suspeitava que entre os militantes a derrota seria certa, procurou assegurar antecipadamente uma falsa maioria no Congresso. Como se veria depois, foram ajudados nessa tarefa por vários setores conservadores, inclusive com a cessão de ônibus e infra-estrutura material e financeira para a participação de pessoas não militantes no Congresso.

Mas na própria reunião do Comitê Central, os membros da esquerda do Comitê Central decidem criar o Movimento Nacional em Defesa do PCB e elaboram um manifesto onde criticam as manobras do grupo liquidacionista para fraudar o Congresso, denunciam a capitulação desses dirigentes ante a histeria anticomunista, reafirmam a determinação de manter o PCB, convocam um Encontro Nacional em Defesa do PCB para outubro no Rio de Janeiro e conclamam a militância e, especialmente a juventude, à resistência contra o liquidacionismo. Os principais pontos do documento são os seguintes[32]:

“Os membros do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, abaixo assinados, resolvem: Manifestar seu mais veemente repúdio à postura liquidacionista da maioria do Comitê Central, que convocou um Congresso Extraordinário com a finalidade exclusiva de tentar extinguir o nosso partido … Denunciar que essa convocação representa a capitulação ante a histeria anticomunista surgida após os acontecimento na União Soviética e um golpe contra as deliberações do IX Congresso, recém realizado … Reiterar a inabalável determinação de manter o PCB, de fato e de direito, com seu nome e símbolos, como herdeiro político do Movimento Comunista Internacional, da rica tradição de luta dos comunistas brasileiros e do legado do ideário de Marx, Engels, Lênin e outros pensadores revolucionários

“Criar, a partir desta data o MOVIMENTO NACIONAL EM DEFESA DO PCB como instrumento para preservar e fortalecer o nosso partido, marxista, internacionalista, revolucionário, democrático e de massas … Convocar para os dias 12 e 13 de outubro de 1991, na cidade do Rio de Janeiro, o Encontro Nacional em Defesa do PCB, para que sejam discutidas, aprovadas e implementadas medidas necessárias à preservação, renovação e ao fortalecimento do PCB … Criar as condições para que a juventude comunista se organize, destacando a importância de seu papel na continuidade de nossa luta … Saudar os camaradas de diversos Partidos Comunistas que, em várias partes do mundo, permanecem fiéis à perspectiva do socialismo e do comunismo, expressando nossa determinação de com eles estreitar laços de fraternidade e cooperação ”.[33]

Assinado por 30 membros do Comitê Central[34], os signatários elegeram uma Comissão Coordenadora do Movimento,[35] redigiram um plano de trabalho para elaboração teórica, orgânica, financeira e de comunicação, conclamaram a militância a divulgar amplamente o manifesto e criar em cada célula, bairro, cidades e Estados os organismos de resistência à liquidação do partido. “Conclamamos, finalmente, os companheiros a: Dar ampla divulgação do Manifesto ao conjunto dos militantes do PCB, aos nossos amigos e simpatizantes, à imprensa e à sociedade local. Criar, nos diversos níveis de organização partidária, núcleos do movimento, com vista a ampliar e organizar a resistência ao liquidacionismo, garantindo a preservação e o fortalecimento do nosso partido”.[36]

A partir dessa reunião do Comitê Central de Brasília, na prática passaram a existir dois partidos dentro do PCB, com direções paralelas e posições políticas radicalmente divergentes. Portanto, o desfecho desse processo já estava anunciado. A partir daí cada agrupamento tomou seu rumo e começou a se preparar para a batalha pela herança política, histórica e jurídica do PCB. O agrupamento revisionista buscou a todo custo apoio fora do partido, na grande imprensa, onde obtinham espaço para caluniar e tentar desmoralizar os dirigentes que resistiam, chamando-os de ortodoxos, jurássicos, atrasados, e nos partidos conservadores, que lhes forneceram militantes para participar do Congresso e transporte para essas delegações.

Dois episódios marcam bem a disposição dos liquidacionistas de acabar com o PCB e com sua história. Para tentar inviabilizar juridicamente o Partido e impedir que a esquerda mantivesse a sigla histórica, foram ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) tentar registrar em seu nome a sigla PCB, seus símbolos e ainda o nome Partidão. Imediatamente, os camaradas protestaram contra a tentativa de privatizar o PCB, uma vez que esse órgão registra patentes industriais, e entraram com requerimento no órgão contestando o pedido. Essa primeira batalha os liquidacionistas perderam, pois o INPI indeferiu a solicitação.

O outro episódio é ainda mais degradante: como recompensa à cobertura jornalística favorável que as Organizações Globo, a maior cadeia de jornalismo do País, proporcionava às iniciativas liquidacionistas, Roberto Freire, então presidente do PCB, entregou todo o acervo documental do partido à Fundação Roberto Marinho. O comando do Movimento, após assembléia na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), divulgou nota em que condena a alienação imperdoável de um patrimônio que era de todos os comunistas “a uma Fundação que fez, faz e fará do anticomunismo a sua política essencial e intrínseca”.[37] Os camaradas do Rio de Janeiro se mobilizaram e, no dia da entrega dos documentos, realizaram manifestação em frente à Rede Globo. Na hora em que Freire e sua comitiva se dirigiam ao recinto receberam uma chuva de moedas dos manifestantes como protesto por esse ato de traição.

Mais um episódio que evidencia o caráter dos liquidacionistas e a falácia da chamada “radicalidade democrática”, é o seguinte: o PCB tem direito a dois programas anuais em cadeia de rádio e televisão do País. Como haveria a divulgação de um dos programas semestrais, a esquerda reivindicou espaço no Programa para expor suas posições, afinal estava em jogo o destino do Partido e, portanto, a militância deveria ser informada das duas posições no interior do Partido. Roberto Freire foi radicalmente contra, mas a maioria do CC resolver conceder um minuto do programa (pouca coisa, mais importante naquelas condições) para a oposição. Preparado material, foi enviado em confiança para Brasília, onde estava sendo editado o programa. Para surpresa, eles ainda censuraram parte dos míseros um minuto concedido.

Enquanto isso, a esquerda arregaçava as mangas e dava curso ao o plano de trabalho traçado pela coordenação, cuja tarefa principal era a realização do Encontro Nacional em Defesa do PCB. Antes, porém, os camaradas registraram em cartório o Partido Comunista, um artifício legal para garantir a continuidade do PCB. Mas o fato mais emblemático da resistência nesse período foi o êxito do Encontro Nacional em Defesa do PCB, no Rio de Janeiro. Com a presença de delegações de 10 Estados, o Encontro debateu a estratégia de resistência e os rumos políticos do movimento e lançou um manifesto à militância e à sociedade brasileira, onde esboça as primeiras características do partido que queríamos construir.

“O Encontro Nacional se define não só pela reconstrução do PCB, mas por sua renovação radical, livre dos dogmas e estereótipos que ao longo dos anos nos foi imposto pela velha concepção burocrática dominante no CC. A renovação que buscamos, por um lado, incorpora toda a tradição de luta, heroísmo e combate dos comunistas, reverenciando aqueles que rubricaram com sangue e com a vida a luta por uma sociedade socialista. Por outro lado, marca uma ruptura definitiva com os métodos burocráticos, antidemocráticos e deformadores da vida do Partido … Essa renovação não pode ser realizada na perspectiva de uma capitulação à social-democracia, mas na direção de um partido marxista moderno, aberto aos novos tempos, combativo, renovado nos métodos, na maneira de agir e no relacionamento entre os camaradas.

“Queremos a renovação pela esquerda, reafirmando que o partido continua uma organização comunista. Queremos um partido que seja um instrumento qualificado para contribuir na direção das lutas sociais no Brasil, com inserção viva nas fábricas, no campo, nos bancos, nos escritórios, no comércio, no movimento comunitário, nas escolas secundárias, nas universidades. Um Partido educado na perspectiva da revolução social e política e na transformação radical da sociedade brasileira, por isso profundamente vinculado ao socialismo”.[38]

O documento analisa a situação nacional e internacional, critica o governo Collor, e prenuncia as imensas dificuldades que os comunistas enfrentarão para reconstruir o PCB naquela conjuntura adversa. “Sabemos perfeitamente que travamos a luta em condições difíceis, em um quadro político e ideológico a nível nacional e internacional conjunturalmente favorável às classes detentoras do capital … É neste quadro que se organizam os comunistas do MOVIMENTO NACIONAL EM DEFESA DO PCB, entendendo que a crise desnorteadora, responsável pela confusão e pelo refluxo forja, ao mesmo tempo, novos atores sociais, novos tipos de intervenção política e novas alternativas de poder. Com serenidade e confiança no futuro, levantam bem firmes a bandeira d unidade estratégica de todos os comunistas, militantes ou não do PCB, e conclamam todos a somar força conosco para reconstruir o Partido dos Comunistas Brasileiros”.[39]

O encontro prometia aos comunistas o trabalho de reorganização dos comunistas em todo o País, explicitava que o partido reconstruído faria uma opção radical pela direção coletiva e buscaria resgatar as tradições revolucionárias do PCB. “Dessa forma e com convicção, iremos trabalhar em todas as regiões do País para reconstruir o PCB, resgatar suas tradições revolucionárias … O partido que queremos e vamos construir faz neste momento uma opção radical pela direção coletiva, atuando com transparência, de forma a elevar a uma nova qualidade a nossa vida orgânica. O nome e os símbolos que sempre caracterizaram o PCB não serão apagados de nossa história, em função das vicissitudes da construção do socialismo. Eles marcaram os sonhos dos combates de milhares e milhares de camaradas que no Brasil e no mundo estiveram presentes nas mais difíceis batalhas pela liberdade, pelo humanismo em todo esse século. Eles lutaram generosamente por uma sociedade sem classes, sem explorados ou exploradores, pela felicidade humana e nós iremos dar continuidade a esta luta, que é a mais bela e generosa registrada até hoje. Isso os nossos inimigos sabem e por isso nos caluniam e buscam nos desmoralizar, mas no fundo nos temem … No exemplo dos camaradas que nos precederam e na visão de uma sociedade comunista do futuro, prosseguiremos a nossa tarefa, pois Fomos, Somos e Seremos Comunistas”.[40]

Com relação à crise do socialismo e da perspectiva do marxismo, o documento enfatiza que a crise não significa o fim do sonho socialista, nem que o capitalismo seja a solução para os problemas da humanidade. “Acreditamos que a causa socialista continua com um vigor profundo e expressa a aspirações de milhões de pessoas no mundo que lutam por uma sociedade democrática, libertária e justa. O fracasso das burocracias no Leste Europeu não significa que a história chegou ao fim ou que o capitalismo seja solução para os problemas das humanidade … A crise da burocracia não significa que foi em vão a luta de várias gerações para a construção de uma nova sociedade. Nos orgulhamos das conquistas sociais, econômicas e culturais alcançadas em tempo recorde pela primeira vez na URSS e nos outros países do Leste e do papel do socialismo nas lutas internacionalistas e progressistas contra o nazi-fascismo, o colonialismo e o imperialismo, pela independência nacional, pela democracia, pela paz mundial”.[41]

6. Os dois congressos, nos mesmos dias

Como a direção do Movimento Nacional em Defesa do PCB passou a tomar conhecimento das manipulações e das fraudes que estavam ocorrendo na eleição de delegados em todo o Brasil, nos chamados “Fóruns Socialistas”, bem como da interferência de forças conservadoras na montagem da infraestrutra para a vinda de delegados ao Congresso, foi tomada a decisão de não mais participar do X Congresso, pois caso afirmativo estaria a esquerda legitimando uma farsa. Ficou decidido que seria realizada em São Paulo, ao mesmo tempo e nos mesmos dias (25 e 26 de janeiro de 1992), a Conferência de Reorganização do PCB, no Colégio Roosevelt, a mil e quinhentos metros do local onde os liquidacionistas realizariam seu Congresso, o Teatro Záccaro.[42]

Agora cientes da impossibilidade convivência com os liquidacionistas no mesmo Partido, a esquerda tratou de preparar as condições para a realização da Conferência, não só mobilizando as delegações de todo o Brasil, mas construindo a infraestrutura para receber essas delegações em São Paulo. Após um intenso trabalho de mobilização nos Estados, o Movimento conseguiu trazer cerca de 560 camaradas de todo o País para a Conferência. Todos deveriam estar às seis da manhã no Colégio Roosevelt. Conforme a direção já havia encaminhado anteriormente, às sete da manhã começou uma assembléia dos delegados para definir uma ida coletiva ao local do Congresso dos liquidacionistas, onde deveríamos expor as razões pelas quais não participaríamos daquele congresso e, ao mesmo tempo, convidar os delegados para a Conferência de Reorganização.

Terminada a assembléia, às nove horas os delegados se dirigiram em passeata ao Teatro Záccaro. Esta foi uma cena emocionante: mais de 500 delegados com bandeiras vermelhas, gritando palavras de ordem e cantando a Internacional pelas ruas de São Paulo, em pleno período de queda da União Soviética. Os transeuntes olhavam curiosos e surpresos aquela cena, enquanto os delegados seguiam para o Záccaro. Ao chegar em frente ao teatro, todos foram surpreendidos com o aparato de segurança montado para o Congresso. Os liquidacionistas contrataram a Fonseca´s Gang, uma empresa de segurança privada, para fazer a segurança do Congresso. Elegeu-se então uma delegação para negociar a nossa entrada no Congresso a fim de expor as razões pelas quais a esquerda não participaria do Congresso. Inicialmente, a direção dos liquidacionistas não permitiu a entrada. No entanto, diante da pressão daquela militância indignada e disposta tudo e também pelo fato de que foi dito a eles que os delegados iriam entrar de qualquer maneira, por bem ou por mal, finalmente permitiram a entrada dos delegados da resistência e concordaram que haveria duas intervenções da esquerda e duas dos liquidacionistas.

Dentro do Congresso, nossos companheiros denunciaram o golpe contra o Partido e explicaram as razões porque estavam se retirando para um recinto próximo, onde realizariam uma Conferência de Reorganização do PCB[43]. Era cômico ver uma parcela muito expressiva daquelas pessoas, que nunca tinham sequer militado na esquerda, atônitas e apáticas, sem entender o que estava acontecendo, enquanto a militância agitava bandeiras e entoava palavras-de-ordem para um plenário mudo e perplexo. Após as duas intervenções, os delegados da esquerda se retiraram ordenadamente do plenário e voltaram ao Colégio Roosevelt, onde iniciaram a Conferência de Reorganização do PCB.

Durante os dias 25 e 26 de janeiro de 1992 os delegados discutiram intensamente a nova linha política do Partido, nova estratégia e tática, comprometeram-se a dar continuidade ao partido histórico dos comunistas brasileiros, traçaram a política de reorganização e elaboraram uma resolução política onde avaliam que a queda do socialismo significou um rude golpe aos trabalhadores, mas reafirmam que o capitalismo mantém a sua essência exploradora e, por isso, mesmo é necessária a unidade de todas as forças anticapitalistas para a construção da nova sociedade. A Conferência elegeu um novo Comitê Central e sua Comissão Executiva, que passou a se responsabilizar pela reorganização revolucionária do PCB[44].

Em outras palavras, com a reorganização, o Partido não ficou um minuto sequer sem existir, não ficou um minuto sequer sem sua direção. Enquanto mantinham o Partido com o Movimento Nacional em Defesa do PCB, a Conferência decidiu reafirmar decisão tomada anteriormente (28 de dezembro de 1991) de manter paralelamente o Partido Comunista (PC) “ instrumento jurídico para a retomada do PCB, que se assume como continuador e herdeiro das tradições históricas de heroísmo e combate dos comunistas em nosso País”.[45]

O documento constata que a queda da URSS e dos países do Leste Europeu significou um rude golpe e um grande retrocesso na luta pelo socialismo, analisa as dificuldades oriundas da perda de referência e reafirma as conquistas obtidas pelos países socialistas: “O socialismo sofreu um rude golpe e grande retrocesso com o colapso e dissolução do bloco socialista e da antiga União Soviética. Talvez ainda não se tenha perspectiva histórica para analisar em profundidade o que ocorreu … (Mas) foram numerosas as conquistas dos trabalhadores nos países do chamado socialismo real, materializada nos avanços conseguidos na educação, na saúde, na cultura, na habitação, no pleno emprego … As novas e difíceis circunstâncias sociais, onde se movimentam as massas exploradas, exigem firme atitude política e ideológica para se anteporem à perda de referência internacional”.[46]

A resolução política elaborou um programa de 13 pontos para a luta contra o governo Collor e afirma que o partido deverá ter ativa participação nos movimentos sociais, junto com as forças democráticas e de esquerda. “O Partido Comunista terá intensa e apaixonada inserção na vida política brasileira e participará ativamente dos movimentos comunitários, da vida sindical, dos movimentos em defesa e pela emancipação dos direitos dos cidadãos, em defesa do ecossistema e da paz, em defesa dos direitos das minorias, isoladamente ou em aliança com outras forças políticas progressistas, democráticas e de esquerda, sempre em torno de um programa de ação e nunca em torno de acordos fisiológicos. Esse programa não visa resolver os problemas do capitalismo nem a resolver o problema dos trabalhadores na estrutura capitalista. É um programa para a instituição de uma base material e social com traços socialistas que possa oferecer um patamar sólido para a transformação radical do sistema capitalista”. [47]

Após manifestar sua solidariedade com os comunistas que prosseguem a construção do socialismo em seus países, inclusive no Leste Europeu e na antiga União Soviética, o documento faz um apelo a todos os comunistas brasileiros a unirem-se numa grande frente para conquistar o poder no Brasil. “O Partido Comunista faz um apelo a todos os comunistas, sem partido ou com partido, para unirem-se em ampla frente, com outras forças de esquerda, por cima de divergências, em torno de um programa mínimo, a fim de que a revolução e a conquista da hegemonia na sociedade deixem de ser simbólicos e passem para o domínio da realidade política, com a conquista do poder em nosso país”.[48]

Após a Conferência, todos os delegados retornaram a seus Estados no firme propósito de que evitaram a liquidação do PCB e iniciam um longo, paciente e difícil trabalho de reorganização em todo o País, agora sem os dogmas burocráticos que marcaram a trajetória do PCB nos últimos anos. Para tanto, comprometeram-se a realizar uma reconstrução revolucionária do partido tanto do ponto de vista orgânico quanto teórico, de forma a construir um partido renovado, com uma formulação contemporânea, inserção entre os trabalhadores e o resgate das tradições revolucionárias do PCB.

* Edmilson Costa é Secretário Geral do PCB, doutor em economia pela Unicamp, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É autor de “Imperialismo” (Global Editora, 1987); “A Política Salarial no Brasil” (Boitempo Editorial, 1987); “Um Projeto para o Brasil” (Tecno-Científica, 1998); “A Globalização e o Capitalismo Contemporâneo” (Expressão Popular, 2009) e “A Crise Econômica Mundial, Globalização e o Brasil” (no prelo). O autor integrou o comando do Movimento Nacional em Defesa do PCB.

Notas:

1 Liquidcionistas eram denominados os dirigentes e militantes do PCB que, após a queda do Muro de Berlim e da União Soviética, queriam acabar com o PCB e seus símbolos, descaracterizá-lo de sua referência com o marxismo e ofuscar suas tradições revolucionárias. Esse grupo fundou outra organização, o Partido Popular Socialista, hoje um partido de direita.

2 Estas informações estão baseadas em pesquisa de doutorado de Milton Pinheiro, que entrevistou vários membros do Comitê Central que estiveram exílio.

3 A política de Frente Democrática foi correta até a segunda metade dos anos 70, uma vez que nesse período era necessário unir todas as forças democráticas e de esquerda contra a ditadura. Mas com as greves do ABC a conjuntura mudou completamente, pois a classe operária passou a ser protagonista na luta contra a ditadura. Portanto, era o momento do Partido mudar sua estratégia e se juntar ao movimento de massas para golpear a ditadura e buscar uma ruptura social e política com os trabalhadores rebelados.

4 Carta aos Comunistas. www.marxist.org. Acesso em 08/09/2012.

5 Antônio Ermírio de Moraes é o maior empresário do País e Wellington Moreira Franco é um político conservador do Rio de Janeiro, ex-militante de esquerda.

6 Carta de Princípios da Plataforma da Esquerda Socialista. São Paulo, Nov. 1990. Arquivo do autor.

7 Idem. Pg. 4

8 Idem, pg. 5

9 Manifesto Pela Renovação Revolucionária do PCB. Rio de Janeiro s/d (provavelmente o documento é de 1991). Arquivo do autor.

10 Idem, pg. 1

11 Idem, pg. 4

12 Idem, pg. 1

13 O Brasil dos Comunistas – A direção nacional do PCB apresenta aos militantes do partido e à sociedade brasileira as suas idéias para um País democrático e socialista. Teses para o IX Congresso do PCB. São Paulo: s/d (provavelmente o documento é de 1990), pg. 12. Arquivo do autor.

14 IX Congresso do PCB. O Brasil dos Comunistas – a direção nacional do PCB apresenta aos militantes do partido e à sociedade brasileira suas idéias para um país democrático e socialista. São Paulo: s/d (provavelmente publicadas em 1990), pg. 2. Arquivo do autor.

15 Idem, pg. 3

16 Idem, pg. 3

17 Idem, pg. 3

18 Idem, pg. 11

19 Idem, pg. 12

20 Idem, pg. 12-13

21 Idem, pg. 13.

22 Fomos, somos e Seremos Comunistas – Aos companheiros delegados do IX congresso do PCB. Rio de Janeiro, maio de 1991. Arquivo do autor.

23 Idem, pg. 2

24 Idem, pg. 2 e 3.

25 Idem, pg. 3

26 Idem, pg. 3

27 O debate, o clima do Congresso e as intervenções dos representantes das diversas posições na plenária estão registrados em Documentário “Não é mole não acabar com o Partidão”, com roteiro e direção de Edmilson Costa.

28 Os membros do Comitê Central eleitos no IX Congresso foram os seguintes: TITULARES: Roberto Freire; Salomão Malinha; Sergio Arouca; Davi Zaia; Augusto Carvalho; Bete Wagner; Luis Carlos Moura; Paulo Eliziário; Lucia Souto; Carlos Alberto Torres; Givaldo Siqueira; Luis Antônio Martins (Gato); Moacyr Longo; Byron Sarinho; Rodrigo Campos; Marcos Del Roio; Ignácio da Silva Mafra; Geraldo Rodrigues dos Santos; Francis Pereira (Chiquinho); Ciro Seccato; Fausto Matogrosso; Luiz Carlos Azedo; Arnaldo Jordy; Maria José Feres; Francisco Almeida; Anivaldo Miranda; Ulrich Hoffman; Osvaldo Russo; Fernando Santana; Raul Paixão; José Antônio Segatto; João Batista Aveline; Joel Teodósio; Hermano Paiva; Lícia Caniné (Ruça); Antonio Rezk; João da Cruz; Oscar Niemeyer; Francisco Milani; Horácio Macedo; Ana Montenegro; Oswaldo Pacheco; João Carlos Negão; Isnard Teixeira; Juliano Siqueira; Edmilson Costa; João de Deus Rocha; Trajano Jardim; Raimundo Jinkings; Moacir Dantas; José Milton Pinheiro; Ivan Pinheiro; Antônio Carlos Mazzeo; João Carlos Silveira de Souza; Oswando de Oliveira; Zuleide Faria de Melo; Paulo Gnecco; Roberto Gusmão; Carlos Telles; Celso manco; Roberto Ponciano; Argemiro Lima Lourenço; Luis Carlos Gama; Lauro Hagemann; Edvaldo Gomes; Fernando Peixoto; Geraldo Majella; Maria de Lourdes Faria; Domingos Tódero; Hilário Pinha. SUPLENTES: Welington Mangueira; Severino Melo; Armando Sampaio; Lenilda de Assis; Maria do Socorro; Emília Lima; Julio Vilas Boas; Eduardo Serra; Maria Creuza de Carvalho; Freitas Neto; Salim Carone; Acilino Ribeiro; Marcílio Domingues; Waldomiro Junior; Luis Fernando Mosquito; Regis Cavalcante; Elza Correa; José Augusto Guto; Guilherme de Fátima; José Fernandes Medeiros; Alberto Aggio; Amaro Valentin; Hemilton Bezerra.

29 A Comissão Executiva Nacional divulgou um documento condenando o golpe, onde afirmam: “A Comissão Executiva Nacional vem a público manifestar seu protesto contra a derrubada do presidente da URSS, Mikhail Gorbachev, através de um golpe de Estado, da violação do Estado de Direito Democrático e à legalidade constitucional … A solução de força à crise política, social e econômica experimentada pela Rússia e demais repúblicas da URSS contribui para a volta do clima da guerra fria em todo o mundo. É, portanto, equivocada e merece o repúdio dos comunistas brasileiros. Os dois membros da Executiva, Antônio Carlos Mazzeo e Edmilson Costa, também divulgaram um documento, onde lamentam o desfecho da perestroika e da glasnost, mas apóiam o Comitê de Defesa do Estado. “A crise econômica política, étnica e social estava levando o País ao caos, ao estado de desagregação, ingovernabilidade e à anarquia … Por tudo isso, entendemos que o novo Comitê de Emergência do Estado, ao restaurar a governabilidade, a integridade territorial e barrar a guerra civil que se avizinhava, deve merecer o apoio de todos os comunistas do mundo”. Os documentos foram divulgados à imprensa em Brasília, dia 20 de agosto de 1991. Arquivo do autor.

30 O autor foi um dos participantes desta dramática reunião e testemunha da declaração, junto com os outros membros do CC da esquerda.

31 Jornal Partido Novo (Rumo ao X Congresso Extraordinário do PCB). Outubro de 1991. Em nota os editores dizem que a Voz da Unidade, antigo órgão oficial do PCB, só voltará a circular após amplo debate com a sociedade sobre o tipo de jornal necessário para expressar a nova política. O jornal Partido Novo publicou a resolução Política da Comissão Executiva Nacional que convocou o Congresso e as normas do X Congresso, nas quais definem a eleição dos não filiados. “O X Congresso está aberto à participação, com direito à voz e voto, de todos os que lutam pelo socialismo com liberdade e democracia (Parágrafo 2)”. No Parágrafo 4, Item dois, definem que os delegados podem ser eleitos: “Em assembléias de filiados não estruturados nas atuais organizações partidárias ou não filiados, desde que reconhecidas essas assembléias pelo Diretório Regional ou Executiva Nacional e reunindo no mínimo 10 participantes, sem duplicidade de presença”. Ou seja, não só poderiam participar não filiados como uma figura atípica nas reuniões partidárias, os chamados “não estruturados”, além do fato de que o controle desse processo ficava na mão dos liquidacionistas. Se por acaso a oposição elegesse delegados não filiados, estes poderiam ser impugnados pelas instâncias controladoras. Arquivo do autor.

32 Nessa reunião do Comitê Central ocorreu um episódio interessante. A mesa diretora da reunião, após a aprovação de todas as resoluções que previa a extinção do PCB apressadamente deu por encerrada a reunião. Neste momento, Ivan Pinheiro tomou o microfone da mão do dirigente da mesa e declarou a continuidade dos trabalhos: “A reunião acabou pra vocês, mas para nós que queremos continuar o PCB continua. Em seguida leu o Manifesto em Defesa do PCB. Os membros da esquerda continuaram a reunião e traçaram a estratégia de resistência à liquidação do partido.

33 Em Defesa do PCB. Manifesto dos integrantes da esquerda do Comitê Central lançado na reunião que decidiu pela realização do Congresso Extraordinário. Arquivo do autor.

34 Mesmo não estando presentes, 13 membros do Comitê Central foram consultados e assinaram o manifesto. Os membros que assinaram o documento foram os seguintes: Anna Montenegro (BA); Antônio Carlos Mazzeo (SP); Argemiro Lima Lourenço (DF); Carlos Telles (RJ); Celso Manso (SP); Edmilson Costa (SP); Eduardo Serra (RJ); Guilherme de Fátima (MG); Hemilton Bezerra (PE); Horácio Macedo (RJ); Isnard Teixeira (RJ); Ivan Pinheiro (RJ); João Carlos Negão (RJ); João Carlos de Souza (SC); João de Deus Rocha (MG); José Fernando de Medeiros (AP); José Milton Pinheiro (BA); Lenilda Assis (PR); Luis Carlos da Gama (SC); Maria Creuza Carvalho (PI); Maria do Socorro (SP); Moacir Dantas (PE); Oswando de Oliveira (CE); Paulo Gnecco (SP); Raimundo Jinkings (PA); Roberto Ponciano (RJ); Trajano Jardim (DF); Valdomiro Junior. (BA); Zuleide Faria de Melo (RJ).

35 A coordenação do Movimento era composta pelos seguintes camaradas: Antônio Carlos Mazzeo; Carlos Telles; Edmilson Costa; Ivan Pinheiro; José Milton Pinheiro; Luis Carlos Gama; Moacir Dantas; Raimundo Jinkings; Trajano Jardim e Zuleide Faria de Melo. Arquivo do autor.

36 Idem, pg. 3. Arquivo do autor.

37 Carta assinada por Horácio Macedo, em nome da Mesa diretora da assembléia da ABI, ao presidente do PCB, Roberto Freire. Arquivo do Autor.

38 Resolução Política do Encontro Nacional em Defesa do PCB. Rio de Janeiro, outubro de 1991. Pg. 1e 2. Arquivo do autor.

39 Idem, pg. 1

40 Idem, pg. 2

41 Idem, pg. 2

42 No início do processo o Movimento estava jogando todo o peso para a tirada de delegados ao X Congresso, inclusive já tinha ganho conferências como Rio de Janeiro, Brasília e Bahia, mas foi obrigado a mudar de posição em função da fraude generalizada que estava ocorrendo no País, com a constituição dos “Fóruns Socialistas”, um artifício para fraudar a delegação do Congresso.

43 Os dois delegados que falaram pela esquerda foram Horácio Macedo e Ivan Pinheiro, da Coordenação Nacional do Movimento em Defesa do PCB. Esse evento está registrado no filme “Não é mole não, acabar com o Partidão”.

44 O novo Comitê Central era composto por 39 camaradas efetivos e 12 suplentes, com a seguinte Comissão Executiva Nacional. “Horácio Macedo, presidente (RJ); Ivan Pinheiro, vice-presidente (RJ); Zuleide Faria de Melo, secretária-geral (RJ); Antônio Carlos Mazzeo (SP); Edmilson Costa (SP); João de Deus Rocha (MG); Maria Elisabeth Pereira (SP); Paulo Gnecco (SP); Raimundo Jinkings (PA); Roberto Gusmão (MG); e Trajano Jardim (DF).

45 Resolução Política da Conferência Extraordinária de Reorganização do PCB. São Paulo, 26 de janeiro de 1992. Arquivo do autor.

46 Idem, pg. 2

47 Idem, pg. 3

48 Idem, pg. 4